Análise do Manifesto dos Persas (1814)

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Manifesto dos Persas

  • Classificação:

Trata-se de uma fonte primária, um testemunho direto dos absolutistas, de pensamento reacionário na época da crise do Antigo Regime na Espanha. A natureza do texto é de circunstância histórica. Os autores são um grupo de deputados, com o Moço de Rosales e o bispo de Ourense à frente. Este texto público tem um alcance nacional e internacional, e foi redigido em Valência em 1814.

  • Análise:

O texto está dividido em duas partes. A primeira (os dois primeiros parágrafos) dedica-se a justificar a monarquia absoluta em termos de razão e utilidade. A segunda (o último parágrafo) resume os efeitos da submissão dos deputados: a revogação da Constituição de Cádis e a restauração do absolutismo, mas sob o controlo de umas Cortes tradicionais.

Para comentar este documento é necessário definir os seguintes termos:

- Monarquia absolutista: Forma de governo em que o monarca detém o poder absoluto, sem qualquer limitação institucional. Não existe separação de poderes. ("O Estado sou eu").

- Sistema Liberal: Corrente de pensamento que promove as liberdades civis, opõe-se ao despotismo e defende os princípios republicanos.

- Constituição: Lei fundamental de um Estado, criada para o governar, com poder legislativo.

- Manifesto: Declaração pública de princípios e intenções políticas.

- Cortes: Assembleias convocadas pelo rei, com função consultiva. Reúnem membros dos três estados.

- Soberania: Poder supremo.

- Vassalo: Súdito de um soberano, termo referente ao feudalismo.

Comentário:

Contexto Histórico:

Este é o chamado Manifesto dos Persas, através do qual um grupo de deputados das Cortes de Cádis (1812) solicitou a Fernando VII (o Desejado) a restauração do Antigo Regime e o fim das liberdades constitucionais recentemente adquiridas. Isto ocorreu quando, após o desfecho da Guerra da Independência (1808-1813), Fernando VII foi restituído ao trono por Napoleão (Tratado de Valençay, dezembro de 1813). Em Espanha, a aristocracia, a nobreza e a maioria do povo esperavam que o regresso do monarca legítimo significasse o fim da instabilidade.

Fernando VII deveria ser o primeiro monarca constitucional da nossa história. As Cortes tinham decretado a impossibilidade do seu reinado caso não assinasse a Constituição de 1812, mas ele ignorou-as e contactou os apoiantes do absolutismo (11 de abril). Um dia depois, foi redigido o Manifesto dos Persas. Com a ajuda do exército e da Igreja, Fernando VII emitiu um decreto abolindo as Cortes (4 de maio). O absolutismo estava de volta.

Comentário de conteúdo:

O curioso nome do Manifesto dos Persas deve-se ao facto de este documento começar com uma metáfora na qual ficava claro que os deputados consideravam a abdicação do anterior rei como uma morte, que descreveram como anarquia, e da qual teriam de sair abraçando novamente o absolutismo de Fernando VII.

Nas Cortes de Cádis existia um grande grupo de parlamentares conservadores. Este grupo de deputados desejava umas Cortes ao estilo tradicional espanhol da época dos Habsburgos, com ingredientes inconfundíveis de um pacto com o monarca. Dos 69 signatários do Manifesto dos Persas, quem apresentou o documento ao rei foi Moço de Rosales, futuro ministro de Fernando VII. Estes deputados procuravam o apoio do absolutismo do rei, e António Alcalá Galiano não hesitou em abandonar os liberais. Estes deputados, que começaram a ser chamados de servis (em oposição aos liberais), representavam a alta nobreza, a maior parte da Igreja e, inclusivamente, as massas populares. Perante todos eles, os absolutistas viram-se incapazes de conter o ímpeto do liberalismo. Os liberais tiveram de optar por outras vias para alcançar o poder: a conspiração e o golpe militar.

