Análise de Incidente em Antares

Classificado em Língua e literatura

Escrito em em português com um tamanho de 21,82 KB.

Análise de Incidente em Antares

Publicado em 1971, Incidente em Antares é o último romance de Érico Veríssimo e se enquadra no estilo modernista, não só pelas inúmeras referências a fatos e pessoas da época, como também pela presença de elementos que configuram o gosto modernista na obra. De teor político, este romance apresenta o panorama sócio-político do Brasil contemporâneo e um julgamento fantástico dos vivos por mortos insepultos, em uma sexta-feira, 13 de dezembro de 1963.

A obra é um romance. A primeira parte, contudo, dada sua linearidade e sucessão episódica, lembra a novela: cerca de um século de história é narrado cronologicamente, antes de o autor se deter na análise da sociedade antarense.

Foco Narrativo

Os fatos são narrados em terceira pessoa por um narrador onisciente e onipresente. Esse narrador, ao longo da narrativa, simula transcrições de pseudoautores, como o relato do naturalista francês Gaston Gontran d’Auberville; a carta do Padre Juan Bautista Otero; os diários do Padre Pedro-Paulo e do Prof. Martim Francisco Terra (na apresentação das personagens, por exemplo); os artigos de Lucas Faia no jornal "A Verdade"; e excertos do livro Anatomia de uma cidade gaúcha de fronteira, organizado pelo Prof. Érico Veríssimo.

Érico Veríssimo utiliza esses recursos para organizar a narrativa, dando a impressão de que tudo aconteceu e é verdade.

Linguagem

Ao longo da narrativa de Incidente em Antares, Érico Veríssimo revela características estilísticas que configuram sua maneira de escrever.

O escritor constrói a narrativa intercalando textos de pseudoautores. Essa simulação, em que Érico Veríssimo transcreve relatos, diários e artigos de jornais, imprime à narrativa uma atmosfera de verdade, dando a impressão de que a história é verdadeira.

Há fatos históricos, registrados por ele, que realmente aconteceram. O próprio autor observa em uma "nota", no início do romance: Neste romance as personagens e localidades imaginárias aparecem disfarçadas sob nomes fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que na realidade existem ou existiram, são designados pelos seus nomes verdadeiros.

Combinado com o sarcasmo e espírito crítico que perpassa o livro, o autor revela-se irônico e mordaz, caricaturando pessoas, linguagem e instituições. Tibério a gritar: E a prosperidade?.

Cícero, ante a proposta de votação de Barcelona, diz: - Não direi que aqui em cima estejamos numa democracia.

Assim, combinando com a mordacidade, o autor ironiza e caricaturiza a máscara da sociedade antarense na sua fala gongórica e vazia, na sua postura fingida e hipócrita. Só os humildes e sinceros escapam da "pena da galhofa" de Érico Veríssimo.

Além de "tanatocracia" (= morte + governo), vê-se:

- Vivemos numa cafajestocracia, isso é que é. (hibridismo: cafajeste + governo).

Libindo ensinando ao longo do romance:

  • Libindo me garante que a palavra orquídea vem do grego e significa testículo.
  • Libindo, num aparte forçado, pergunta se os presentes sabem que a palavra canícula significa na realidade ‘cadela’ e que era o antigo nome da estrela Sírio.
  • depois de se filho-da-putearem abundantemente, estavam já de revólver na mão.

Além dessa erudição, o escritor entremeia a narrativa, sempre pela boca de suas personagens eruditas, de latim, francês, inglês e outras línguas.

Aspectos Temáticos

São muitos os aspectos temáticos que podem ser detectados no romance Incidente em Antares:

1. Conotação Política

Destacam-se no romance, entre outros, os seguintes aspectos:

  • O mapeamento abrange mais de cem anos e, através dele, pode-se acompanhar as marchas e contramarchas da política nacional. Sobretudo na primeira parte, a impressão que se tem é de que o autor faz mais história do que ficção.
  • Getúlio Vargas, "pai dos pobres", é ironizado por Tibério, quando do seu suicídio, ao ser inquirido por sua empregada sobre o que seria dos pobres: - Os pobres vão continuar tão pobres como no tempo em que ele estava vivo. Amém!
  • Entre os protegidos de Getúlio, a corrupção alastrava com negociatas escusas (contrabandos) e negócios ilícitos. Muitos, como Tibério Vacariano, enriqueceram-se e mantinham contas numeradas em bancos da Suíça, favorecidos por negócios fraudulentos e empréstimos a fundo perdido no Banco do Brasil.

