Análise da Poesia de Cesário Verde: Realismo e Modernismo

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Cesário Verde era, antes de mais, um realista que utilizou também o impressionismo nos seus poemas, já que materializa o abstracto, insiste na impessoalidade, utiliza paisagens e locais para traduzir estados psicológicos, e dá espírito a objetos.


Além disso, Cesário Verde e as suas composições poéticas enquadram-se também no Parnasianismo, que defende “a arte pela arte” e que foi iniciado em França no século XIX.
Esta corrente literária procura um acabamento perfeito através de poesias descritivas. É uma reação contra o Romantismo, defendendo a objetividade em detrimento do sentimentalismo, e a perfeição formal em detrimento da indisciplina da linguagem. É um retorno ao racionalismo e uma busca pela impessoalidade.


Através da junção do realismo, com o impressionismo e o Parnasianismo, os poemas de Cesário Verde tornam-se autênticas representações pictóricas da realidade devido à utilização de uma linguagem colorida, à musicalidade e à perfeição formal.


Desta forma, Cesário Verde preocupa-se bastante em apresentar o quotidiano da realidade de uma forma realista, clara, objetiva e concreta. Procura descrever o mundo com objetividade, tentando captar os mais ínfimos pormenores de forma a poder, depois, transmitir percepções sensoriais e partir para uma subjetividade sóbria.


Características Realistas

  • Supremacia do mundo externo, da materialidade dos objetos; impõe o real concreto à sua poesia.
  • Predomínio do cenário urbano (o favorito dos escritores realistas e naturalistas).
  • Situam espaço-temporalmente as cenas apresentadas (ex: «Num Bairro Moderno» - «dez horas da manhã»).
  • Atenção ao pormenor, ao detalhe.
  • A seleção temática: a dureza do trabalho («Cristalizações» e «Num Bairro Moderno»); a doença e a injustiça social («Contrariedades»); a imoralidade das «impuras», a desonestidade do «ratoneiro» e a «miséria do velho professor» em «O Sentimento dum Ocidental».
  • A presença do real histórico: a referência a Camões e o contexto socio-político em «O Sentimento dum Ocidental».
  • A linguagem burguesa, popular, coloquial, rica em termos concretos.
  • Pelo fato da sua poesia ser estimulada pelo real, que inspira o poeta, que se deixa absorver pelas formas materiais e concretas.

Características Modernistas

  • «A poesia de Cesário Verde reflete a crise do naturalismo e o desencanto pela estética realista. O poeta empenha-se no real, é certo, porém a instância da visão subjetiva é marcante ao ponto de fazer vacilar a concepção de Cesário Verde como poeta realista.» (Elisa Lopes). Mesmo nos textos mais frequentemente citados como realistas, encontramos já um olhar subjetivo (porque seletivo), valorativo, que se manifesta num impressionismo pictórico, pois mais do que a representação do real importa a impressão do real, que suplanta o real objetivo. A realidade é mediatizada pelo olhar do poeta, que recria, a partir do concreto, uma super-realidade através da imaginação transfiguradora, metamorfoseando o real num processo de reinvenção ou recontextualização precursora da estética surrealista.
  • Abre à poesia as portas da vida e assim traz o inestético, o vulgar, o feio, a realidade trivial e quotidiana. A. C. Monteiro chama-lhe «o pendor subversivo».
  • Forte componente sinestésica (cruzamento de várias sensações na apreensão do real), de pendor impressionista, que valoriza a sensação em detrimento do objeto real.
  • Um certo interseccionismo entre planos diferentes, visualismo e memória, real e imaginário, etc., (concretizado muitas vezes em hipálages sugestivas).

