Análise de Os Maias: Crítica Social e Personagens-Tipo
Classificado em Língua e literatura
Escrito em em português com um tamanho de 7,64 KB
Representação de Espaços Sociais e Crítica em Os Maias
O Jantar do Hotel Central
Este episódio retrata o primeiro contacto social de Carlos com a sociedade lisboeta. É um jantar de homenagem a Cohen, banqueiro da alta finança, organizado por Ega, o amante de Raquel Cohen. As conversas entre as diferentes personagens presentes abordam temas fundamentais da vida política e cultural lisboeta:
- A literatura e a crítica literária (Ultrarromantismo versus Realismo);
- O mau estado das finanças do país;
- A decadência em que o país se encontrava, permitindo a denúncia da mentalidade retrógrada deste grupo social.
As Corridas do Hipódromo
Este quadro está ao serviço da crítica à sociedade portuguesa e à sua tendência para imitar tudo quanto é estrangeiro. Numa perspetiva muito crítica, Eça evidencia o provincianismo português e o seu desejo de cosmopolitismo. O cenário é descrito como desajustado, e nele desfila a alta sociedade lisboeta, e mesmo o rei, todos evidenciando desajuste relativamente a acontecimentos daquela natureza. Neste episódio, Dâmaso é a personagem mais criticada, destacando-se todos os seus vícios.
Crítica de Costumes: Personagens-Tipo
Eça de Queirós utiliza diversas personagens para satirizar e criticar os costumes da sociedade lisboeta:
- Eusebiozinho: A sua educação retrógrada transformou-o num homem apático e sem personalidade.
- Tomás de Alencar: Poeta ultrarromântico, amigo de Pedro da Maia.
- Conde de Gouvarinho: Medíocre e politicamente incompetente, revela ignorância e ausência de espírito crítico.
- Sousa Neto: Representa a ignorância e a presunção que caracterizam a Administração Pública.
- Cohen: Representa a alta finança.
- Condessa de Gouvarinho e Raquel Cohen: Representam a futilidade das mulheres da alta burguesia que, infelizes no casamento, procuram no adultério o preenchimento das suas vidas.
- Palma “Cavalão” e Neves: Representam o jornalismo medíocre, corrupto e sem escrúpulos.
- Steinbroken: Representante da diplomacia, é ministro da Finlândia, observador do país e apreciador de alguns prazeres (um bom vinho, um bom whist).
- Taveira: Representa a ociosidade.
- Dâmaso Salcede: Representa o provincianismo e novo-riquismo, exibicionismo, cobardia e degradação moral.
- Cruges: Revela talento artístico, mas é incompreendido pela sociedade.
Análise Detalhada dos Episódios Centrais
O Jantar no Hotel Central
- Propósito do jantar: Ega pretende adular Cohen, para poder estar mais perto da mulher deste, Raquel.
- Apresentação de diferentes conceções sobre a arte e a literatura:
- Conceção Naturalista/Realista (Ega): A realidade deve ser apresentada como é, sem idealização; a arte deve aspirar à cientificidade.
- Conceção Ultrarromântica (Alencar): A literatura não deve tratar assuntos obscenos; a literatura realista é o “excremento”.
- Conceção de Carlos e Craft: A arte é sempre idealização e deve mostrar uma humanidade “aperfeiçoada”.
- Diagnóstico da situação do País (economia e política):
- Economia: O País produz pouco e não gera riqueza suficiente; o Estado só pode aumentar impostos; o Estado está endividado, e o País caminha para a bancarrota.
- Política: Irresponsabilidade e despreocupação das classes dirigentes; falta de empenho e de propostas. Carlos não entendia de finanças, mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
Corridas no Hipódromo de Belém
O evento é marcado pelo artificialismo e pela incapacidade de organização, sendo uma imitação falhada de um evento desportivo britânico.
- Os Participantes: Num grande silêncio e numa «pasmaceira tristonha», com roupa inadequada para a ocasião; os jóqueis não têm desportivismo.
- O Espaço: Tribuna real forrada como uma mesa de repartição; tribunas que se assemelham a palanques de arraial; uma tribuna por pintar, mostrando as fendas.
Os portugueses não conseguem organizar devidamente um acontecimento importante, revelando um requinte e elegância artificiais.
Tempo e Movimento Literário
Tempo da Narrativa
- Tempo da História: Tempo cronologicamente mensurável em que decorre a ação (1820–1887).
- Tempo do Discurso: O conjunto de processos e técnicas de que o discurso se serve para contar a história. A ação principal decorre em 16 capítulos, mas há uma volta atrás (analepse) onde se descreve a juventude de Afonso, a vida de Pedro e a infância de Carlos (isto em 4 capítulos).
O Realismo em Os Maias
O Realismo é um movimento artístico que surge em Portugal em meados do século XIX, contestando o idealismo romântico. É uma arte que reage contra o Romantismo e privilegia a análise do real, sobretudo dos seus aspetos mais insólitos.
- Valoriza a observação e a análise de tipos humanos e de costumes sociais, tentando representar objetivamente a realidade.
- Adota uma atitude genericamente descritiva e crítica em relação à sociedade do seu tempo, tentando descrevê-la e aos seus componentes de forma desapaixonada.
- A narrativa (e em particular o romance) é o género que mais se adequa aos propósitos deste movimento, articulando momentos de narração com momentos de descrição.
- Na representação da ação, quase sempre de implicações sociais, é evidente a pormenorizada descrição dos espaços.
- A personagem é de capital importância, pois permite uma reflexão crítica sobre o ser humano e os seus problemas concretos, sendo muitas vezes encarada como personagem-tipo.
Técnicas Descritivas Queirosianas
A Descrição do Real
A descrição do espaço onde se situa a ação do romance, por vezes fotográfica, desempenha um papel importante na narrativa queirosiana.
- Todos os elementos que identificam e caracterizam o meio geográfico ou o espaço cénico (interior e exterior) personalizam a ação e as personagens, criando no leitor a ilusão de realidade.
- O cenário recriado motiva o diálogo, compartimenta e dinamiza a ação, complementa o próprio caráter das personagens — não é um mero pano de fundo.
- A descrição é, por vezes, impressionista, isto é, mais do que descrever com nitidez o objeto-alvo, sugere impressões ao nível da cor, do recorte, da luminosidade e da textura (que podem surgir antes da menção do próprio objeto).
O Papel das Sensações
As sensações conferem dinamismo descritivo e vivacidade à narrativa, tornando a descrição do real mais sugestiva, apelando ao uso dos sentidos.
- Recriam não só espaços e personagens, como também a ambiência que os rodeia.
- Transportam o leitor para “dentro” da narrativa, através das emoções e dos sentidos.
- Tipos de Sensações: Visuais, olfativas, auditivas, táteis, gustativas.
- Objetivo: Descrever e traduzir a realidade de forma imersiva.