Quitéria: Olhem só quem está falando em negociatas.

  • Priorizando a política desenvolvimentista e a industrialização, instalam-se no país (período sobretudo de JK) as multinacionais e, com elas, a espoliação do país e a exploração do proletariado, como revela a fala humilde da negra Acácia na sua oração ao Presidente Vargas: Meu ganho aqui é pouco e o trabalho muito, Presidente.

A fala de Geminiano, líder dos grevistas, numa reunião com os patrões e o prefeito revela: "reivindicações salariais".

  • Combatendo o modelo capitalista, socialmente injusto e perverso, proliferam os esquerdistas, simpatizantes do socialismo, que se identificam com os pobres e operários e por isso taxados de comunistas e vermelhos. O momento político (de Jango e Brizola) favorecia a esquerdização e os "subversivos" proliferavam, para desespero da sociedade capitalista e conservadora que não aceitava mudanças e reprimia o movimento.

Como observa o Padre Pedro-Paulo ao Padre Gerôncio, numa conversa, comunista é o pseudônimo que os conservadores, os conformistas e os saudosistas do fascismo inventaram para designar simplisticamente todo o sujeito que clama e luta por justiça social. Em outra passagem, esse mesmo padre lembrou ao delegado Inocêncio a postura "rebelde" de Cristo em face das arbitrariedades da sociedade da época, dominada pelo império romano, e desafia o delegado torturador de Joãozinho Paz: - Prenda Jesus, delegado, prenda-o o quanto antes! Se ele não falar, torture-o em nome da Civilização Cristã Ocidental!

  • Diante do perigo "comunista", a caça às bruxas é uma consequência lógica, engendrada e executada pela sociedade conservadora e capitalista.

Conforme registrado no diário do Padre Pedro- Paulo, Joãozinho foi torturado barbaramente.

Cícero, voz insuspeita do além-túmulo, no julgamento da praça nobre de Antares: Vêm então a fase requintada. O prisioneiro desmaia de dor. Metem-lhe a cabeça num balde d’água gelada e, uma hora depois, quando ele está de novo em condições de entender o que lhe dizem e de falar, os choques elétricos são repetidos...

Como observou o Barcelona, do além-túmulo, o delegado Inocêncio tinha aproveitado bem a sua ‘bolsa de estudos’ com a polícia do Estado Novo.

2. Análise da Sociedade Antarense

Destaca-se também no romance a análise da sociedade antarense, que tem conotação simbólica:

  • A sociedade enfocada no livro caracteriza-se pelo conservadorismo, apegada às aparências e fachadas, às suas tradições e costumes seculares. Através da pesquisa organizada pelo Prof. Martim e sua equipe, Érico Veríssimo faz uma verdadeira anatomia da sociedade local, que é também, no fundo, o retrato de tantas outras.

Martim no seu diário, o juiz Quintiliano é um símbolo dessa sociedade simétrica, policiada, regida por leis inflexíveis e imutáveis, cada coisa no seu lugar (e quem determina o ‘lugar exato’ é a tradição, e tradição para ele é algo que tem a ver com seus ancestrais – pai, avô, bisavô, trisavô, etc).

  • Organizada pelo macho, impera na sociedade antarense o sistema patriarcal e machista, em que o poder é exercido pelo homem, de forma despótica e absoluta. O Coronel Tibério é o grande senhor patriarcal do livro. Até mesmo no caso dos mortos, a sua sugestão, bem como a do delegado, era de fazer os mortos retornarem ao cemitério, à força.
  • Posta nesse contexto, a mulher vive à sombra do macho, em tudo submissa, passiva e subserviente, aceitando a ordem estabelecida. O exemplo de Valentina, com seu gesto de rebeldia, é uma tentativa ainda tímida de ruptura na ordem machista.

Entretanto, integrada no “baile de máscaras” da sociedade, como diz Dr. Quintiliano a Valentina, é importante para a mulher parecer honesta: - Valentina, não basta a uma mulher ser honesta.

  • Convivendo com essa podridão, conivente com falcatruas e arbitrariedades, parada no tempo, a igreja de Padre Gerôncio rezava suas missas em latim, encomendando os seus defuntos à espera do Juízo Final, acomodada e fiel às tradições milenares, insensível aos problemas sociais e às vozes que clamam por justiça.

