Ação Executiva: Casos Práticos e Fundamentos Legais
Caso 1: Joaquim vs. Seguradora Vida Segura
Resumo do Caso: Dívida da Seguradora a Joaquim
A seguradora foi condenada em 2021 a pagar a Joaquim:
- €50.000 (já pagos);
- Indemnização por incapacidade (€45.000);
- Salários (€1.600/mês desde 2017);
- Despesas médicas (> €10.000).
Desde então, nada mais foi pago.
1. Como Joaquim deve resolver a situação?
Ação Executiva Comum para Pagamento de Quantia Certa
Fundamentação Legal:
- Art. 10.º CPC: Onde há obrigação certa, líquida e exigível, pode propor-se ação executiva.
- Art. 703.º, n.º 1, al. a) CPC: A sentença é título executivo judicial.
- Art. 550.º CPC: Cabe execução comum.
2. Natureza do Título Executivo
Título Judicial: Art. 703.º, n.º 1, al. a) do CPC
Condições Essenciais:
- Condenação expressa ao pagamento;
- Obrigação líquida (valor determinado ou determinável);
- Exigibilidade (prazo vencido ou de vencimento contínuo).
3. Requerimento da Ação Executiva
Execução Comum para Pagamento de Quantia Certa
Fundamentação e Requisitos:
- Art. 550.º e 551.º CPC;
- Apresentação do requerimento executivo com:
- Título executivo (sentença);
- Valores em dívida (devidamente discriminados);
- Indicação de bens do devedor (se possível).
4. Tribunal Competente e Forma Processual
Definição de Competência e Forma
- Tribunal Competente: Tribunal da comarca da sede da seguradora (domicílio do executado) – Art. 85.º CPC.
- Forma de Processo: Forma ordinária (valor superior a €15.000) – Art. 550.º CPC.
5. Valor da Ação e Patrocínio Judiciário
Cálculo do Valor e Obrigatoriedade de Patrocínio
- Valor da Ação: Soma de todas as prestações vencidas (salários + danos morais + despesas médicas) – Art. 296.º CPC.
- Patrocínio Judiciário: Sim, é obrigatório (Arts. 40.º e 58.º CPC), pois segue a forma ordinária e o valor da causa é elevado.
6. Oposição da Seguradora com Novos Factos
Limites da Oposição à Execução
Não. O juiz deve indeferir tais alegações.
Fundamentação Legal:
- Art. 729.º e 732.º CPC: A oposição à execução só pode basear-se em causa extintiva ou modificativa superveniente.
- Art. 619.º CPC: O trânsito em julgado impede a rediscussão de mérito.
Este ponto testa a aplicação do caso julgado e os limites da oposição na execução.
7. Ausência de Bens Penhoráveis Visíveis
Estratégias de Penhora Alternativas
Penhorar créditos da seguradora ou contas bancárias.
Fundamentação Completa:
- Art. 735.º CPC: Bens penhoráveis são todos os suscetíveis de valor económico.
- Art. 780.º CPC: Penhora de créditos, incluindo contas bancárias.
- Art. 781.º CPC: Obrigação de retenção por parte da entidade bancária.
- Art. 738.º CPC: Penhora de rendimentos periódicos (com limites).
- Art. 832.º CPC: Penhora de créditos da seguradora sobre terceiros (prémios de apólices, comissões, indemnizações a receber, etc.).
Síntese Doutrinária:
Segundo Lebre de Freitas, os créditos sobre terceiros são cada vez mais usados na execução moderna, quando o devedor não tem bens físicos disponíveis.
Conclusão do Caso 1
Joaquim deve propor ação executiva com base em sentença (Art. 703.º, n.º 1, al. a) CPC), seguindo a forma ordinária (Art. 550.º CPC), no tribunal da sede da seguradora (Art. 85.º CPC), com possibilidade de penhorar contas, créditos e rendimentos (Arts. 735.º e 832.º CPC). A oposição da seguradora será indeferida (Arts. 729.º e 732.º CPC).
Caso 2: Alberto vs. Eduardo – Empréstimo e Garantias
Resumo do Caso: Mútuo e Incumprimento
- Eduardo empresta €80.000 a Alberto (amigo) para evitar a venda da casa;
- Documento assinado e reconhecido em cartório foi redigido;
- Alberto assina 4 letras de €20.000, em branco, como garantia;
- Alberto não paga no prazo, compra carro de €55.000 e hipoteca a casa por €120.000;
- Após mais de 1 ano, Eduardo pretende recuperar o valor emprestado.
