Análise de Memorial do Convento de Saramago

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Memorial do Convento

Saramago, em Memorial do Convento, recorre a um momento da História e, em forma de narração alegórica, propõe uma reflexão sobre esses acontecimentos, sobre o comportamento e o destino humano e sobre um mundo onde há a magia do inexplicável.

Romance histórico, mas também social e de espaço, este romance articula o plano da História, com o plano da ficção e o plano fantástico.

As vozes do narrador e das personagens proporcionam, constantemente, uma análise crítica aos tempos representados e da enunciação, mas, sobretudo, um comentário e uma crítica ao presente, por onde passa também a História, permitindo confrontar o ser e o tempo.

Significado do Título

Memorial do Convento aponta para o relato de acontecimentos históricos relacionados com a construção de um convento (em Mafra), recorrendo à memória do autor, com o objetivo de inscrever na memória coletiva um período da nossa História e os heróis que construíram um monumento que marcou essa época.

A obra é classificada como um romance, onde se aliam os fatos históricos, que podem ser comprovados pela visão oficial da História, à ficção.

Ação e Estrutura Narrativa

Memorial do Convento estrutura-se em 25 capítulos, não numerados, que se organizam em vários planos narrativos: a promessa do rei mandar construir um convento em Mafra, a construção desse convento concretizada pelo povo, a construção de uma máquina voadora que realizará o sonho de um padre de voar e a história de amor entre um homem e uma mulher.

Pode-se considerar que as duas ações principais são aquelas que giram em torno da construção do convento de Mafra e da relação entre Baltasar e Blimunda; acrescenta-se ainda a narrativa da construção da passarola que funciona como uma linha de ação secundária.

Estrutura Circular e Simbolismo

Memorial do Convento tem uma estrutura claramente circular. É num auto-de-fé, que se realiza no Rossio, em Lisboa, que Blimunda encontra pela primeira vez Baltasar. No final da narrativa repete o percurso que fizera 28 anos antes e reencontra Baltasar (quando passa por Lisboa pela 7ª vez, após 9 anos de procura) de novo num auto-de-fé, no Rossio, no qual Sete-Sóis morre queimado na fogueira da Inquisição.

Esta estrutura tem uma dimensão simbólica, ou seja, Blimunda encontra o seu homem no momento em que perde a mãe e se torna autónoma. No final da narrativa, ao separar-se de Blimunda, Baltasar fragmenta a unidade representada por este par; Blimunda procura-o durante 9 anos, numa demanda que se assemelha a um período de gestação, após a qual é restabelecida a unidade deste par, quando Sete-Luas recolhe a vontade de Sete-Sóis, no momento em que este morre porque a si e à terra pertence, parecendo iniciar outro ciclo de vida.

O Tema do Amor na Obra

Em Memorial do Convento opõem-se dois tipos de amor: o amor contratual entre o rei e a rainha e o amor verdadeiro entre Baltasar e Blimunda. A relação entre o casal real tem como único objetivo dar um herdeiro à coroa, não existindo qualquer envolvimento afetivo entre ambos, o que acaba por gerar frustração (as infidelidades do rei e os sonhos da rainha com o seu cunhado). Os encontros entre o casal real são cheios de protocolo, excesso de roupa, de criados, num artificialismo que contraria um ato que deveria ser natural e espontâneo.

Baltasar e Blimunda têm uma relação amorosa plena, cheia de carícias, jogos eróticos, desinibições, transgredindo as regras sociais da época. Vivem um amor natural e instintivo, onde as palavras são desnecessárias e o amor parece eterno.

Análise Narrativa

Ação Principal e Secundária

O rei D. João V, Baltasar e Blimunda, e Bartolomeu Lourenço protagonizam o romance.

A ação principal é a construção do Convento de Mafra. Situando-se no século XVIII, encontra-se um entrelaçamento de dados históricos, como o da promessa de D. João V de construir um convento em Mafra e o do sofrimento do povo que nele trabalhou. Conhece-se a situação económica e social do país, os autos-de-fé praticados pela Inquisição, o sonho e a construção da passarola, as críticas ao comportamento do clero e os casamentos dos príncipes.

Espaço Físico e Social

Os espaços físicos privilegiados pela ação são Lisboa e Mafra. Entre vários lugares da capital ou dos arredores são referidos com frequência o Terreiro do Paço, o Rossio, S. Sebastião da Pedreira, Odivelas e Azeitão. Nas referências a Mafra, encontramos a Vela (onde se constrói o Convento), Pêro Pinheiro, Serra de Montejunto e outros locais.

O Alentejo surge como um espaço social importante, na medida em que permite conhecer a miséria que então o povo passava.

Personagens Principais

D. João V

D. João V: É retratado como megalómano, infantil, devasso, libertino e ignorante, que não hesita em utilizar o povo, o dinheiro e a posição social para satisfazer os seus caprichos. Anda preocupado com a falta de um descendente legítimo, apesar de ter bastardos. Promete levantar um Convento em Mafra se tiver filhos da rainha, com quem tem relações para cumprimento do dever, em encontros frios e programados.

Baltasar Sete-Sóis

Baltasar Mateus (Sete-Sóis): É, com Blimunda, uma das personagens mais interessantes da obra. Baltasar, depois de deixar o exército por ficar maneta, chega a Lisboa como pedinte. Conhece Blimunda, com quem partilha a vida. Vai ainda partilhar do sonho do padre Bartolomeu Lourenço, ajudando a construir a passarola e participando no seu primeiro voo.

Blimunda Sete-Luas

Blimunda (Sete-Luas): Filha de Sebastiana Maria de Jesus, que fora, pela Inquisição, condenada e degredada, por ser cristã-nova. Com capacidades de vidente e possuidora de uma sabedoria muito própria. Blimunda é uma estranha vidente que vê no interior dos corpos os males que destroem a vida e consegue recolher as vontades que permitirão o voo da passarola. Por amar Baltasar, recusa usar a magia para conhecer o seu interior. O poder de Blimunda permite ver o que está no mundo, as verdades mais profundas que o sustentam.

Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão

Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão: O sonho da passarola e a sua realidade apresentam o padre Bartolomeu Lourenço como um homem que só conseguirá evitar a Inquisição pela amizade que lhe tem o rei. Ajudado por Baltasar e Blimunda, o padre Bartolomeu Lourenço construiu a sua obra. Foi forçado a fugir à Inquisição por possível adesão ao judaísmo ou por se ter envolvido num caso de bruxaria. Morreu em Toledo.

O Povo

O Povo: O povo trabalhador construiu o convento de Mafra, à custa de muitos sacrifícios e mesmo de algumas mortes. Definido pelo seu trabalho, pela sua miséria física e moral, pela sua devoção, este povo humilde surge como verdadeiro obreiro da realização do sonho de D. João V.

O Clero

O Clero: A hipocrisia e a violência do clero revela-se em rituais que em vez de elevarem o espírito acentuam a degradação moral e corrupção religiosa (autos-de-fé, procissões da Páscoa e procissão do Corpo de Deus).

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