Esta é a imagem da religião tradicional, moldada à imagem e semelhança da sociedade aristocrática de Antares.

Em suma, nesse grande painel que é Incidente de Antares, Érico Veríssimo se revela imparcial, acima de ideologias e faz uma crítica contundente e mordaz à sociedade. Através do truque utilizado, em que os mortos insepultos exigem o sepultamento, ele expõe os podres daquela sociedade em decomposição, hipócrita e carcomida nas suas entranhas. Os mortos insepultos e o mau cheiro exalado constituem um símbolo e revelam a decomposição moral da sociedade.

Ao erguer a tampa do caixão, ele destila o fel da sua mordacidade e desmascara a nata da sociedade antarense: nada escapa – nem a direita nem a esquerda; nem mesmo a medicina com sua falsa filantropia; nem a imprensa com sua bisbilhotice; nem o Rotary e o Lions com seu espírito fraternal; não escapam os doutores e professores com sua fala erudita e gongórica; também as senhoras honradas e impolutas são devassadas nos seus segredos de alcovas, flagradas em delitos de cama; nem mesmo o venerado ancião da estátua, exemplo-mor para descendentes e ascendentes, escapa à devassa realizada pelo escritor.

Entretanto, com o sepultamento dos mortos, a verdade também foi encerrada e a mentira, vitoriosa e triunfante, retoma o seu lugar no baile dos mascarados e na estátua da praça nobre da cidade.

Personagens

As personagens de Incidente em Antares podem ser agrupadas de acordo com as suas convicções políticas e a sua condição social.

  • Representando a ordem social tradicional, marcadamente conservadora e aristocrática, os dois clãs rivais (Vacarianos e Campolargos) dominam a cidade. Ao levantar a tampa do "caixão", retirando a máscara que envolvia cada um desses honrados cidadãos, Érico Veríssimo revela a podridão daquela sociedade carcomida.
  • As personagens femininas, com exceção de D. Quitéria, a matriarca dos Campolargos, vivem à sombra dos seus maridos, submissas e alienadas, aceitando passivamente a ordem estabelecida. Uma exceção a essa passividade e alienação é Valentina, mulher do Dr. Influenciada por leituras perigosas e possivelmente pelo Padre Pedro-Paulo, ela se rebela consciente e politizada, questionando o marido e não aceitando as imposições. Era um avanço naquela sociedade rigidamente patriarcal. Valentina, contudo, é ainda uma "pantera açaimada" (expressão do Prof. Martim) que não tem condições de se libertar plenamente.
  • As personagens esquerdistas, taxadas de comunistas naquela sociedade conservadora, defendem o socialismo e lutam por uma ordem social mais justa e um mundo melhor. Evidentemente, esses progressistas chocam-se com os interesses da aristocracia dominante e são perseguidos. Martim, Joãozinho Paz com sua mulher (Ritinha), Geminiano Ramos, Barcelona, o anarco-sindicalista, e mesmo Xisto, neto do Coronel Tibério.
  • Entre os humildes, constituindo a ralé da sociedade antarense, está o submundo da favela Babilônia. Nessa linha, incluem-se a prostituta Erotildes e o bêbado Pudim da Cachaça. Essas personagens, apesar de discriminadas e marginalizadas, revelam, na sua humildade e singeleza, uma grandeza comovente. Certamente por isso, não assustam os amigos visitados depois de mortos (Rosinha e Alambique).
  • Mais ou menos marginalizados, enclausurados nos seus dramas pessoais e nos seus traumas, destacam-se o maestro Menandro, o neonazista Egon Sturm e o subserviente secretário do Prefeito (o Mendes).

Estrutura e Enredo

No livro, dividido em duas partes, mesclam-se acontecimentos reais e irreais.

Primeira Parte

O autor apresenta-nos na cidade fictícia de Antares, o progressivo acomodamento das duas facções (os Campolargo e os Vacariano) às oscilações da política nacional e a união de ambas em face da ameaça comunista, como é conhecida, pelos senhores da cidade, a classe operária que reivindica seus direitos.

