Análise da FCPA: Petrobras, Suborno e Responsabilidade Contábil

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Como noticiado pelas redes de televisão, entre outros, a Petrobras teria sido utilizada pelo governo brasileiro para financiar seu próprio partido político. Desta forma, altos dirigentes da Petrobras permitiram que membros de um suposto cartel de empresas de construção sistematicamente inflassem seus custos em até 20% em contratos com a petroleira. As empresas contratadas, por sua vez, pagavam a altos executivos da Petrobras e a políticos de diversos partidos até 3% do valor total do contrato, sob a forma de subornos.

Entretanto, na tentativa de driblar sua submissão à FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), a Petrobras vem alegando que é vítima e não agente corruptor e, portanto, não deveria ser processada. A defesa da Petrobras tem sido sistematicamente no sentido de que não cometeu qualquer prática de suborno, mas sim que foi vítima, pois os pagamentos de propinas na verdade teriam sido efetuados pelas empresas contratadas, e não diretamente por ela, Petrobras. Alega a empresa que os pagadores de propina agiam para beneficiar terceiros e não a própria companhia e que, em nenhum momento, a empresa foi beneficiada. Pelo contrário, ela foi simplesmente saqueada. Essa posição foi reforçada pelos próprios procuradores do grupo de investigação em Curitiba e pela antiga Controladoria-Geral da União (CGU).

Esse é o ponto crucial em análise pelas autoridades americanas, pois a FCPA supostamente se aplica àqueles que oferecem subornos e não àqueles que os recebem. Entretanto, relembramos as considerações do meu artigo anterior: é óbvio que uma entidade só age através de indivíduos e as instituições devem se responsabilizar pela má conduta de seus dirigentes, representantes e funcionários. Os executivos da Petrobras confessaram que receberam propinas de empresas de um suposto cartel e que membros da alta cúpula da empresa tinham conhecimento do repasse do suborno a políticos, candidatos e partidos políticos. Portanto, a entidade deve se responsabilizar por esses atos.

Não se sabe, contudo, como as autoridades daquele país tratarão o caso da Petrobras, ou seja, se a considerarão diretamente responsável pelos alegados pagamentos de suborno. Pois claro está que a Petrobras argumentará estar no polo passivo, como vítima somente e, portanto, não infratora da FCPA.

Entretanto, não podemos esquecer que a FCPA não somente dispõe sobre subornos. Na verdade, ela contém dois grandes capítulos de disposições: antissuborno e de registros contábeis (books & records). O primeiro capítulo sobre subornos considera como crimes determinados pagamentos a autoridades governamentais estrangeiras e o segundo exige uma prestação de contas rígida por parte das empresas sob sua jurisdição, além da criação de controles internos adequados com auditorias periódicas.

A SEC (Securities and Exchange Commission) não hesita em punir exemplarmente empresas infratoras dessas regras. Para ilustrar com somente dois casos:

  • A Schering-Plough concordou em pagar uma multa civil de US$ 500 mil por violar disposições contábeis da FCPA com relação a pagamentos feitos por uma subsidiária polaca para uma entidade filantrópica dirigida por um funcionário do governo polonês. A SEC alegou que nenhum dos pagamentos foi refletido com precisão em livros da controlada e que os controles internos da Schering-Plough foram insuficientes para prevenir ou detectar os pagamentos em questão.
  • Também a ABB Ltd., com sede em Zurique, Suíça, mas sujeita à FCPA por ter ações negociadas nos EUA, foi processada pela SEC porque a empresa registrou indevidamente pagamentos ilícitos em seus livros e registros contábeis e não possuía controles internos adequados para prevenir ou detectar esses pagamentos ilícitos.

Em cada caso, as violações das disposições de “books & records” foram baseadas em práticas contábeis questionáveis nas operações externas de empresas estrangeiras sujeitas à FCPA, e a inadequação dos controles internos foi um fator de avaliação de culpa.

