Análise Temática: O Eu, a Natureza e o Tempo na Poesia de Pessoa
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A Relação entre o Homem e a Natureza: Tempo e Finitude
1. A Relação com a Natureza: Similitude e Dissimilitude
A relação que se estabelece entre nós e os elementos da Natureza é caracterizada por:
- Similitude de condições: Decorre da participação na mesma realidade perene. ("Antes de nós nos mesmos arvoredos / Passou o vento, quando havia vento, / E as folhas não falavam / De outro modo do que hoje." - vv. 1-4; "Não fazemos mais ruído no que existe / Do que as folhas das árvores / Ou os passos do vento" - vv. 6-8).
- Dissimilitude de condições: Decorre da finitude e da transitoriedade que caracterizam o homem e a sua consciência do tempo ("Passamos" - v. 5) e da consciência da inutilidade do esforço humano ("agitamo-nos debalde" - v. 5).
2. Exortação à Fruição e Serenidade Epicurista
A terceira estrofe contém uma exortação à fruição calma do momento, à serenidade epicurista do contacto direto com a Natureza ("Tentemos pois com abandono assíduo / Entregar nosso esforço à Natureza" - vv. 9-10), e ao desejo único de identificação com ela ("E não querer mais vida / Que a das árvores verdes." - vv. 11-12), numa indiferença à perturbação causada pela ameaça inelutável do Fatum.
3. O Sujeito Poético: Do Plural ao Singular
- Destino Comum (Sujeito Plural): Nas quatro primeiras estrofes do poema, refere-se um destino comum a todos os homens, através do recurso a um sujeito plural (nós - v. 1, Passamos - v. 5, agitamo-nos - v. 5, Não fazemos - v. 6, Tentemos - v. 9, nosso - v. 10, parecemos - v. 13, nós - v. 14, Nos - v. 15, nos - v. 16).
- Experiência Individual (Sujeito Singular): Na última quadra, evoca-se a situação particular do eu e refere-se a experiência direta da fugacidade da vida e da passagem inexorável do Tempo, através do recurso a um sujeito singular de primeira pessoa (o meu indício - v. 17).
4. A Interrogação Retórica e a Fugacidade da Vida
Toda a última estrofe é constituída por uma interrogação retórica que remete para a consciência que o eu possui da fugacidade da vida e que releva o fosso existente entre:
- A Pequenez Humana: ("Se aqui, à beira-mar, o meu indício / Na areia o mar com ondas três o apaga," - vv. 17-18).
- A Vastidão e Inexorabilidade do Tempo: ("Que fará na alta praia / Em que o mar é o Tempo?" - vv. 19-20).
O Eu, os Outros e a Incomunicabilidade
1. Sensações Visuais e Auditivas
Nas quatro primeiras estrofes do poema, encontram-se representadas sensações visuais e auditivas, através dos seguintes elementos:
- Sensação Visual: "que já vi mas não vi" (v. 3); "As crianças, que brincam às sacadas altas, / Vivem entre vasos de flores" (vv. 5-6).
- Sensação Auditiva: "As vozes, que sobem do interior do doméstico, / Cantam sempre" (vv. 8-9).
2. A Caracterização do Tempo da Infância
Na terceira estrofe do poema, o tempo da infância é caracterizado por:
- Um ambiente de despreocupação feliz, sugerido pelo ato de brincar ("As crianças, que brincam às sacadas altas, / Vivem entre vasos de flores" - vv. 5-6).
- A não consciência da passagem do tempo ("Sem dúvida, eternamente." - v. 7).
3. O Contraste entre o "Eu" e a Felicidade dos "Outros"
A relação que o sujeito poético estabelece com os outros nas seis primeiras estrofes é marcada pela diferença:
- Os Outros: São felizes, como se deduz dos elementos referidos no texto: alegria aparente (v. 2 e v. 4), brincadeira (v. 5), flores (v. 6), canto (vv. 8 a 10), festa (v. 11).
- O Sujeito Poético: Considera-se à parte e diferente deles. ("São felizes, porque não são eu." - v. 4; "Que grande felicidade não ser eu!" - v. 14).
4. Dor, Vazio e a Incomunicabilidade Essencial
A dor e o vazio expressos na última estrofe, particularmente no verso "Um nada que dói..." (v. 26), decorrem das reflexões desenvolvidas nas duas estrofes anteriores.
O sujeito poético questiona-se quanto aos outros (v. 15) e aos seus sentimentos, chegando às seguintes conclusões:
- Cada outro é um eu (v. 16); só é possível sentir enquanto eu ou nós (vv. 21-24).
- Existe uma incomunicabilidade essencial entre os seres humanos, pois não se pode saber o que eles, os outros, sentem (vv. 17-20), resultando na consciência individual separada de cada eu.