Análise de 'A Aurora' de Lorca e a Geração de 27

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Análise de 'A Aurora' de Federico García Lorca

Contexto Histórico e Literário: A Geração de 27

A chamada Geração de 27 surgiu na cena cultural espanhola por volta do ano 1927, com a homenagem prestada ao poeta Luis de Góngora no Ateneo de Sevilha, evento que reuniu a maioria daqueles que são geralmente considerados seus membros. Atualmente, todos os membros da Geração de 27 já faleceram.

A data de 1927, tricentenário da morte de Góngora, serviu para batizar um notável grupo de poetas espanhóis, alguns deles também professores eminentes. Discípulos de Juan Ramón Jiménez, com quem acabaram por entrar em conflito aberto, basearam-se na poesia pura, conforme interpretada pelo mestre, incorporando algumas das experiências das vanguardas (Ultraísmo, Futurismo, Cubismo, Criacionismo) e aventurando-se no Surrealismo, bem como na poesia de propaganda política e de desenvolvimento social.

Muitos autores notáveis caracterizam esta geração: Vicente Aleixandre, Rafael Alberti, Miguel Hernández, Dámaso Alonso, entre outros.

Desenvolveram simultaneamente um interessante populismo lírico e assimilaram a influência dos clássicos e barrocos como Góngora, Lope de Vega e Quevedo. São, sem dúvida, uma das gerações mais abertas, liricamente versáteis e criativas de todos os tempos.

A obra 'A Aurora' pertence à Geração de 27, mais especificamente, à vanguarda e, dentro desta, ao movimento do Surrealismo.

Vanguardas e Surrealismo

Em relação às vanguardas espanhola e latino-americana, os movimentos europeus que maior incidência tiveram foram o Surrealismo, o Expressionismo e, em menor grau, o Futurismo e o Dadaísmo.

Uma característica da literatura espanhola nos anos vinte é a sua abertura ao mundo exterior através das vanguardas europeias.

O Surrealismo é um movimento literário e artístico surgido na França no início da década de 1920, em torno da figura de André Breton.

Este movimento procura explorar as fontes de repressão psicológica (sonhos, sexualidade) e social. Utilizaram recursos como a transcrição dos sonhos, a escrita automática e processos metafóricos que criavam imagens novas e visionárias. A linguagem também foi renovada do ponto de vista lexical, permitindo que novos campos semânticos enriquecessem a retórica com novos procedimentos expressivos.

Federico García Lorca: Autor e Contexto

O autor da obra é Federico García Lorca, nascido em Fuente Vaqueros (Granada) em 1898. Estudou Filosofia e Letras, e Direito.

  • Em 1919, instalou-se na Residencia de Estudiantes, em Madrid, onde fez amizade com jovens artistas do seu tempo: Alberti, Dalí, Buñuel, entre outros.
  • Em 1929, viajou para Nova Iorque e Cuba. Quatro anos depois, esteve em Buenos Aires como diretor da companhia de Margarita Xirgu, sua atriz favorita.
  • Em 1932, o Ministério da Educação encarregou-o de dirigir a companhia 'La Barraca', um teatro itinerante que levava as obras dos clássicos espanhóis ao povo.

No início da Guerra Civil Espanhola, foi executado em Granada pelas forças nacionalistas. García Lorca era, segundo o testemunho de quem o conheceu, uma pessoa com "duende", amigável, sociável e um ótimo anfitrião em festas e reuniões.

No entanto, a sua poesia e, sobretudo, as suas peças teatrais revelam a existência de grandes conflitos interiores.

Características da Poesia de Lorca

  • A poesia de García Lorca é uma feliz combinação de tradição popular e renovação vanguardista.
  • Temas e ritmos tradicionais coexistem com imagens evocativas e ousadas de cariz vanguardista.
  • Os seus poemas transportam-nos para um mundo dominado por forças misteriosas, instintos atávicos e ancestrais, e velhos motivos de raízes populares e religiosas que assumem uma projeção mítica.
  • A sua visão transcende o provincianismo dos costumes da Andaluzia, transformando-a num cenário mágico e simbólico.
  • O universo poético de Lorca, presidido pela morte que espreita a cada passo, é trágico e violento. As paixões individuais são desencadeadas com intensidade e condenadas a um destino funesto. O amor e o sexo são apresentados como um impulso dionisíaco irresistível, uma força vital que, inevitavelmente, se cruza com a morte.
  • Normalmente, distinguem-se duas fases na adesão de García Lorca ao Surrealismo: a primeira é mais vaga, limitada à atmosfera onírica de muitos dos seus poemas. Em Poeta em Nova York (1929-1930), a presença de componentes irracionais é crescente, mas o autor nunca perde a consciência artística; o Surrealismo é, para ele, instrumental.
  • Teve a virtude de criar uma linguagem poética própria e madura desde as suas primeiras manifestações.
  • Tanto nos poemas como nos dramas, as imagens recorrentes devem ser interpretadas à luz do seu particular código simbólico: a lua representa a morte; a cor verde também está associada à morte e à frustração; o metal, em suas diversas formas (facas, punhais), é uma presença obsessiva; o touro tem um claro significado trágico e violento; o cavalo detém conotações eróticas e de instinto.