Esses casos não permitem qualquer dúvida de que, mesmo que a Petrobras não seja enquadrada na FCPA por pagamento de propina, ela o será por infrações contábeis do tipo “books & records”.

A Petrobras sabe que enfrentará as maiores penas já aplicadas pelas autoridades norte-americanas em infração da FCPA, pois todas as denúncias feitas pelos delatores premiados no Brasil revelaram as falhas nos controles internos da estatal.

A petroleira também é acusada de ter superfaturado o valor de seus bens e equipamentos em seu balanço oficial. De acordo com a acusação de ações já em curso contra a Petrobras, como se verá adiante, as quantias superfaturadas pagas em contratos foram contabilizadas como ativos no balanço. Essas quantias foram superfaturadas porque a Petrobras inflou o valor de seus contratos.

A questão mais fascinante de todo esse imbróglio em que vive a Petrobras é que ela pode ser processada não somente em sua própria pátria brasileira, mas também nos EUA, como já se viu, e, ainda, teoricamente, na Europa, pois a companhia também tem ações na bolsa de Frankfurt, Alemanha, o que a remeteria à investigação pela Lei Antissuborno do Reino Unido (a UK Bribery Act), que é uma das mais severas do mundo.

Esse preceito também se aplica às empreiteiras envolvidas na Lava Jato e a todos os indivíduos malfeitores desse escândalo sem precedentes. Com raríssimas exceções, os EUA não deferem a outro país a autoridade para julgar um caso isoladamente quando a empresa multinacional fere a FCPA.

Isso fica claro pela condenação emblemática, em 2008, da Siemens AG, que teve de pagar US$ 1,6 bilhão nos EUA e na Alemanha em multas e na restituição de lucros obtidos com um esquema de suborno de funcionários públicos em suas filiais pelo mundo todo. O acordo fechado pela Siemens com o DOJ e a SEC foi extremamente rígido, prevendo o pagamento de US$ 450 milhões para o DOJ e mais US$ 350 milhões para a SEC, num total de US$ 800 milhões. Até o escândalo da Petrobras, o caso da Siemens era considerado o maior episódio de corrupção internacional da história, sem precedentes em escala e alcance geográfico.

Mas, esse rigor norte-americano não foi só com a empresa alemã. Oito dos dez maiores acordos da FCPA envolveram empresas de fora dos Estados Unidos, como, por exemplo:

  • Alstom (da França), de US$ 772 milhões, em 2014;
  • BAE (do Reino Unido), de US$ 400 milhões, em 2010;
  • A também francesa Total, de US$ 398 milhões, em 2013;
  • Snamprogetti Netherlands B.V/ ENI S.p.A (da Holanda/Itália);
  • JGC Corporation (do Japão), de US$ 218,8 milhões, em 2011;
  • E a Daimler AG (da Alemanha), de US$ 185 milhões, em 2010, entre outras.

Poder-se-ia argumentar que – no caso da Petrobras – trata-se de uma companhia controlada por um governo estrangeiro. Ou, mais criativamente, que a Petrobras já sofreu a maior punição por estar praticamente falida, ou, ainda, que quem vai pagar a conta são os pobres cidadãos brasileiros.

Já no passado, as autoridades americanas emitiram sentenças bastante severas como, por exemplo, em 2011, a de Joel Esquenazi, ex-presidente da Terra Telecommunications que foi condenado a 15 anos de prisão por seu papel no caso de suborno de telecomunicações no Haiti. Foi a pena mais longa até então imposta no âmbito da FCPA.

Vale lembrar que, além da pena de prisão, os executivos podem ainda ser condenados ao pagamento de multas e restituição de valores. No famoso e emblemático caso do executivo Garth Peterson, esse ex-diretor geral do Morgan Stanley foi condenado pelo pagamento de US$ 1,8 milhão a um funcionário público chinês. A condenação incluiu nove meses de prisão, multa de US$ 250 mil, perda de participações mobiliárias e proibição de trabalhar em qualquer instituição financeira regulada pela SEC.