Características Estilísticas

  • A estrutura narrativa dos seus poemas, em que encontramos ações protagonizadas por agentes/atores (ex: «Deslumbramentos», «Cristalizações» e «Num Bairro Moderno»).
  • A estrutura deambulatória que configura uma poesia itinerante: a exploração do espaço é feita através de sucessivas deambulações, numa perspectiva de câmara de filmar, em que se vão fixando vários planos (ex: «Cristalizações», em que se configuram vários planos, e «O Sentimento dum Ocidental», em que há um fechamento cada vez maior dos cenários apreendidos pelo olhar). É uma espécie de olhar itinerante e fragmentário, que reflete o passeio obsessivo pela cidade (e também no campo em alguns poemas); uma poesia transeunte, errante. Exemplos mais significativos são os poemas «Num Bairro Moderno», «O Sentimento dum Ocidental», que definem a relação do poeta com a cidade.
  • O olhar seletivo: a descrição/evocação do espaço é filtrada por um juízo de valor transfigurador, profundamente sinestésico (ex: «Num Bairro Moderno»).
  • O poeta é como um espelho em que vem repercutir-se a diversidade do mundo citadino.
  • O contraste luz/sombra: jogo lúdico de luz em que as imagens poéticas se configuram em cintilações, descobrindo, presentificando e recriando a realidade (ex: «O Sentimento dum Ocidental»). Tanto pode ser a luz do dia como a luz artificial, como a luz metafórica que emana da visão da mulher. A incidência da luz é uma forma de valorizar os objetos, entendendo-se a luz como princípio de vida.
  • Automatismo psíquico: associações desconexas de ideias, visível nas frases curtas, na sequência de orações coordenadas assindéticas, que sugerem uma acumulação, uma concatenação aleatória de ideias (ex: «Contrariedades», «O Sentimento dum Ocidental»).
  • Adjetivação particularmente abundante e expressiva, com dupla e tripla adjetivação, ao serviço de um impressionismo pictórico.
  • Os substantivos presentificadores da realidade convocada, frequentemente em enumeração, que sugere uma acumulação, um compósito de elementos, característicos da construção pictórica.

Características Temáticas

  • Oposição cidade/campo, sendo a cidade um espaço de morte e o campo um espaço de vida – valorização do natural em detrimento do artificial. O campo é visto como um espaço de liberdade, do não isolamento; e a cidade como um espaço castrador, opressor, símbolo da morte, da humilhação, da doença. A esta oposição associam-se as oposições belo/feio, claro/escuro, força/fragilidade.
  • Oposição passado/presente, em que o passado é visto como um tempo de harmonia com a natureza, ao contrário de um presente contaminado pelos malefícios da cidade (ex: «Nós»).
  • A questão da inviabilidade do amor na cidade.
  • A humilhação (sentimental, estética, social).
  • A preocupação com as injustiças sociais.
  • O sentimento anti-burguês.
  • O perpétuo fluir do tempo, que só trará esperança para as gerações futuras.
  • Presença obsessiva da figura feminina, vista:
    • Negativamente, porque contaminada pela civilização urbana
    • Mulher opressora – mulher nórdica, fria, símbolo da eclosão do desenvolvimento da cidade como fenômeno urbano, sinédoque da classe social opressora e, por isso, geradora de um erotismo da humilhação (ex: «Frígida», «Deslumbramentos» e «Esplêndida»), em que se reconhece a influência de Baudelaire;
    • Positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares
    • Mulher anjo – visão angelical, reflexo de uma entidade divina, símbolo de pureza campestre, com traços de uma beleza angelical, frequentemente com os cabelos loiros, dotada de uma certa fragilidade («Em Petiz», «Nós», «De Tarde» e «Setentrional») – também tem um efeito regenerador;
    • Mulher regeneradora – mulher frágil, pura, natural, simples, representa os valores do campo na cidade, que regenera o sujeito poético e lhe estimula a imaginação (ex: as figuras femininas de «A Débil» e «Num Bairro Moderno»);
    • Mulher oprimida – tísica, resignada, vítima da opressão social urbana, humilhada, com a qual o sujeito poético se sente identificado ou por quem nutre compaixão (ex: «Contrariedades»);
    • Mulher como sinédoque social – (ex: as «burguesinhas» e as varinas de «O Sentimento dum Ocidental» como objeto do estímulo erótico
    • Mulher objeto – vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como impulso erótico (ex: atriz de «Cristalizações»).

Métrica: 7 - heptassílabos, 8 - octossílabos, 9 - eneassílabos, 10 - decassílabos
aa, bb - emparelhada
abab - cruzada
abca - interpolada

Rima consoante/perfeita: vogais e consoantes
Rima toante/imperfecta: vogais
Rima rica: classes diferentes
Rima pobre: mesma classe

Subjetividade: normalmente quando o sujeito fala de si, sobre ele próprio, dá a conhecer a sua visão do mundo... (ver-te, era admirável, descrevo, embarcava)
Objetividade: descrição sem adjetivos (batatais, aspectos rurais, latadas...)

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