A origem de Antares remonta há muitos anos, conforme um relato do naturalista francês Gaston Gontran, em seu livro Voyage Pittoresque au Sud du Brésil (1830-1831). Deslumbrado com a beleza do lugar, o naturalista mostra a seu hospedeiro, Francisco Vacariano a estrela Antares. Para muitos, entretanto, Antares significava "lugar das antas". Senhor absoluto da cidadezinha até então, Chico Vacariano é ameaçado no seu reinado por Anacleto Campolargo, "criador de gado e homem de posses", que passa a disputar com o pioneiro (Chico Vacariano) o domínio daquele feudo. Há lutas de mortes e o ódio se estabelece entre os dois clãs por gerações sucessivas, com atos de violência e atrocidades inimagináveis. A rivalidade entre as duas dinastias durou "quase sete decênios, com períodos de maior ou menos intensidade".

A década de 20 trouxe para Antares muito progresso, tanto na ordem material como intelectual, e a cidade até então um município exclusivamente agropastoril, começava auspiciosamente a industrializar-se. O telégrafo, o cinema, os jornais e revistas que vinham de fora, a estrada de ferro e, depois de 1925, o rádio – contribuíram decisivamente para aproximar o mundo de Antares ou vice-versa.

Após um período de turbulência e atrocidades engendradas por Xisto Vacariano e Benjamin Campolargo, chega à cidade de Antares, com a missão de estabelecer a paz entre as duas famílias beligerantes, um membro da prestigiosa família Vargas, de São Borja: era Getúlio Vargas, a essa época, deputado federal. Usando de artimanhas, Getúlio consegue aproximar os dois chefes políticos, ponderando: "Os amigos hão de concordar em que os tempos estão mudando. Essas rivalidades entre maragatos e republicanos serão um dia coisas do passado. Precisamos pacificar definitivamente o Rio Grande para podermos enfrentar unidos o que vem por aí...".

Os dois velhos próceres, agora apaziguados serão substituídos por Zózimo Campolargo, casado com D. Quitéria, e Tibério Vacariano, casado com D. Com o "tratado de paz" entre as duas famílias, engendrado por Getúlio, uma grande amizade é cultivada entre os dois casais.

Com a ascensão política de Getúlio Vargas, que inaugura o Estado Novo no Brasil, Tibério se estabelece no Rio de Janeiro e vai-se enriquecendo através de negociatas e atividades escusas. "Além de advocacia administrativa, ganhava dinheiro em transações imobiliárias e ocasionalmente no câmbio negro. De Óleos Sol do Pampa, da qual Tibério Vacariano possuía 500 ações que não lhe aviam custado um vintém. Por outro lado, dando vazão aos seus instintos de garanhão constitui outra família, envolvendo-se com a exuberante Cléo, que passa a ser sua "teúda e manteúda".

Após as marchas e contramarchas da política nacional, em que tem lugar o governo do Presidente Dutra, Getúlio Vargas retorna triunfante, em 1951, agora "nos braços do povo". Estou muito velho para ser desmoralizado e já não tenho razões para temer a morte".

O suicídio, a forma honrosa encontrada pelo Presidente para "sair da vida e entrar na História", desperta no país profunda comoção popular. Serenamente dou o primeiro passo na caminhada da eternidade e saio da vida para entrar na História".

Assim é que o povo de Antares vai acompanhando e discutindo (sobretudo a turma da Farmácia Imaculada Conceição) os acontecimentos políticos do cenário nacional: a eleição de JK e a posse tumultuada, o seu governo de prosperidade e progresso (cinquenta anos em cinco), a construção de Brasília, a industrialização do país. Candidato da UDN e a parte do PSD dissidente, Jânio Quadros, o candidato de Tibério Vacariano, vence as eleições e renuncia poucos meses depois, levado por "forças terríveis".

Mergulhado na incerteza, com greves e agitações, com Brizola, fazendo barulho, o governo de João Goulart era um convite ao golpe, - o que não demorou a acontecer: era março de 1964.

Martim Francisco Terra e sua equipe escolheram exatamente Antares para realizar a sua "anatomia duma cidade gaúcha de fronteira". Incompatibilizando com a cidade, taxado de comunista, o Prof. Mais tarde, será perseguido pela Revolução de 1964 e tem que se exilar do país.

