Adoção por Casais Homoafetivos

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Introdução

Atualmente, há o debate sobre a possibilidade de casais homoafetivos adotarem uma criança ou um adolescente. Os argumentos mais frequentes sobre o tema é que os mesmos influenciariam a orientação sexual da criança e adolescente, existindo uma tendência dos menores optarem pela homossexualidade. Além disso, os mesmos seriam vistos pela sociedade com a figura de dois pais ou de duas mães, havendo possibilidade da criança sofrer severas discriminações.

Entretanto, não há legislação que trate da adoção em conjunto por homossexuais que possuam uma união firme, duradoura, baseada no respeito e fidelidade. E, por não existir uma lei que regulamente tal adoção, faz com que o direito que os mesmos possuem de adotar fique estagnado, deixando os homoafetivos de gozarem do direito de terem filhos pelo instituto da adoção.

Vale ressaltar que, mesmo sem uma lei que regulamente o assunto, já houve decisões no sentido de favorecer casais do mesmo sexo a adotar em conjunto uma criança e adolescente. Isto porque os juízes que decidiram os casos se pautaram nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, igualdade e o melhor interesse da criança para justificar o direito dos homoafetivos de adotar e o direito das crianças e adolescentes de serem adotadas.

Diante de tais argumentos, há uma necessidade sócio-jurídica de analisar a possibilidade de casais do mesmo sexo poderem adotar uma criança, tendo em vista que os mesmos possuem ao seu favor o da dignidade da pessoa humana e isonomia. Além disso, os direitos da criança e do adolescente de serem postos em uma família substituta, ao invés de não terem nenhuma expectativa de vida futura.

Conceito e Finalidade da Adoção

Por ser um dos institutos mais antigos e integrantes dos costumes de quase todos os povos, a sua conceituação varia de acordo com a época e as tradições de cada povo (GRANATO, 2010, p. 27). Portanto, possuindo conceitos e finalidades diferentes em diversas épocas.

Na antiguidade, o sentido da adoção era ligado à perpetuidade da família, pelo culto religioso, cumprindo à filiação a continuidade patrimonial, moral e religiosa da família (GIRARDI, 2005, p. 113). A perpetuidade e desejos pessoais não eram fundamentais, e sim o culto religioso, prevalecendo os laços religiosos.

Nesse período, Sílvio Rodrigues afirma que a última forma de assegurar a continuidade da família e a perpetuação de seu culto, quando não havia a possibilidade de se ter um filho, era pelo instituto da adoção, cabendo aos filhos cultuar as memórias de seus antepassados (2004, p. 335). Aqueles que não tivessem como fazê-lo possuíam risco de ter sua família extinta por não ter como cultuar seus ascendentes.

Na Grécia, a adoção exercia uma finalidade social e política, onde somente os cidadãos podiam adotar e serem adotados (JÚNIOR, 2008, p. 91). Venosa afirma que a adoção era um recurso para a manutenção do culto da família pela linha masculina, visto que o direito sucessório somente era permitido pelos homens (2003, p. 253). Portanto, era perceptível em tal período a finalidade social, política e religiosa da adoção, visando interesse do adotante.

Já no Império Romano, através da religião, as pessoas pediam pela ascendência de suas famílias, mas caso isso não fosse realizado através da natureza, a adoção era concretizada, como sendo uma forma de fornecer a família à ascendência, visto que a natureza não podia concretizar (VENOSA, 2003, p. 253).

Deste modo, Viviane Girardi afirma que na Idade Média a adoção foi mais compilada e sistematizada juridicamente, sendo em tal período mais expandida (GIRARDI, 2005, p. 115). Mas sempre visando o culto de seus ascendentes.

Antes do advento do Código Civil de 1916, a adoção era regida esparsamente, de forma não sistematizada, sendo que somente com o advento do mesmo é que o ordenamento brasileiro veio disciplinar o instituto da adoção como sendo o instituto destinado a dar filhos de forma fictícia (RODRIGUES, 2004, p. 336). Ou seja, com o único objetivo de dar possibilidade para aqueles que não tinham condições de ter um filho.

Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira conceitua a adoção como sendo um ato jurídico em que uma pessoa recebe outro como filho, independentemente de existir entre elas qualquer parentesco consanguíneo ou afim (2000, p. 211), ainda nos moldes do Código Civil de 1916.

A adoção para Orlando Gomes é um ato jurídico que é estabelecido, independentemente do fato natural da procriação sendo, portanto, uma ficção legal que permite a duas pessoas um laço de parentesco do primeiro grau na linha reta (2002, p. 369), criando laços familiares perpétuos.

