Análise da Sistemática Recursal Cível Brasileira

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Resumo

Este artigo analisa a sistemática recursal cível brasileira, especialmente sua teoria geral, e os possíveis reflexos do Projeto de Lei n. 8.046/10 ("Emenda Aglutinativa Substitutiva Global"). O estudo compara o sistema atual com o proposto, destacando convergências, divergências e avanços na prestação jurisdicional.

Palavras-chave

Recursos Cíveis; Teoria Geral; Reforma Legislativa.

Sumário

  1. Introdução
  2. Recursos
    1. Breves Considerações Preliminares
    2. Atos Sujeitos a Recurso
    3. Princípios Gerais dos Recursos
    4. Recurso Adesivo
    5. Requisitos de Admissibilidade
      1. Legitimidade
      2. Inexistência de Fato Impeditivo
      3. Recorribilidade da Decisão
      4. Adequação do Recurso
      5. Tempestividade
      6. Preparo
      7. Forma e Motivação
  3. Juízo de Admissibilidade
  4. Efeitos dos Recursos
  5. Extinção Anormal do Recurso
  6. Considerações Finais
  7. Referências Bibliográficas

1. Introdução

Este artigo analisa a sistemática recursal brasileira, focando em sua Teoria Geral. Compararemos os elementos principais da teoria geral recursal do sistema atual com as propostas do PL n. 8.046/10 ("Emenda Aglutinativa Substitutiva Global"), buscando identificar semelhanças, diferenças e possíveis avanços na prestação jurisdicional.

2. Recursos

2.1. Breves considerações preliminares

O inconformismo inerente às relações interpessoais justifica a existência dos recursos. Recurso é o direito da parte vencida, total ou parcialmente, de solicitar o reexame de uma decisão judicial, visando sua reforma ou modificação por órgão competente e hierarquicamente superior. Distingue-se de outros meios autônomos de impugnação, como a ação rescisória e o mandado de segurança.

O pressuposto essencial do recurso é a sucumbência, ou seja, a diferença entre o pedido e o concedido pelo juiz. A sucumbência pode ser total ou parcial. Os recursos buscam substituir a decisão desfavorável por outra que atenda aos interesses do recorrente, conforme o art. 1.021 do PL n. 8.046/10.

O PL n. 8.046/10 prevê nove recursos (art. 1.007): I - apelação; II - agravo de instrumento; III - agravo interno; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário; VIII - agravo extraordinário; IX - embargos de divergência. Note-se a ausência do agravo retido e dos embargos infringentes, e a inclusão dos agravos interno e extraordinário (este substituindo o "agravo nos próprios autos").

Atualmente, reconhece-se o recurso como desdobramento do direito de ação, exercido no ajuizamento da demanda e esgotado com o trânsito em julgado (CPC, art. 496; PL n. 8.046/10, art. 1.007).

2.2. Atos Sujeitos a Recurso

O art. 1.014 do PL n. 8.046/10 dispõe que despachos não são recorríveis. Apenas sentenças, decisões interlocutórias e acórdãos (CPC, arts. 203, §§1º e 2º, 204) admitem recurso. Sentença é o pronunciamento que encerra o processo ou uma fase (CPC, arts. 495 e 497); decisão interlocutória é o pronunciamento decisório que não se enquadra como sentença (CPC, art. 203, §2º); acórdão é o julgamento colegiado dos tribunais (CPC, art. 204).

2.3. Princípios Gerais dos Recursos

Diversos princípios regem os recursos, como o duplo grau de jurisdição, a unicidade, a fungibilidade e a reformatio in pejus.

O princípio do duplo grau de jurisdição prevê a revisão das decisões judiciais por órgão superior, visando uma melhor justiça. Apesar dos filtros processuais (súmula impeditiva de recursos, normas sobre recursos repetitivos, súmula vinculante, repercussão geral), o duplo grau de jurisdição norteia o sistema processual. Discute-se seu status constitucional (garantia explícita ou implícita, garantia do insatisfeito, princípio processual limitado pela Constituição).