1. Identificação Jurídica da Relação e Garantias
Qualificação Jurídica e Títulos Executivos
Qualificação Jurídica:
Trata-se de um contrato de mútuo (empréstimo) entre particulares:
“Contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma quantia, obrigando-se esta a restituí-la.”
— Art. 1142.º do Código Civil.
Título Executivo:
O documento assinado com reconhecimento presencial das assinaturas constitui título extrajudicial:
Art. 703.º, n.º 1, al. b), CPC: “Documentos particulares assinados pelo devedor e reconhecidos notarialmente.”
Logo, pode fundamentar ação executiva.
Garantias a Favor de Eduardo:
- As letras de câmbio assinadas em branco também são títulos cambiários, desde que preenchidas nos termos legais (Art. 703.º, n.º 1, al. c) CPC);
- Eduardo pode optar por:
- Ação executiva com base no contrato (Art. 703.º, n.º 1, al. b) CPC), ou
- Ação executiva com base nas letras (Art. 703.º, n.º 1, al. c) CPC), após preenchimento legítimo.
No entanto, para as letras serem válidas como título executivo, devem respeitar:
- Requisitos do Art. 1.º da LULL (Lei Uniforme sobre Letras e Livranças);
- Se preenchidas corretamente após incumprimento, são títulos autónomos e executáveis.
2. Requisitos da Ação Executiva
Requisitos Processuais Essenciais
(Art. 10.º e 703.º CPC)
- Obrigação certa, líquida e exigível;
- Título executivo válido (documento assinado com reconhecimento ou letra);
- Identificação do devedor e do exequente;
- Indicação do montante em dívida;
- Indicação de bens penhoráveis (se conhecidos).
3. Forma de Processo
Execução Comum de Quantia Certa: Forma Ordinária
Execução comum para pagamento de quantia certa, com forma ordinária, pois o valor excede os €15.000 – Art. 550.º CPC.
4. Tribunal Competente
Competência Territorial
Tribunal da comarca de residência do devedor (Alberto, em Lisboa) – Art. 85.º CPC: competência territorial baseada no domicílio do executado.
5. Valor da Ação
Cálculo do Valor da Ação
Valor: €80.000, correspondente à quantia emprestada e não devolvida – Art. 296.º CPC.
O valor da ação corresponde à quantia exequenda.
6. Notificações Após Penhora
Partes a Notificar
- O executado (Alberto);
- Terceiros intervenientes, como:
- O banco, no caso de penhora de contas ou créditos;
- Eventuais credores hipotecários, nos termos do Art. 786.º CPC (para acautelar os direitos em concurso);
- O cônjuge, se o bem penhorado for bem comum (Art. 740.º CPC).
7. Papel do Juiz, Secretaria e Agente de Execução
Competências e Funções
- Juiz:
- Admitem ou indeferem o requerimento executivo (Art. 726.º CPC);
- Decidem sobre oposição, penhoras complexas e embargos.
- Secretaria:
- Tramitação dos atos de expediente (registos, notificações).
- Agente de Execução (AE):
- Realizam as diligências de penhora (Art. 719.º e ss. CPC);
- Verificam bens, notificam partes, gerem o processo executivo até pagamento.
Nota do Professor: Esta pergunta avalia o conhecimento da tramitação da ação executiva e o papel de cada interveniente. É comum em exames orais.
Síntese Doutrinária
- A execução baseada em documentos particulares reconhecidos dispensa ação declarativa prévia (princípio da autonomia da ação executiva);
- A utilização de títulos cambiários é possível, mesmo assinados em branco, se preenchidos com base em acordo e após incumprimento – jurisprudência dominante.
Conclusão do Caso 2
Eduardo tem dupla via executiva: pelo contrato (Art. 703.º, n.º 1, al. b) CPC) ou pelas letras (Art. 703.º, n.º 1, al. c) CPC).
Deve propor execução comum para pagamento de quantia certa (€80.000), no tribunal de Lisboa, com forma ordinária.
Pode penhorar conta bancária, vencimentos ou bens registados. A tramitação processa-se pelo AE, com supervisão judicial e secretaria.