Para Maria Berenice Dias a adoção é um ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial, criando um vínculo fictício de filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica (2007, p. 426), possuindo os filhos adotivos direitos e deveres de qualquer filho.

A adoção é uma modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural, sendo conhecida como filiação civil porque não resulta de uma relação biológica, mas sim de uma manifestação de vontade sustentada em uma relação afetiva entre o adotante e adotado (VENOSA, 2003, p. 315). Portanto, a pessoa passar ter status de filho independentemente de uma relação biológica.

Vale ressaltar que a finalidade da adoção foi transformada ao longo do tempo, visto que adoção no Código Civil de 1916 tinha por objetivo dar a um casal sem filhos uma possibilidade de criar uma criança e adolescente e tê-lo como filho, sendo que posteriormente tal finalidade foi modificada tendo em vista o melhor interesse do menor (VENOSA, 2003, p. 316). A adoção não visa mais o bem estar do adotante, as suas necessidades de ter e criar um filho, e sim o melhor interesse da criança e do adolescente adotado.

Além disso, para que haja o deferimento da adoção é necessário fazer a demonstração das reais vantagens para adotado, pois há uma gama de princípios constitucionais que asseguram direitos a criança e adolescente, apresentando como finalidade primordial o bem estar e a colocação do adotado em sua família substituta com suporte emocional e financeiro para atender as suas necessidades básicas (RAMOS, 2008, p. 25-26), primando consequentemente para a proteção e respeito aos direitos da criança e adolescente.

A adoção significa mais do que a busca de uma família para uma criança e adolescente. Foi abandonada à concepção tradicional que tinha prevalência da busca de uma criança para uma família (DIAS, 2007, p. 427), com isso a finalidade da adoção passou a ser a demonstração do melhor interesse da criança.

Caroline Ramos afirma que a finalidade da adoção visa à satisfação de ambas as partes, ou seja, objetiva tanto a realização do desejo de uma pessoa que não pode ter um filho biologicamente ou geneticamente, como também por motivos de ordem pessoal, além do interesse que uma criança e adolescente possui no sentido de possui um lar digno de seus direitos (2006, p. 26), ou seja, as finalidades são de ambas as partes, mas priorizando sempre o interesse do menor.

Desse modo, a exata finalidade da adoção é oferecer um ambiente familiar favorável ao desenvolvimento de uma criança que por algum motivo ficou privada de sua família biológica, atendendo às reais necessidades da criança dando a mesma uma família em que se sinta segura e amada (GRANATO, 2010, p. 29-30). Não há como justificar a adoção de uma criança e adolescente somente com o objetivo de benevolência, devendo ter como objetivo a proteção do menor com sujeito de deveres e de direitos.

Requisitos para Adoção

Para que haja o deferimento da adoção de uma criança e adolescente é imprescindível que o adotante atenda aos requisitos exigidos pela lei. Rossato e Lépore (2009, p. 51) afirmam que é necessário que o candidato à adoção preencha os requisitos objetivos e subjetivos.

No que tange ao requisito subjetivo, é necessário para sua caracterização a idoneidade do adotante, além dos reais motivos legítimos para a adoção que se traduz no desejo de filiação, ou seja, na vontade de ter a pessoa em desenvolvimento como filha (ROSSATO; LÉPORE, 2009, p. 52).

No que se refere aos critérios objetivos, o artigo 40 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que o adotando deve ter, no máximo, dezoito anos à data do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.

Eunice Ferreira Rodrigues Granato afirma que, embora a lei não trate um limite de idade para o pedido de adoção, uma vez que o adotando esteja sob a guarda ou tutela, é incontestável que o pedido de adoção deve ser feito até os 21 anos de idade (2010, p. 73), pois, caso contrário, não há como requerer a adoção de um maior, pois cessa a guarda ou tutela.

Vale lembrar que aquele que estiver com dezoito anos ou mais, somente poderá ser adotado com base no Código Civil de 2002 e não com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, se o pedido da adoção for feito no dia imediato após completar o adotando dezoito anos, não mais poderá seguir as regras do ECA, mas sim do Código Civil (GRANATO, 2010, p. 73). Portanto, não há que se falar em adoção para maiores de 18 anos à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em sentido contrário, Rossato e Lépore (2009, p. 43), afirmam que todas as adoções, sejam de crianças, adolescentes ou adultos, serão regidas pelo Estatuto, guardadas as particularidades próprias das adoções de adultos. Isto porque os autores afirmam que de acordo com a nova redação dos artigos 1618 e 1.619 do Código Civil, a adoção de crianças será regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e no mesmo sentido a adoção de adultos será regida pela mesma lei.