De imediato, estabelecem-se comparações entre o absolutismo defendido e a alternativa liberal, identificada com a República. A subjetividade do Manifesto e as suas intenções ficam claras a este respeito: os liberais desejavam uma monarquia limitada a umas Cortes constitucionais.

O Manifesto pretendia convencer o rei a favor dos supostos benefícios do poder absoluto. O carácter polémico de Fernando VII estava mais inclinado para o absolutismo do que para as subtilezas complexas e abstrações do Estado liberal. Na Europa continental, a flor do liberalismo ainda não tinha vingado.

A proposta do Manifesto não deixava margem para dúvidas: anulação do texto constitucional de Cádis, uma vez que não tinha sido aprovado pelo monarca nem pelo país. Expressavam o seu desejo de convocar umas Cortes espanholas legitimamente reunidas em liberdade e de acordo com as antigas leis. O monarca teria de manter um diálogo com as Câmaras.

O objetivo era recuperar o antigo modelo autoritário da monarquia dos Habsburgos, no qual os grupos privilegiados conseguiam reservar uma parte do poder através das Cortes. Fernando VII restaurou o absolutismo total, no entanto, não convocou, voluntariamente, umas Cortes durante o seu reinado.

Embora o rei tenha acatado apenas uma parte das propostas do Manifesto, foi suficiente para produzir efeitos de grande alcance. De 1814 a 1820 decorreria a primeira fase do reinado de Fernando VII, a do governo absolutista. O regresso do rei Fernando representou uma rutura política, com a divisão entre liberais e servis. Os primeiros foram submetidos à repressão e os segundos receberam cargos e privilégios. Certas personagens mudaram de lado, como Torrero, Calatrava, etc. O papel dos militares começou a ganhar relevância, antecipando aquele que seria o papel do exército na política espanhola do século XIX.

Também beneficiaram da adesão a Fernando VII os membros da sua comitiva na corte. A "camarilla" que foi mais decisiva e poderosa do que o governo. Entre eles, destacavam-se: o duque de Alagón, Arellano, o comerciante Antonio Ugarte, Pedro Collado, Escoiquiz...

Conclusão e extensão:

Após o regresso do absolutismo, ou os colaboradores de D. Fernando não foram os mais adequados, ou o pós-guerra não foi o contexto mais favorável para um bom trabalho do governo. Entre 1814 e 1820, o país dividiu-se entre o absolutismo, o governo fraco, as tensões políticas, a desolação dos exilados e as preocupações com a situação das colónias da América Central e do Sul. A incapacidade dos nomeados por Fernando VII ficou evidente com Pedro Gómez Labrador, embaixador espanhol no Congresso de Viena.

Comportou-se de forma politicamente confusa e com pouca noção dos interesses fora de Espanha. Apesar de o duque de Fernán Núñez, em 1817, ter melhorado ligeiramente a posição espanhola, no final nada foi conseguido. Pesava sobre Fernando a assinatura de Valençay, ansioso por recuperar o seu trono.

As conspirações e os golpes militares sucederam-se, mas sem sucesso. Em setembro de 1814, Espoz y Mina revoltou-se em Puente la Reina (Navarra). No ano seguinte, o guerrilheiro Porlier proclamou a validade da Constituição de Cádis e, em 1817, o general Luis Francisco Lacy e Milans de Bosch tentaram uma revolta na Catalunha. Mas nem as armas, nem a proteção lógica do segredo maçónico foram suficientes para vencer a monarquia absoluta.

Só nos primeiros meses de 1820 é que o tenente-coronel Rafael de Riego conseguiu impor, através do pronunciamento, a recuperação da Constituição de 1812. O rei Fernando aceitou a Constituição que ele próprio tinha anulado. Em 1823, uma vez terminado o Triénio Liberal, o texto de Cádis foi novamente suspenso.

4. Bibliografia:

- CARR, Raymond. História de Espanha. Barcelona, Península, 2001.

- PÉREZ, Joseph. História de Espanha. Barcelona, Crítica, 2003.

- VIDAL, Pierre. História de Espanha. Barcelona, RBA, 2005.

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