O PL n. 8.046/10 disciplina o "Precedente Judicial" (arts. 520 a 522). O art. 520 determina que os tribunais uniformizem sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente, editando súmulas correspondentes à jurisprudência dominante. O art. 521 estabelece que juízes e tribunais sigam as decisões e precedentes do STF, súmulas vinculantes, acórdãos e precedentes em incidente de assunção de competência ou resolução de demandas repetitivas, recursos repetitivos, súmulas do STF e STJ, e precedentes dos tribunais a que estão vinculados. Na ausência de súmula, seguirão os precedentes do plenário do STF (controle difuso) e da Corte Especial ou Seções do STJ (matéria infraconstitucional). Os §§ 8º e 9º do art. 521 preveem exceções à obrigatoriedade de seguir precedentes. O PL n. 8.046/10 permite a modificação de precedentes, com audiências públicas e participação de interessados (art. 521, §§ 1º a 4º), e a modulação dos efeitos da decisão que supera o entendimento anterior (art. 521, §§ 5º a 7º). Os tribunais devem publicar seus precedentes, organizados por questão jurídica (art. 521, §10º).

O "Incidente de resolução de demandas repetitivas" (arts. 988 a 1.000) visa dinamizar o princípio da duração razoável do processo, mantendo a segurança jurídica e a isonomia.

O princípio da unicidade (singularidade ou unirrecorribilidade) proíbe a interposição simultânea de mais de um recurso contra a mesma decisão. O CPC prevê um recurso para cada decisão. O princípio da fungibilidade, embora não previsto no CPC vigente, subsiste em caso de dúvida objetiva sobre o recurso cabível, condicionada à tempestividade. O PL n. 8.046/10 prevê expressamente a fungibilidade, por exemplo, nos embargos de declaração (art. 1.037, §2º).

O princípio da reformatio in pejus impede que o recorrente tenha sua situação piorada pelo julgamento do recurso, exceto no recurso adesivo.

2.4. Recurso Adesivo

Em caso de sucumbência recíproca, ambas as partes podem recorrer. Se uma parte não recorre e é surpreendida pelo recurso da outra, pode aderir a ele no prazo das contrarrazões, recorrendo quanto à parte que sucumbiu. O PL n. 8.046/10 admite o recurso adesivo na apelação, nos recursos extraordinário e especial (art. 1.010, §2º, II). O recurso adesivo está condicionado ao recurso principal.

2.5. Requisitos de Admissibilidade

Os requisitos de admissibilidade dos recursos classificam-se em: I - subjetivos (legitimidade e inexistência de fato impeditivo); II - objetivos (recorribilidade da decisão, adequação do recurso, tempestividade, preparo, forma e motivação).

2.5.1 Legitimidade

O vencido, o terceiro prejudicado e o Ministério Público têm legitimidade para recorrer (CPC, art. 499; PL n. 8.046/10, art. 1.009). O terceiro prejudicado deve demonstrar a possibilidade de a decisão atingir seu direito (PL n. 8.046/10, art. 1.009, parágrafo único).

2.5.2 Inexistência de Fato Impeditivo

Quem pratica ato incompatível com a vontade de recorrer (renúncia ou aceitação da decisão) não pode recorrer. A renúncia, anterior ao recurso, independe de aceitação (CPC, art. 502; PL n. 8.046/10, art. 1.012). A aceitação, expressa ou tácita (CPC, art. 503; PL n. 8.046/10, art. 1.013), inclui atos como o pagamento da dívida (ação de cobrança) ou a entrega das chaves (ação de reintegração de posse).

2.5.3. Recorribilidade da Decisão

Apenas sentenças, decisões interlocutórias e acórdãos são recorríveis. Despachos de mero expediente são irrecorríveis (CPC, art. 504; PL n. 8.046/10, art. 203, §4º). O PL n. 8.046/10 prevê o cabimento do agravo de instrumento em numerus clausus (art. 1.028). Decisões interlocutórias não abrangidas pelo art. 1.028 são impugnáveis em apelação, mediante protesto específico (PL n. 8.046/10, art. 1.022, §§ 1º e 2º).

2.5.4. Adequação do Recurso

O recurso deve ser adequado à decisão judicial, conforme a lei processual. A interposição de recurso inadequado pode gerar seu não conhecimento. Admite-se a fungibilidade em caso de erro não grosseiro e tempestividade.