Ishida afirma que o critério etário deixa de ser importante no que tange ao julgamento da adoção da criança, pois não mais se discute a admissão do adotando maior de 18 anos perante a Vara da Infância e Juventude, ficando a mesma somente competente para julgar tanto o menor adotando de 18 anos (2005, p. 71- 72), pois trata de criança e adolescente.

No que se refere ao consentimento do adotando, convém destacar o posicionamento de Rossato e Lépore, que afirmam que deve haver a concordância do adolescente, e que quando possível a criança deverá ser ouvida, ainda que a sua opinião não seja determinante, pois se trata da decorrência do princípio da proteção integral em que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e não objeto de proteção (2009, p. 53), pois ao contrário do adolescente, não há necessidade de concordância no menor.

Em sentido diverso, Granato afirma que o artigo 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente peca ao falar em “consentimento”, pois a concordância ou discordância não deve representar o deferimento ou indeferimento da adoção, tendo em vista que o menor não tem discernimento para consentir, melhor ter sido utilizado pelo legislador o termo “oitiva” (2010, p. 108). É importante ressaltar que a vontade o adotando deve ser levada em consideração para que o mesmo integre a nova família, mas não é decisiva para deferir ou indeferir a adoção.

A respeito do consentimento dos pais ou do representante legal, o Estatuto afirma em seu artigo 45 § 1° que o mesmo será dispensado quando os pais ou representante legal forem desconhecidos ou tentam sido destituídos do poder familiar. Nestes casos, o que tenta priorizar é o “bem-estar do menor” (DIAS, 2007, p. 431) diante da vulnerabilidade dos mesmos.

É importante salientar que o consentimento dos pais ou representante legal do adotando não é essencial para adoção, visto que se os pais não concordam com a adoção, mas ao mesmo tempo não cumprem o seu dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores poderão ter seu poder familiar destituído dispensando seus consentimentos (GRANATO, 2010, p. 78). Neste caso, é necessário um procedimento contraditório para que haja a destituição do poder familiar conforme assegura o artigo 45 § 1° do Estatuto.

Em relação à idade do adotante, o ECA exige a capacidade para adotar, ou seja, 18 anos de idade tendo em vista a redução da capacidade civil (DIAS, 2007, p. 429). A diferença entre o adotante e adotando deve ser de 16 anos conforme explicita o artigo 42, § 3° do Estatuto.

Maria Berenice Dias afirma que essa distância de tempo busca imitar a vida, pois é a diferença em anos para a procriação, mas admite flexibilização para a regra tendo em vista se o pedido de adoção é antecedido de um período de convívio por lapso de tempo que permitiu a constituição da filiação afetiva (2007, p. 430). Portanto, se houver um convívio com certa duração anterior a adoção a regra poderá ser afastada.

Nesse sentido, Luciano Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore (2009, p. 52) asseguram que no caso de a adoção ser bilateral, poderá haver o deferimento da adoção se apenas um dos adotantes preencherem o requisito de diferença de idade entre adotante e adotando.

Vale ressaltar que para adotar independe do estado civil, devendo o adotante ser maior de 18 anos conforme artigo 42 do ECA. Entretanto, para a adoção em conjunto é necessário que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família, conforme reza o artigo 42 § 2°.

Entretanto, o artigo 42 § 2° que foi alterado pela Lei 12.010/09 a chamada “nova lei de adoção” trazendo empecilho para adoção em conjunto por homossexuais (GRANATO, 2010, p. 79). O tema da adoção por casais homoafetivos será analisado posteriormente.

No que diz respeito a adoção para divorciados, judicialmente separados, e os ex-companheiros previsto no artigo 42 § 4°, Luciano Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore afirma que a expressão “ex-companheiros” abre espaço para adoção por casais homoafetivos, visto que não se exige formalização de uma união pelo casamento ou pela união estável ainda em curso, para que se possa reconhecer a possibilidade de adoção bilateral (2009, p. 44). Afirmando nesse sentido que o deferimento das adoções por casais homoafetivos é cada vez mais frequente.

