Análise Jurídica: Constituição de Sociedade Unipessoal
Classificado em Direito
Escrito em em português com um tamanho de 4,48 KB
Parte I: Descrição da Situação (14/07/2021)
Imagine que Ana o(a) procura, descrevendo-lhe a seguinte situação: Ana pretende constituir uma sociedade comercial da qual seja a titular de 100% do capital social, e que se dedique à “exploração de imóveis em regime de alojamento local, bem como a outras atividades de natureza comercial”. Ana confessa-lhe que já tem vindo a celebrar alguns contratos em nome da sociedade a constituir com empresas fornecedoras de serviços conexos com a atividade de alojamento local, desconhecendo se tais negócios serão ou não válidos.
Para o efeito, Ana pretende realizar a sua entrada através:
- a) De um imóvel de que é titular, que servirá como estabelecimento de alojamento local;
- b) De uma marca por si registada para o efeito, a “Homely Days”; e
- c) De 1.000,00€, em dinheiro.
O contrato será celebrado no dia de hoje (14.07.2021), por escrito particular, acompanhado de reconhecimento presencial da assinatura de Ana, e nele se prevê que ambas as entradas serão integralmente realizadas no prazo de um ano a contar da assinatura do mesmo. Ana pretende ainda que do contrato a celebrar fique a constar uma cláusula nos termos da qual Ana poderá vir a prestar serviços de limpeza e desinfeção do referido imóvel, em moldes que serão definidos caso a caso, se e quando a sociedade assim o entender.
Analise juridicamente a pretensão de Ana.
Resolução e Análise Jurídica
1. Tipo de Sociedade
Trata-se de uma Sociedade Unipessoal por Quotas, conforme o artigo 270.º-A do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Esta unipessoalidade é originária, sendo que a possibilidade já estava prevista no artigo 7.º, n.º 2 do CSC.
2. Validade da Cláusula Relativa ao Objeto Social
A cláusula relativa ao objeto social não é válida, porque as "outras atividades de natureza comercial" não estão especificadas. O objeto corresponde ao elemento finalístico/objetivo da sociedade, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 do CSC. Esta é uma invalidade total, de acordo com o artigo 42.º, n.º 1, alínea b) do CSC, pois se não há objeto, não há sociedade.
3. Validade dos Contratos Celebrados Antes da Constituição
Os contratos celebrados por Ana antes da constituição da sociedade são válidos. Aplicam-se as disposições sobre as sociedades civis. Quanto à responsabilidade pelas dívidas, o artigo 36.º, n.º 2 do CSC remete para o artigo 997.º do Código Civil: responde em primeira linha a sociedade e, depois, os sócios ilimitadamente.
Nos termos do artigo 19.º do CSC, a sociedade deve assumir estes negócios quando for constituída. Isto permite que seja apenas a sociedade a responder pelas dívidas e não o sócio.
4. Realização das Entradas de Capital
Ana pode realizar estas três entradas:
- As entradas em espécie (o imóvel e a marca) estão previstas no artigo 9.º, alínea h), e no artigo 28.º do CSC.
- Relativamente às entradas em espécie, não podem ser diferidas, de acordo com o artigo 26.º, n.º 3 do CSC.
- Quanto à entrada em dinheiro, pode ser diferida a totalidade, com exceção do montante mínimo da quota, que é de 1 euro. Este valor terá sempre de ser realizado no momento do ato constitutivo da sociedade, conforme o artigo 203.º do CSC, conjugado com o artigo 199.º, alínea b) do CSC.
5. Forma do Contrato de Sociedade
Quanto à forma do contrato, este não é válido. Teria de ser por escritura pública ou documento particular autenticado, pois há a transmissão de um imóvel. A justificação legal assenta nos artigos 7.º, n.º 1, e 42.º, n.º 1, alínea e) do CSC. Este contrato é nulo por falta de forma, bem como por falta de objeto.
6. Validade da Cláusula de Prestação de Serviços de Limpeza
A obrigação que Ana assume de prestar serviços de limpeza é uma prestação eventual acessória. No entanto, não é válida, conforme o artigo 209.º do CSC, porque falta especificar se é gratuita ou onerosa, apesar de termos o sujeito e o conteúdo da obrigação.