Acesso à Justiça e Soluções Alternativas: O Modelo Pasárgada

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A Inacessibilidade à Justiça Estatal e a Emergência de Conflitos

A justiça só conhece os conflitos que lhe são apresentados à luz do direito do Estado. O problema reside no fato de nem todos terem acesso a esse direito. A justiça, consequentemente, não conhece conflitos que decorram da contemplação do direito do Estado. Havendo conflitos fora do direito do Estado, esses não podem ser selecionados pelo Judiciário, haja vista que este decide de acordo com o direito do Estado. Com a democratização da sociedade e do Estado, tem-se reclamado o acesso à justiça por todos: democratização da justiça (acesso à justiça tradicional, moderna).

Na sociedade brasileira, nem todos têm acesso à justiça, nem todos podem recorrer a ela para resolver seus conflitos. Assim, o direito que decorre da resolução de conflitos não levados à justiça decorrerá de outras instâncias de conflitos. Quando os conflitos não são solucionados, emerge uma sociedade violenta, conflituosa, litigiosa. As formas sociais de conflitos e resolução destes fora do Judiciário, fora do direito do Estado, se enquadram na categoria alternativa. Tem-se, portanto, que a alternatividade é a expressão social da inacessibilidade ao direito e ao Judiciário.

Pasárgada: Organização Social e Direito da Sociedade

Em Pasárgada (favela do Jacarezinho nos anos 70), a sociedade almeja alcançar, através da organização social, aquilo que é responsabilidade do Estado, mas este não providencia para todos, e sim apenas para alguns: controle e ordem através da lei e da coação. A sociedade alcança o controle e a ordem, mas sem a coação do Estado. Os moradores da favela precisam diminuir os conflitos em Pasárgada, pois, sendo menos conflituosos, serão menos visíveis, e assim a sociedade civil pode não querer sua remoção. Direito do Estado X Direito da sociedade. Enquanto o primeiro caracteriza-se pela existência de regras anteriores ao fato, o segundo cria regras para cada caso específico em razão da solução que o conflito exige.

O Conceito de Arbitramento

Arbitramento: um terceiro, que não faz parte do conflito, é quem decide, e a decisão é aceita independentemente do uso da força.

Observações sobre a Intervenção Estatal em Pasárgada

Para o Estado intervir em uma área, esta deve ser legal. Assim, o Estado pode cobrar tributos, p. ex. A remoção de Pasárgada era inviável sobretudo por dois motivos. O primeiro era que, politicamente, os moradores constituíam um grupo de eleitores. O segundo era o material de construção das casas, que dificultava a remoção.

Habitação, Ilegalidade e Resolução de Conflitos em Favelas

A habitação é um direito assegurado na Constituição Federal para todos; no entanto, a realidade conhece uma face diferente: nem todos têm acesso a ela do mesmo modo. Desta forma, muitos recorrem a vias alternativas como estratégia de sobrevivência e reprodução. Pasárgada é caracterizada de forma específica por se desenvolver no império da ilegalidade, com construções ilegais nos terrenos, constituindo ocupações ilegais. Desta forma, as relações que daí decorrerão estarão contaminadas pela ilegalidade.

Na favela, nos anos 30, como havia terra de sobra, os conflitos por terra eram resolvidos com a mudança de uma das pessoas para outro pedaço de terra (política da boa vizinhança). Nos anos 70, no entanto, a extensão da favela estava toda ocupada. Havendo conflito, este não poderia ser solucionado através da mudança de lugar. Deste modo, surgem outras vias de solução, baseadas na violência de conflitos físicos, o que constituía uma ameaça à favela, já que dava visibilidade à ilegalidade da favela, resultando na população civil querer sua remoção.

Contudo, os conflitos também não poderiam ser resolvidos na justiça tradicional, haja vista que os habitantes de Pasárgada não reconhecem o direito à luz do direito do Estado. Também não podem chamar a polícia, já que esta representa o Estado e a oficialidade dele. Inacessibilidade a estruturas oficiais. Desta forma, os moradores da favela tentam enfrentar a situação através de um direito alternativo (alcançar aquilo que não pode ser alcançado através do direito do Estado, violando o Estado e contrariando o próprio direito do Estado), através da criação da Assembleia dos Moradores, que constitui um arbitramento sem que se recorra à força física do Estado.

Unidade 6: Direito, Alternatividade e Extra-legalidade

Nem teoria, nem ideologia. Nem apologia, nem detração. Modelos analíticos referidos a experiências concretas (ao Estado, ao direito do Estado, ao Judiciário).

Modelo do Alternativo Paralelo ao Estado (Stricto Sensu)

A história jurídico-social de Pasárgada. Boaventura de Souza Santos. Preocupação: pluralismo jurídico. Visão do direito: Estado (fora, paralelo, contra). Método: investigação empírica. Unidade de análise: discurso jurídico (ato de fala). Área da vida social: habitação em Pasárgada nos anos 70. Favela: processo de reprodução social do operariado industrial do capitalismo periférico.

Condições Específicas e Soluções em Pasárgada

Condição específica: império da ilegalidade (ocupação, construção, relação) e inacessibilidade quanto às estruturas oficiais de ordenação e controle (Judiciário, polícia). Solução dos conflitos: privatização possessiva do direito e visibilidade da ilegalidade. Associação de moradores: arbitramento de terceiro. Decisão aceita, sem coação física estatal. Forma societal de resolução de conflito de modo extra-estatal. Mas com recurso a elementos do direito moderno (estatal).

Retórica e Lógica do Sistema de Pasárgada

Retórica: justiça, equidade, cooperação, boa vizinhança. Valores compartilhados pela população. Sem discurso ético, prevalece a lei do mais forte. Lógica: versão oral do código municipal de obras, forma de registro público. Além disso: processo, objeto, decisão. Homologações públicas.

Há uma luta interna para que Pasárgada não seja removida, o que simboliza que eles mesmos estão resolvendo seus próprios conflitos. Assim, tem-se a resolução do conflito fora, paralelo e contra o Estado (ordem jurídica societária). Não existe o monopólio do uso da força. Boaventura cria uma alternativa: ilegalidade traduzindo uma forma própria, de ilegalidade e informalidade. Em Pasárgada, a associação de moradores cria um outro regime jurídico, com regras novas; no entanto, esse regime tem relação e é referencial ao regime jurídico do Estado. Assim, tem-se um duplo regime jurídico em Pasárgada. Direito fora, paralelo e contra o Estado.

Alternatividade: Conceituação e Caracterização

No campo do direito não há discurso elogioso à alternatividade. Quanto à alternatividade, não há ainda uma teoria ou uma ideologia. Estudada segundo modelos analíticos, referidos à estrutura social e histórica concreta.

Caracterização do Direito, da Justiça e do Estado

O Judiciário é um órgão do Estado para administrar a justiça. Alternativo referente ao tradicional. Direito do Estado/Justiça do Estado (1) e Direito Alternativo/Justiça Alternativa (2).

Direito do Estado e Justiça Estatal (1)

Direito positivo, formal e coercitivo (posto e imposto pelo Estado); o Estado possui o monopólio do uso da força. A justiça tem a função de diminuir os conflitos, aplicando o positivado em leis e códigos.

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