Para adotar é necessário que o adotante faça um cadastro de caráter obrigatório previsto no artigo 50 do Estatuto, a nova lei da adoção tornou indispensável à inscrição dos pretendentes à adoção (GRANATO, 2010, p. 80). Isto porque o ECA já previa a obrigatoriedade de um cadastro para os interessados em adotar, mas só com a nova lei de adoção tal cadastro se tornou indispensável.

O artigo 50 do ECA afirma que é necessário haver em toda comarca ou foro regional um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção, mantido pela autoridade judiciária.

Convém destacar o § 5° do artigo 50 que trata da criação dos cadastros da adoção. Tal artigo assegura que “[...] serão criados e implantados cadastros estaduais e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e de pessoas ou casais habilitados”.

Para dar cumprimento ao artigo, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a Resolução 54/08 criando o cadastro Nacional de Adoção, possibilitando com isso o encontro de pessoas interessadas em adotar, com crianças e adolescentes que possam ser adotadas podendo assim haver a concretização de adoções que não ocorreriam se não existisse o cadastro (GRANATO, 2010, p. 82-83), fazendo com que haja uma troca de informações.

Nesse sentido, a finalidade da Resolução 54/08 é colocar em prática a implantação de um Banco de Dados único e nacional de informações sobre crianças e adolescentes a serem adotados e de pretendentes à adoção (ROSSATO; LÉPORE, 2009, p. 56). Desse modo, visando à unificação dos dados cadastrais do adotando.

O objetivo principal do Banco de Dados é viabilizar os esgotamentos de buscas de habilitados residentes no Brasil antes de se deferir a adoção a uma família estrangeira (ROSSATO; LÉPORE, 2009, p. 56) priorizando, portanto, a adoção por residentes brasileiros em detrimento de estrangeiros.

No que se refere a convocação para adoção, Granato afirma que o artigo 197-E do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer ordem cronológica de inscrição no cadastro de pretendentes à adoção, retira do magistrado a opção de entrega da criança ou adolescente aos pretendentes que melhor atendam ao interesse da criança (2010, p. 87).

Isto se justifica, por exemplo, pelo fato de um casal que se encontra em último lugar da fila poderia se adaptar aos interesses do menor (2010, p. 87). Portanto, tornando-se incoerente tal ordem cadastral.

Dignidade da Pessoa Humana e Adoção Homoafetiva

Devido às mudanças que ocorrem na sociedade e que precisam ser reguladas pelo direito, o ordenamento não é capaz de prever todas as situações e condutas humanas necessitando de válvulas que permitam a adequação da norma à vida social (COELHO, 2009, p. 228). Tais válvulas são os princípios fundamentais.

Luiz Eduardo Toledo Coelho afirma que por ser a Constituição Federal aberta e repleta de princípios, deve-se ter em mente que o princípio norteador de todo sistema é o princípio da dignidade humana (2009, p. 229). Entretanto, antes de abordar o princípio da dignidade da pessoa humana, é necessário analisar o conceito de princípio no ordenamento jurídico brasileiro.

Os princípios nas palavras de Paulo Bonavides (2006. p. 294) “[...] são qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição”, os mesmos sustentam e dão equilíbrio ao ordenamento jurídico.

Para José Afonso da Silva os princípios são ordenações que se irradiam e imantam nos sistemas de normas (2007, p. 92). Já para Luís Roberto Barros (2009, p. 208) os princípios indicam uma direção, um valor, um fim, pois sugerem diferentes direções a serem seguidas numa ordem pluralista havendo muitas vezes colisões entre os princípios.

No que tange a dignidade da pessoa humana, a mesma constitui um dos fundamentos do Estado brasileiro, previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, sendo um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem (SILVA, 2007, p. 105), unificando todos os direitos fundamentais devido seu amplo sentido normativo.

Sarlet afirma que não é uma tarefa fácil obter uma definição consensual do princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que o mesmo é um resultado de uma opção racional de que se cuida a própria condição humana do ser humano (2010, p. 163).

A condição de seu reconhecimento e proteção pela ordem jurídica constitucional decorre um complexo de posições jurídicas fundamentais, tendo a ressalva de que o conceito de dignidade humana não pode ser vazio, e nem se prestar a interpretações equivocadas (SARLET, 2010, p. 163). Nesse sentido, o autor propõe um conceito do princípio da dignidade da pessoa humana como sendo:

“A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.” (2010, p. 70)

Luís Roberto Barroso (2009, p. 251) afirma que o princípio da dignidade da pessoa humana está na origem dos direitos fundamentais, representando o núcleo essencial de cada um dos direitos individuais ou coletivos sendo, portanto, o “comando” de todos os direitos fundamentais.

