Análise de 'Felizmente Há Luar': Temas, Personagens e Contexto
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1. Críticas de Matilde à Situação Sociopolítica
Matilde critica vários problemas relacionados com a situação social e política de repressão e medo vivida em Portugal:
- O poder autocrático e discriminatório: «A injustiça e a tirania» (linha 25); «que o rei seja tirano» (linha 28);
- As políticas erradas que conduzem à miséria: «o país miserável e mal governado» (linhas 28-29); «o povo a morrer de fome» (linha 31);
- O modo abusivo como a justiça é aplicada: «as cadeias estejam cheias» (linha 30);
- A penúria do exército: «o exército por pagar» (linhas 30-31).
2. Contraste de Visões: Gomes Freire de Andrade
No excerto transcrito, Matilde e Beresford veem de forma muito diferente o general Gomes Freire de Andrade. Matilde caracteriza o general Gomes Freire de Andrade como um homem inocente que é vítima de uma injustiça, destacando nele:
- A superioridade moral: que o leva a agir em função de valores que defende e não de conveniências ou prestígio – «Os homens, porém, não se podem medir pela força dos exércitos que servem, mas pelos motivos que os levam a servi-los.» (linhas 13-15); «Ou que vê para além das medalhas que usais no peito…» (linha 73);
- A honestidade e o sentido de justiça: «Porque dizem a verdade? Porque veem para além da cortina de hipocrisia com que os poderosos escondem a defesa dos seus interesses?» (linhas 61-63); «É incómodo todo aquele que não confunde a vontade de Deus com a vontade do rei…» (linhas 70-71);
- A coragem: «Ou que olha para vós de frente, e sorri…» (linha 75).
Pelo contrário, Beresford caracteriza o general Gomes Freire de Andrade como um homem perigoso que deve ser julgado e punido, acusando-o de:
- Pôr em risco o regime: «Porque… são incómodos, minha senhora!» (linha 67);
- Não defender o estatuto e os interesses da classe a que pertence: «Ou que, devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros…» (linhas 78-79).
3. O Desespero de Matilde e a Evolução do Diálogo
Num primeiro momento, apesar de as falas de Beresford indiciarem que o general Gomes Freire de Andrade será condenado («A simples existência de certos homens é já um crime» – linha 57; «Porque… são incómodos» – linha 67), Matilde não tem ainda consciência de que a decisão está já tomada. Por isso, ela continua a apresentar argumentos para valorizar o caráter do seu companheiro e fundamentar a sua inocência. Esta defesa é inútil, porque todos os seus argumentos são utilizados por Beresford para fundamentar acusações. O estado de desespero manifestado por Matilde no final do diálogo, quando Beresford anuncia que o general será julgado («Julgá-lo e… fazer justiça!» – linha 86), decorre da forte suspeita de que a sua condenação é inevitável e de que poderá culminar na morte («Querem matá-lo! diga-me, Sr. Marechal, por amor de Deus diga-me: querem matá-lo?» – linhas 89-90).
1. A Mudança no Comportamento do Povo
No início do diálogo (linhas 1 a 12), o Principal Sousa e D. Miguel constatam uma mudança no comportamento do povo. Essa mudança consiste na passagem do conformismo à revolta. Manifesta-se pelo facto de o povo querer aprender a ler e começar a exprimir sentimentos de rebeldia e violência, falando "abertamente em guilhotinas" (linhas 7-8), cantando com letras subversivas e colando panfletos revolucionários nas portas das igrejas.
2. Sentimentos de D. Miguel e Principal Sousa
O Principal Sousa e D. Miguel não são indiferentes à alteração verificada no comportamento do povo. Dois dos sentimentos que essa alteração suscita em cada uma das personagens são:
- Sentimentos de D. Miguel:
- Desilusão: "fala como um homem desiludido";
- Impotência: "A polícia não chega para arrancar os pasquins revolucionários das portas das igrejas" (linhas 10-11);
- Desânimo: "O mundo parece estar atacado de loucura, Reverendo..." (linha 12).