Caso 3: Francisco vs. Fábio – Venda, Letras e Cheque
Resumo do Caso: Venda de Táxi e Incumprimento
- Francisco vende o seu táxi a Fábio por €45.000 em 15/08/2022;
- Fábio entrega um cheque de €15.000 e três letras de €10.000 com aval da esposa Ana;
- Nenhuma das letras foi paga;
- Francisco sabe que Fábio está a viver com luxo e a explorar o táxi;
- Cheque sem cobertura;
- Francisco quer reaver o valor total.
1. Ação Aconselhada e Proposta
Ação Executiva Comum para Pagamento de Quantia Certa
Ação executiva comum para pagamento de quantia certa, com base nas letras e no cheque como títulos executivos.
Fundamentação Legal:
- Letras de câmbio são títulos executivos autónomos – Art. 703.º, n.º 1, al. c) do CPC;
- O cheque, ainda que sem cobertura, também constitui título executivo (desde que apresentado dentro do prazo legal e devolvido por falta de provisão) – Art. 1.º e 45.º da LULL e Art. 703.º, n.º 1, al. c) CPC;
- Para o cheque: apresentar comprovativo da devolução por falta de fundos e protesto/notificação.
Pressupostos Específicos:
- Obrigação certa, líquida e exigível (Art. 10.º CPC);
- Títulos válidos (cheque protestado e letras com vencimento ultrapassado);
- Identificação dos devedores (Fábio e Ana como avalista);
- Indicação dos bens ou requerimento de penhora geral.
2. Forma de Processo
Execução Comum: Forma Ordinária
Execução comum, com forma ordinária, dado o valor total (€45.000) – Art. 550.º CPC.
3. Tribunal Competente
Competência Territorial
Tribunal da comarca do domicílio do executado – Fábio – Art. 85.º CPC.
4. Valor da Ação
Cálculo do Valor da Ação
€45.000 – correspondente ao total do negócio celebrado.
Art. 296.º CPC: O valor da ação é o da quantia exequenda.
5. Bens Penhoráveis
Tipos de Bens Sujeitos a Penhora
Art. 735.º CPC: Bens penhoráveis são todos os bens com conteúdo patrimonial.
Podem ser penhorados:
- O valor da exploração do táxi (€4.000/mês);
- O próprio veículo (se ainda em nome do devedor);
- Contas bancárias, créditos de exploração comercial (Arts. 738.º e 832.º CPC);
- Bens móveis ou imóveis em nome de Fábio e/ou Ana (avalista responde solidariamente – LULL).
6. Intervenção de Outros Credores
Habilitação de Créditos
Sim, podem intervir por habilitação de créditos – Arts. 353.º e 354.º CPC.
Fundamentação:
- Credores podem juntar-se à execução principal, requerendo o reconhecimento dos seus créditos, se tiverem título executivo ou requererem ação declarativa própria.
7. Procedimento para Cheque sem Cobertura
Passos a Seguir
Francisco deve:
- Apresentar o cheque ao banco (Art. 29.º LULL);
- Solicitar protesto notarial ou notificação equivalente (Art. 703.º, n.º 1, al. c) CPC);
- Com a devolução por falta de provisão, pode usar o cheque como título executivo;
- Se pretender, pode acumular o cheque e as letras na mesma execução – Art. 716.º CPC.
8. Títulos Executivos: Função e Natureza
Função e Classificação
Função:
Permitem iniciar execução sem necessidade de nova ação declarativa – realizam o direito previamente reconhecido ou formalizado.
Classificação dos Títulos Executivos (Art. 703.º CPC):
- Judiciais: Sentença condenatória transitada;
- Extrajudiciais:
- Documentos com reconhecimento notarial (Art. 703.º, n.º 1, al. b) CPC);
- Títulos de crédito – letras, livranças, cheques (Art. 703.º, n.º 1, al. c) CPC).
Doutrina:
Segundo Lebre de Freitas, os títulos executivos concretizam o “direito à tutela jurisdicional efetiva” consagrada no Art. 20.º da Constituição – evitam nova discussão judicial e permitem atuação imediata do poder executivo do Estado (penhora e venda de bens).
Conclusão do Caso 3
Francisco deve interpor ação executiva comum com forma ordinária, no valor de €45.000, com base nas letras e no cheque (Art. 703.º, n.º 1, al. c) CPC).
O tribunal competente é o da residência de Fábio.
Pode penhorar contas, valores da exploração do táxi e até bens da avalista Ana.
Outros credores podem habilitar-se.
Títulos são válidos, e o cheque sem cobertura é também executável desde que formalizado com protesto ou notificação.