Sarlet (2010, p. 71) analisa que a Constituição Federal de 1988 foi à pioneira das constituições brasileiras a trazer em seu bojo um título específico sobre os direitos fundamentais. Passou assim a conceder a qualidade de normas que embasam e informam a ordem constitucional, considerando a dignidade da pessoa humana como um princípio fundamental.

Por ter sido recepcionado pela Carta Magna de 1988 como fundamento da República Federativa do Brasil, Girardi (2005, p.49) afirma que a existência da ordem jurídica se dá através do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana independentemente de diversos atributos como sexo, condição social, idade, pelo simples fato de integrar a comunidade de seres humanos, sendo inerente a todo ser humano tal princípio.

Luís Roberto Barroso assegura que o princípio da dignidade da pessoa humana localiza-se no espaço em que é assegurado a todas as pessoas pela sua existência como sendo um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem (2009, p. 252).

Nestes termos, a dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência, e também o desrespeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, pois representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar (BARROSO, 2009, p. 252).

Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 159) afirma que um Estado ao consagrar em sua ordem constitucional o princípio da dignidade da pessoa humana parte da premissa de que o homem através de sua condição humana independentemente de qualquer circunstância é titular de direitos que devem ser respeitados pelos seus semelhantes e pelo Estado.

Para Roberto Vecchiatti (2008, p. 148) a valorização da dignidade humana implica em proteger o ser humano do próprio ser humano, para que aqueles que se encontrem em melhores condições não possam se aproveitar disso para subjugar outros em pior situação fática.

Além disso, Roger Raupp Rios (2001, p. 89) assevera que o princípio da dignidade humana tem como núcleo essencial a ideia de que a pessoa humana é o fim em si mesma, não sendo o ser humano em virtude de sua dignidade, um meio para a realização de outros fins.

Di Lorenzo apud Sarlet afirma que a dignidade é irrenunciável e inalienável, sendo uma qualidade intrínseca da pessoa humana, pois a mesma é elemento que qualifica o ser humano e dele não pode ser separado, de modo que não se pode pensar o ser humano não sendo titular de tal direito (2009, p. 50), portanto é inerente ao mesmo.

Cláudio José Amaral Bahia (2006, p. 50) assegura que a interferência do princípio da dignidade da pessoa humana irradia dentro do ordenamento jurídico efeitos como a valorização da igualdade entre os homens, impedindo que o homem fosse considerado um mero objeto.

Como foi analisado no capítulo anterior, as relações homoafetivas estão enquadradas constitucionalmente como uma forma de família. Por ser uma relação familiar, Lourival Serejo afirma que a dignidade humana como um dos fins do Estado Democrático de Direito, incide o respeito aos direitos fundamentais, não só em referência ao Estado, mas também nas relações pessoais como direito de ser reconhecido como pessoa humana (2004, p. 20).

Além disso, Viviane Girardi (2005, p. 133) assegura que a família é um instrumento de realização da pessoa humana, pois toda pessoa necessita de relações de cunho afetivo para se desenvolver e ter uma felicidade plena, além do que não são somente as formas convencionais de união que são consideradas de família, enquadrando as relações homoafetivas como sendo uma forma de constituição de família prevista constitucionalmente.

Deste modo, a dignidade é o respeito que cada um merece do outro, e que se inicia no seio familiar em que a educação deve ser voltada para essa conscientização (SEREJO, 2004, p. 20).

Nesse sentido convém destacar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu a favor do reconhecimento do vínculo familiar entre casais do mesmo sexo. A decisão foi proferida pela então Desembargadora Maria Berenice Dias, reconhecendo como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo à luz da dignidade da pessoa humana e igualdade:

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo.” (Apelação Cível n° 70012836755, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, julgado em 21/12/2005)

Além dessa decisão, convém destacar a decisão de 2008 do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, que timidamente vem decidindo sobre o vínculo familiar entre casais homoafetivos. Tal decisão, proferida pelo Desembargador Cleones Carvalho Cunha, na Apelação Cível 020371/2008, equiparou a relação homoafetiva à união estável devendo ser analisada à luz do Direito de Família. Além de reconhecer a partilha igualitária dos bens do casal. Portanto, reconhecendo as relações homoafetivas como sendo uma entidade familiar digna de tutela, pois o matrimônio por si só não acarreta a formação de uma família.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a impossibilidade da adoção por casais do mesmo sexo fere frontalmente o princípio da dignidade humana, visto que tal princípio não pode ser criado, concedido ou retirado, embora possa ser violado, já que a dignidade da pessoa humana é reconhecida e atribuída a cada ser humano (SARLET, p. 50).