- Sentimentos do Principal Sousa:
- Ódio: "o ódio que tenho aos franceses..." (linha 13);
- Indignação: "Veja Sr. D. Miguel, como eles transformaram esta terra de gente pobre mas feliz num antro de revoltados!" (linhas 4-5);
- Determinação: "Temos uma missão a cumprir, uma missão sagrada e penosa: a de conservar no jardim do Senhor este pequeno canteiro português" (linhas 17-19).
3. Traços Caracterizadores de Beresford
Dois dos traços caracterizadores de Beresford, ilustrados com citações do texto, são:
- Determinado: "A Europa ...Deixai-a, que ela nem se perde nem carece dos vossos conselhos" (linhas 25-26);
- Pragmático: "não vim aqui para perder tempo com conversas filosóficas" (linhas 28-29);
- Irónico: "Poupe-me os seus sermões, Reverendo. Hoje não é Domingo e o meu Senhor não é vassalo de Roma" (linhas 35-36);
- Provocador: "da decisão que tomarmos, dependem a cabeça de V. Ex.ª, Sr. D. Miguel, os meus 16000$00 anuais e a possibilidade de o Principal Sousa continuar a interferir nos negócios deste Reino." (linhas 51-54).
4. Recursos Estilísticos e Valor Expressivo
Um recurso estilístico presente no texto, com o seu valor expressivo, é:
- Comparação: "O mundo parece estar atacado de loucura" (linha 12) – revela a incapacidade de D. Miguel em compreender a alteração do estado de coisas à sua volta.
- Ironia: "Poupe-me os seus sermões, Reverendo. Hoje não é Domingo e o meu Senhor não é vassalo de Roma" (linhas 35-36) – mostra, através do tom jocoso, a pouca importância que Beresford atribui ao Principal Sousa e ao que ele representa.
- Adjetivação: "subversivas" (linha 8) e "revolucionários" (linhas 10-11) – ajuda a caracterizar a mudança comportamental do povo e a entender o ambiente em que se vive.
Teatro Brechtiano, Moderno e Épico
- Estrutura em 2 atos (normalmente);
- Não há indicação precisa das cenas, a mudança de cena corresponde à saída e à entrada de personagens e luminosidade;
- Não respeita a Lei das 3 unidades;
- Pretende abanar a consciência;
- Despertar no espectador o espírito crítico e de análise;
- Visa a reflexão por parte do espectador;
- O espectador/público deve ter capacidade de discernimento ao longo da peça para ajuizar acerca do que está a ser representado;
- Predomina o uso da Razão;
- Recorre à estratégia da distanciação (acarretando maior objetividade de análise).
Teatro Clássico e Aristotélico
- Estrutura em 3 atos (divisão em 3 cenas);
- Respeita a Lei das 3 unidades: Ação, Tempo e Espaço;
- Fazia a apologia das emoções e sentimentos do espectador;
- Dominava o coração.
"Felizmente Há Luar": Contexto Temporal
- Tempo da Ação:
- 1817 (Século XIX);
- Absolutismo: regime autoritário, totalitário;
- Poder centrado no rei;
- Opressão, repressão;
- Medo, aniquilamento do ser humano;
- Fome, miséria, pobreza.
- Tempo da Escrita:
- 1961 (Século XX);
- Ditadura Salazarista: regime autoritário, totalitário;
- Repressão, opressão;
- Ausência de liberdade (expressão, atuação);
- Medo, fome, miséria;
- Pobreza;
- O aniquilamento do homem.
Características do Texto Dramático
- Visa a representação;
- Estrutura externa (divisão em atos e cenas);
- Estrutura interna (exposição, conflito, desenlace/desfecho);
- Fala das personagens: réplicas (Discurso Direto);
- Indicações de apoio à representação: Didascálias (sentimentos e comportamentos das personagens, iluminação...).