Gênero Literário: Lírico

Quanto ao gênero literário da obra 'A Aurora', pertence ao gênero lírico. As características deste gênero incluem:

  • Discurso marcadamente subjetivo.
  • Prevalência da função emotiva e poética da linguagem.
  • Presença de um "eu lírico".
  • Geralmente, cada texto lírico desenvolve um único tema ou sentimento.
  • Acumulação de recursos estilísticos e expressivos.
  • Geralmente escrito em verso, embora exista prosa lírica.

As principais características presentes no poema 'A Aurora' são: é um discurso subjetivo, pois, embora não haja marcas verbais explícitas de primeira pessoa, o eu lírico expressa uma visão particular. Há também um predomínio da função poética, com a intenção de trabalhar a forma da mensagem através de figuras de estilo (por exemplo, a personificação "a aurora geme"). Além disso, este poema é escrito em verso, mostra uma acumulação de recursos técnicos e expressivos (metáforas visionárias, personificação, animalização, etc.) e desenvolve um tema central (a crítica à desumanização da cidade). Formalmente, combina o verso livre (primeiros 8 versos) com o verso alexandrino (versos 9 a 20).

Análise de Conteúdo de 'A Aurora'

O tema central deste poema é uma representação da madrugada em Nova Iorque e dos seus habitantes. Podem ser identificados dois eixos temáticos principais: uma crítica à cidade desumanizada, às pessoas e ao estilo de vida moderno, e/ou uma crítica à civilização em oposição à natureza. A estrutura do poema pode ser dividida em três partes:

  • Versos 1-8: Descrição da aurora em Nova Iorque.
  • Versos 9-16: Descrição das pessoas da cidade.
  • Versos 17-20: Conclusão ou reflexão final.

Percebe-se claramente a posição crítica do eu lírico em relação à cidade de Nova Iorque.

Relativamente à estrutura formal e temática, os primeiros 8 versos são livres e descrevem a manhã em Nova Iorque, enquanto os 12 versos seguintes são alexandrinos e focam-se nos habitantes e na conclusão.

Análise da Forma

Quanto à forma, o poema está organizado em quatro estrofes de cinco versos cada (quintilhas). Os primeiros oito versos são livres (verso livre), o que permite maior flexibilidade métrica e descrevem a aurora nova-iorquina. Os doze versos seguintes (do 9 ao 20) são alexandrinos, referindo-se aos habitantes e à conclusão. Destaca-se um possível encavalgamento (quebra) no verso 7.

O poema não apresenta um esquema de rima regular entre os versos.

Quanto à análise morfológica, nota-se a abundância de substantivos e adjetivos. Observa-se uma oposição entre os termos relacionados à natureza e aqueles relacionados ao mundo artificial criado pelo homem.

No nível sintático-estilístico, encontram-se recursos como o paralelismo e a anáfora (repetição no início de versos, como em "A aurora de Nova York tem / A aurora de Nova York geme").

Identificam-se figuras de estilo como a personificação ("a aurora geme").

O Texto como Ato de Comunicação

Considerando o texto como um ato de comunicação:

  • Emissor: O eu lírico (voz poética criada por Federico García Lorca).
  • Receptor: O leitor da obra.
  • Código: Língua espanhola (com traços poéticos do início do século XX).
  • Canal: Visual (texto escrito).
  • Mensagem: Uma crítica à desumanização da metrópole (Nova Iorque) e à oposição entre civilização e natureza.

Conclusões sobre 'A Aurora'

Este poema de Federico García Lorca pode ser interpretado como uma crítica contundente à metrópole de Nova Iorque, baseada na sua experiência pessoal na cidade. Essa crítica é veiculada através de numerosas figuras de estilo, que conferem um caráter especial à mensagem. A cidade é, por vezes, personificada, como se tivesse sentimentos.

O conflito indivíduo vs. sociedade e natureza vs. civilização resulta numa visão pessimista, quase aterradora, de Nova Iorque, onde até a aurora surge envolta em sujidade e miséria. Lorca transmite a sua visão da cidade durante a sua estadia, permitindo ao leitor visualizar as cenas descritas.

Finalmente, note-se que o uso parcial do verso livre confere liberdade ao autor para expressar as suas duras críticas sem as amarras de regras métricas estritas.

Avaliação Crítica Pessoal

Quanto aos temas abordados, embora se possa discordar da visão totalmente negativa de Lorca sobre uma cidade como Nova Iorque (que tem vantagens e desvantagens), a crítica à oposição entre civilização e natureza é bastante coerente e atual. Hoje, muitos projetos de desenvolvimento implicam a destruição da natureza para permitir o avanço urbano e tecnológico. Um exemplo é a desflorestação necessária para expandir cidades.

Quanto à forma, o uso do verso livre pode ser interpretado como um desejo de liberdade expressiva. O poeta parece enfatizar tanto a forma (através do uso abundante de figuras de estilo que captam a atenção do leitor) quanto a mensagem. A complexidade das imagens e da linguagem pode, por vezes, dificultar a compreensão imediata, causando um certo estranhamento.

Sobre o tema da natureza, a reflexão sobre a necessidade de cuidar e proteger o ambiente é pertinente. É fundamental procurar formas de progresso e desenvolvimento urbano que minimizem os danos à natureza, conciliando as necessidades humanas com a preservação ambiental.

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