Nesse diapasão, Maria Berenice Dias (2009, p. 216) afirma que o direito a adoção por casais homoafetivos tem fundamento de ordem constitucional, não sendo possível excluir o direito a paternidade e à maternidade de gays e lésbicas sob pena de infringir o respeito à dignidade humana, pois o mesmo é que sintetiza o princípio da igualdade e da vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem.

Convém destacar que não é unânime o posicionamento acerca da possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo. Figueiredo (2009, p. 94) é enfático ao afirmar pela impossibilidade da adoção por casais homossexuais. Para o autor a Constituição Federal em seu artigo 226, § 3° reconhece como entidade familiar a união estável entre um homem e uma mulher, o que leva a concluir que a união entre pessoas do mesmo sexo não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro. Consequentemente não haveria como um casal homoafetivo adotar uma criança e adolescente.

Nessa mesma linha de pensamento, Guilherme Calmon Nogueira Gama afirma que a união estável somente é considerada entre pessoas do sexo oposto, tendo em vista que a sexualidade natural somente é possível com a sua prática entre homem e mulher, podendo o Estado dispensar um tratamento desigual aos particulares justificadamente (2000, p. 171). Portanto, desconsiderando a possibilidade da adoção por homossexuais por não considerar a união estável entre casais do mesmo sexo.

Em posicionamento oposto, Viviane Girardi (2005, p. 130) afirma que a possibilidade de adoção por casais homossexuais é possível mediante a utilização de mecanismos jurídicos de interpretação somados ao contexto legal que estabelece a pluralidade das formas de organização familiar. Afirma que para que isso ocorra é necessário que o operador jurídico estabeleça os valores jurídicos que pretende assegurar juridicamente, pois a adoção por casais do mesmo sexo envolve empecilhos morais e culturais, tornando evidente a presença do elemento subjetivo para decisão.

Nesse sentido, o Tribunal do Rio Grande do Sul decidiu acerca da possibilidade da adoção por casal homoafetivo, observando que essas uniões são consideradas como entidade familiar, mostrando que não há qualquer prejuízo à criança e adolescente de serem adotados por um casal do mesmo sexo:

“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.

Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. ” (TJRS, AC 70013801592, 7°. Câm. Cív., j. 05.04.2006, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos)

Em 2006 a Juíza Sueli Juarez Alonso da Vara de Infância e Juventude de Catanduva no Estado de São Paulo no processo n° 234/2006 permitiu a adoção em conjunto de uma menina por um casal de homens. A menina já tinha sido adotada por um dos homens e o parceiro pleiteou junto à justiça a adoção da criança, visto que o casal mantinha um relacionamento estável há 14 anos.

O Tribunal do Paraná também já se manifestou no sentido de possibilitar a adoção por casais do mesmo sexo em seu Acórdão 529.976-1 tendo como relator o Desembargador D` Artgnan Serpa Só em decisão proferida em 2009, afirmando que as uniões homoafetivas são reconhecidas como entidade familiar merecendo tutela legal, não havendo, portanto, empecilho para a adoção por pares do mesmo sexo.

Atualmente, não há na 1° Vara de Infância e Juventude de São Luís do Maranhão decisão acerca da possibilidade de adoção em conjunto por casais homoafetivos, visto que não há casais habilitados para tentar adotar uma criança e adolescente.

Entretanto, como foi analisado anteriormente, já há uma decisão no Tribunal de Justiça do Maranhão, no sentido da equiparação das relações homoafetivas à união estável. A decisão considera as mesmas como uma entidade familiar, sendo que tal fato no futuro poderá possibilitar a adoção por pares do mesmo sexo, caso seja pleiteado judicialmente.

Pode-se verificar que as entidades familiares homoafetivas têm recebido um tratamento digno e respeitoso por vários tribunais no que tange a adoção por casais homoafetivos (IOLOVITCH, MACHADO, 2010, p. 308), reafirmando os direitos previstos pelo princípio da dignidade humana e isonomia.

É necessário observar que a adoção visa à proteção da criança e do adolescente de todo e qualquer tipo de violência e discriminação. Para que ocorra tal objetivo, é necessário observar se a inclusão de uma criança e adolescente no seio de uma família homoafetiva não irá prejudicar o desenvolvimento do menor, de acordo com princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (SALAZAR, 2006, p. 115), sendo que tal análise será posteriormente aprofundada

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