Enfatizando, a FCPA prevê pena caso a empresa dê “algo de valor” a um agente público para obter algum benefício. Pelas delações premiadas assistidas no Brasil, [o texto original foi cortado aqui, mantendo a estrutura].

Pelo mesmo raciocínio poderá seguir, por exemplo, a Odebrecht EUA, uma subsidiária do grupo Odebrecht com sede em Coral Gables, Flórida, que tem trabalhado em um fluxo constante de projetos públicos em todo o sul da Flórida, incluindo a American Airlines Arena, os terminais Norte e Sul no Aeroporto Internacional de Miami, para citar somente uns poucos exemplos.

Além de desembolsar alguns milhões de dólares para o DOJ e SEC nesses acordos, as corporações devem prometer não recair no erro, desenvolver uma política anticorrupção interna com programas de compliance e tomar medidas corretivas como demitir funcionários envolvidos em operações de suborno para desestimular reincidências.

Não se sabe ao certo como andam as negociações da Petrobras com as autoridades norte-americanas, embora sabidamente a empresa e os promotores brasileiros estejam cooperando com as investigações da SEC e o DOJ.

Além dessa cooperação, a Petrobras já tomou medidas importantes, contratando Ellen Gracie Northfleet, ex-ministra chefe do Supremo Tribunal Federal, e Andreas Pohlmann, ex-diretor de compliance da Siemens, para aumentar seu controle interno e a gestão de fornecedores.

Ademais, a Petrobras incrementou seu programa de compliance implementando o processo de due diligence de integridade para aumentar a segurança nas contratações de bens e serviços e mitigar riscos em relação às práticas de fraude e corrupção. Além disso, limitou as decisões individuais em todos os níveis da companhia promovendo decisões colegiadas e contratou uma ouvidoria externa independente especializada neste serviço.

Nada disso, entretanto, estanca as ações movidas por investidores detentores de ADRs da Petrobras nos Estados Unidos que, desde o final de 2014, seguem em frente ao ritmo americano, bem diferente do nosso aqui no Brasil.

Qualquer pessoa que tenha ADRs da companhia pode propor uma ação contra a Petrobras para recuperar os prejuízos sofridos. Para vencer o processo, os autores terão de provar que os esquemas de corrupção eram conhecidos pelos dirigentes da companhia e que a perda dos acionistas foi consequência direta do escândalo que denegriu a empresa.

O escritório de advocacia norte-americano Wolf Popper LLP entrou com uma ação coletiva contra a Petrobras em Nova York em nome de todos os investidores que compraram ADRs da companhia entre maio de 2010 e novembro de 2014.

Essa ação argumenta que a estatal brasileira omitiu informações e é responsável por perdas bilionárias. De fato, é inegável que a hoje praticamente falida Petrobras era, em 2010, avaliada em US$ 310 bilhões, sendo a 5ª empresa mais valiosa do mundo.

A Justiça dos EUA aceitou os pleitos dos acionistas que exigem compensações pela fraude cometida na estatal brasileira durante os últimos anos. Estima-se que o valor do provável acordo não será inferior aos 20% do pleito. A indenização exigida deverá custar à Petrobras por volta de US$ 98 bilhões, cerca de R$ 350 bilhões, segundo estimativas de advogados próximos ao processo.

Para se ter uma ideia do desenvolvimento dessas ações, em caso semelhante contra a emblemática companhia elétrica Enron mais de dez anos atrás, foi fixado um acordo de US$ 7,2 bilhões. Já no episódio da companhia telefônica WorldCom na primeira metade dos anos 2000, em que a empresa e seus executivos foram acusados de fraudar balanços, o valor total da ação chegou a US$ 6,2 bilhões.

Nas ações judiciais contra a Petrobras, os advogados dos investidores têm jocosamente desafiado a ré Petrobras, salientando que a ampla fraude aconteceu por, possivelmente, duas décadas, e a defesa pretende que a corte e o público acreditem na tese de que ninguém na administração da companhia sabia das falcatruas.

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