2.5.5 Tempestividade

O recurso deve ser interposto dentro do prazo legal. O PL n. 8.046/10 prevê prazo de 15 dias para a maioria dos recursos, exceto embargos de declaração (5 dias) (art. 1.016, §5º). O prazo conta-se da intimação (art. 1.016). O PL n. 8.046/10 prevê contagem do prazo em dias úteis (art. 219) e prorrogação em comarcas com transporte difícil (art. 222). O juiz pode exceder os prazos por motivo justificado (arts. 226 e 227). A petição do recurso deve ser protocolada em cartório, salvo regra especial (art. 1.016, §3º). O agravo de instrumento tem regras específicas de interposição (art. 1.030, §2º). O PL n. 8.046/10 prevê prazo em dobro apenas para litisconsortes com diferentes procuradores, em processos físicos (art. 229).

2.5.6. Preparo

Preparo é o recolhimento das custas e despesas processuais. O recorrente deve comprovar o preparo, sob pena de deserção (CPC, art. 511; PL n. 8.046/10, art. 1.020). A deserção aplica-se em caso de preparo insuficiente, após intimação (CPC, art. 511, §2º; PL n. 8.046/10, art. 1.020, §2º). Em processos eletrônicos, não se exigem portes de remessa e retorno (art. 1.020, §3º). O PL n. 8.046/10 prevê a dispensa da deserção por justo impedimento ou equívoco no preenchimento da guia (art. 1.020, §§ 6º e 7º). MP, União, Estados, DF, Municípios, autarquias e beneficiários da justiça gratuita estão isentos de preparo (CPC, art. 511, §1º; PL n. 8.046/10, art. 1.020, §1º).

2.5.7 Forma e Motivação

O recurso deve obedecer à forma prevista em lei e ser motivado, indicando as razões para a modificação da decisão.

3. Juízo de Admissibilidade

O juízo de admissibilidade é o controle da presença dos requisitos de admissibilidade, realizado pelo juízo a quo e ad quem. O PL n. 8.046/10 modifica o juízo de admissibilidade, buscando maior celeridade. Na apelação, o juízo a quo intima o apelado para contrarrazões e remete os autos ao tribunal, independentemente de juízo de admissibilidade (arts. 1.023 e 1.024). O relator pode conceder prazo para sanar vícios ou complementar documentos (art. 945, parágrafo único).

4. Efeitos dos Recursos

O recurso impede o trânsito em julgado (CPC, art. 467). Os recursos têm efeito devolutivo e, em alguns casos, suspensivo.

O efeito devolutivo transfere ao juízo ad quem o conhecimento da matéria impugnada (CPC, art. 505; PL n. 8.046/10, art. 1.015). Exceções: embargos de declaração (CPC, art. 536; PL n. 8.046/10, art. 1.039) e agravo (CPC, art. 529; PL n. 8.046/10, art. 1.031, §1º).

O efeito suspensivo impede a eficácia da decisão. No CPC, ocorre na apelação (art. 520), nos embargos de declaração, nos embargos infringentes e no recurso ordinário. Pode ser facultado ao agravo de instrumento (arts. 527, III, e 558). O PL n. 8.046/10 prevê efeito suspensivo em diversos recursos: apelação (art. 1.025), agravo de instrumento (art. 1.032, I), embargos de declaração (art. 1.039, §1º), recursos extraordinário e especial (art. 1.042, §5º), e incidente de recursos repetitivos (arts. 1.049, §1º e 1.050, II).

5. Extinção Anormal do Recurso

O recorrente pode desistir do recurso até a publicação da pauta (PL n. 8.046/10, art. 1.011). Em casos de repercussão geral ou recursos repetitivos, a desistência não impede a análise da questão pelo tribunal.

6. Considerações Finais

Este artigo analisou o PL n. 8.046/10 ("Emenda Aglutinativa Substitutiva Global") quanto à teoria geral recursal, comparando-o com o sistema atual e destacando avanços. A efetividade das mudanças dependerá da prática forense.

Referências

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