Martim (inclusive Xisto, neto do coronel Tibério), as personagens importantes do livro são apresentadas através do diário do professor:

  • Coronel Tibério - dono da cidade.
  • D. Quitéria - matriarca dos Campolargos.
  • Vivaldino Brazão - prefeito da cidade.
  • Dr. Inocêncio Pigarço - delegado truculento.
  • Dr. Quintiliano Sanches de Medeiros - juiz.
  • Scorpio - cronista social.
  • Padre Gerôncio - sacerdote de linha tradicional.
  • Padre Pedro-Paulo - sacerdote moderno, de linha socialista, taxado de comunista.
  • Dr. Castanho - médico.
  • Yaroslav - fotógrafo de origem checa.
  • Egon Sturm - paranoico teuto-brasileiro, neonazista.
  • Menandro de Olinda - maestro solitário.
  • Prof. Martim Francisco Terra - sociólogo.

Segunda Parte

Morrem inesperadamente sete pessoas em Antares, incluindo a matriarca dos Campolargo. Os mortos, insepultos, adquirem "vida" e passam a vasculhar a vida dos parentes e amigos, descobrindo a extrema podridão moral da sociedade. Como as personagens são cadáveres, livres das pressões sociais, podem criticar violentamente a sociedade.

Comandada por Geminiano Ramos, uma greve geral paralisa todas as atividades em Antares: reivindicando melhoria salarial, cruzam os braços os operários do Frigorífico Pan-Americano (de Mr. Biddle). Por outro lado, nesse mesmo dia, vem a falecer a veneranda matriarca D. Quitéria Campolargo. Irredutíveis na sua greve, os operários, com a solidariedade dos coveiros, interditam o cemitério e impedem o enterro, ficando insepultos os sete defuntos. e moral, naturalmente".

O encontro entre vivos e mortos se dá exatamente ao meio-dia, com a praça apinhada de gente, sob um sol escaldante. Tem lugar, então, um autêntico julgamento dos vivos, em que os mortos, através do seu advogado constituído, expõem os podres sobretudo das pessoas importantes da cidade: as falcatruas do Coronel Tibério e do Prefeito; a truculência do delegado Inocêncio; a pederastia e vaidade do Prof. Ao expor essas mazelas da fina sociedade antarense, o Dr. Cícero arrancava aplausos sobretudo dos estudantes que estavam pendurados nas árvores. Tomando a palavra, Barcelona, sem papas na língua, revela casos de adultério de damas insuspeitas e honradas de Antares. O mau cheiro (dos cadáveres em decomposição e sobretudo daquela sociedade podre) atrai urubus e, depois, Antares é invadida por ratos que empestam ainda mais a cidade.

Esse "fenômeno" provoca em Antares uma verdadeira revolução: Dr. Quintiliano não consegue dominar mais Valentina, sua esposa, que se revela "pantera acoimada"; o delegado Inocêncio briga com o filho (Mauro), que se manda da cidade; Pe. Gerôncio se desentende com o Padre Pedro-Paulo. É nessa oportunidade que fica sabendo do amor do Mendes, secretário subserviente do Prefeito, pela mulher de Joãozinho.

Em vão os jornalistas tentam entrevistar outras pessoas. Coroada de êxito, a "operação borracha" se encerra com um grande banquete em que a sociedade antarense, apaziguada pelo tempo, repõe as suas velhas máscaras.

Martim Francisco é ameaçado e aconselhado pelo velho Coronel Tibério e pelo Prefeito a sair da cidade. Na despedida, acompanhado pelos seus amigos Xisto e Padre Pedro-Paulo, ele antevê a chegada da revolução de 64 que está na iminência de acontecer.

Enfim chega março de 1964 e a revolução se instala para ficar e reafirmar os valores da sociedade capitalista, empurrando para longe os anseios socialistas. Martim).

O trecho escolhido mostra o plano dos cadáveres para conseguir seu enterro:

Dona Quitéria ergue-se, depois de dar duas palmadinhas consoladoras no ombro do suicida, e diz em voz alta, como quem se dirige a uma assembléia:
- Precisamos fazer alguma coisa!
Cícero Branco congrega os outros seis cadáveres:
O de sermos sepultados dignamente, como é de nosso direito e de hábito, numa sociedade cristã.
- Se o fim da marcha é esse - intervém Barcelona -, não contem com este defunto.
- Que coisa horrorosa, doutor! - diz Erotildes, ajeitando os cabelos num gesto faceiro.
- Não direi que aqui em cima estejamos numa democracia. (E os sociólogos do futuro terão de forçosamente reconhecer este novo tipo de regime.) Preciso saber se todos vocês me aceitam como advogado, caso em que terão de me passar uma procuração verbal para eu agir

Entradas relacionadas: