Arquitetura Moderna Brasileira: Origens, Mitos e Controvérsias

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O Contexto Pós-Guerra e o Neocolonialismo

A guerra para acabar com todas as guerras, e muitos acreditaram nesta afirmativa. Estados Unidos, México, Colômbia, Peru, Brasil voltavam-se para elementos formais desprezados pelo ecletismo do século XIX e o movimento neocolonial apresentava-se como opção coerente com a situação sócio-política. Enfim, uma sucessão de atitudes, sempre impregnadas do "espírito" modernista, que resultam na seguinte hipótese: nos primeiros anos do século XX, pelo menos nas Américas, ser moderno era ser nacionalista, ou, por mais paradoxal que pareça, ser moderno era ser tradicional. Tratava-se de mais uma incursão pela liberdade formal proporcionada pelo Ecletismo Internacional, mas que reapresentava formas até então esquecidas ou repudiadas por seu caráter passadiço ou antiquado, na visão dos tempos modernos. Em 1929, a Europa registraria esta nova tendência, que pode ser observada na exposição sevilhana, considerada um magnífico exercício de arquitetura com "estilos tradicionais". Devido à crise econômica, a presença do público ficou muito aquém do previsto, com pouco registro e documentação, que certamente poderia ilustrar a exuberância dos pavilhões influenciados pela arquitetura espanhola.

1922: O Ano-Chave para o Modernismo Brasileiro

O movimento neocolonial transpunha a fronteira atlântica, mesmo com o predomínio do ecletismo internacional em diversos países americanos. O ano de 1922 marcaria as comemorações do Centenário da Independência, efeméride que, pela sua natureza, exaltava os sentimentos de nacionalismo já despertos durante a Guerra de 1914. Alguns episódios marcaram definitivamente aquele ano:

  • Em fevereiro, a Semana de Arte Moderna, em São Paulo;
  • O heroico episódio dos 18 do Forte, em julho, na praia de Copacabana;
  • A Exposição do Centenário, em setembro, na Capital Federal.

Contando com formas de representação inovadoras para a linguagem acadêmica nacional, nos campos da pintura e escultura, a arquitetura representada na semana oscilou entre um indefinido neocolonial, produzido por Pzyrambel, e uma produção vinculada à arte pré-colombiana, em projetos de Moya, semelhantes a algumas obras de Frank Lloyd Wright. Portanto, a versão que aborda cada um dos eventos de forma distanciada obstrui a plena compreensão do fato que, em 1922, ser moderno era cultuar a tradição.

Podemos considerar que a adoção do movimento neocolonial como modelo oficial durante os anos de 1920 não foi mais do que um resultado esperado que refletia os sentimentos represados, dos quais soube tirar partido o discurso veemente de José Mariano Filho, médico de profissão, mecenas das artes e admirador da arquitetura nacional a tal ponto que se tornou um de seus principais defensores, atuando decisivamente para a fundação de um Instituto de arquitetos.

Gregori Warchavchik e a Gênese da Arquitetura Moderna

É fato reconhecido que a arquitetura moderna chegou ao Brasil descrita e não projetada.

A nossa arquitetura deve ser apenas racional, deve basear-se apenas na lógica e esta lógica devemos opô-la aos que estão procurando por força imitar algum estilo.

Gregori Warchavchik

No entanto, é mais conveniente utilizar a imagem da primeira casa modernista, projetada por Gregori Warchavchik em 1927, na rua Santa Cruz, em São Paulo, como ícone definitivo. A casa da rua Santa Cruz também revela que a gênese da arquitetura moderna no Brasil não está vinculada à influência corbusiana, mas a outras experiências desenvolvidas por profissionais como Loos, em Viena – Casa Steiner, 1910 – ou Rietveld, em Utrecht – Casa Schroeder, 1924. E tal foi a surpresa diante da produção de Warchavchik que, registre-se, essa admiração foi compartilhada por Wright, quando em 1931 visitou a casa da Rua Toneleros, em Copacabana, também projeto de Warchavchik.

O Concurso para o Edifício do Ministério da Educação e Saúde (MEC)

Um dos dogmas da história da arquitetura moderna no Brasil envolve um de seus ícones: o prédio do MEC, como é popularmente conhecido. Desde seus primeiros momentos nos bancos acadêmicos, o jovem calouro do curso de arquitetura é obrigado a ouvir versões como fatos sobre tal obra, que envolvem até mesmo simples questões cronológicas. Devido a paixões ancestrais, devidamente sedimentadas por gerações, professores-arquitetos utilizam "licenças poéticas" para indicar o prédio do MEC como o primeiro edifício moderno brasileiro.

Fatos, em ordem cronológica, indicam que, apesar da paixão, o edifício-ícone do modernismo no Brasil não foi o primeiro, mas certamente aquele que contou com a melhor propaganda:

  • A primeira casa modernista no Brasil foi projetada por Warchavchik em 1927;
  • A primeira casa modernista no Rio de Janeiro foi projetada por Warchavchik em 1930;
  • O primeiro edifício moderno de uso público no Rio de Janeiro foi projetado por Affonso Eduardo Reidy e Gérson Pinheiro, em 1931 (Albergue da Boa Vontade);
  • O primeiro edifício de grande porte a utilizar os pontos de Le Corbusier foi o prédio da Associação Brasileira de Imprensa – ABI – projetado pelos irmãos Roberto, em 1935;
  • Ainda em 1935, o arquiteto Luiz Nunes projetou a escola Alberto Torres, em Recife, que incorporava influências corbusianas do Palácio dos Sovietes, de 1931.

Não entrará na cabeça de ninguém que a campanha remunerada de elogios ao edifício do Ministério da Educação vise apenas lisonjear o Ministro Capanema.

José Mariano Filho

O próprio desenrolar do concurso raramente foi comentado com clareza, pois além da competição natural em busca do projeto que melhor atendesse tanto ao edital quanto aos interesses do Estado, havia uma disputa ideológica, recrudescida desde os episódios de 1931, que culminaram com o afastamento de Lucio Costa da direção da Escola de Belas Artes.

Com a posse de Gustavo Capanema como Ministro da Educação, Vargas revelava seu ecletismo ideológico nas escolhas do seu ministério, ou uma grande habilidade na atribuição das pastas. Entre as diversas missões do novo ministro estava a implantação da Cidade Universitária e a reorganização do Ministério, que se consumaria na construção de uma nova sede. O artigo 23 fora cumprido, pois o Ministro não contratou o escritório vencedor, porém também não abriu concurso ou licitação para contratar a equipe que definiu o projeto final. Deve ser registrado que o futuro vencedor, Archimedes Memoria, não assinou o documento após o julgamento, envolto mais uma vez em muita polêmica, com sérias acusações à idoneidade da Comissão Julgadora. Archimedes Memoria, professor da Escola de Belas Artes, responsável pelo mais importante escritório de arquitetura do Rio de Janeiro, autor de diversos projetos relevantes, foi o vencedor.

Por algumas décadas o projeto vitorioso foi considerado extraviado e a versão oficial ficava por conta daqueles que participaram do processo. Naquela ocasião, durante uma pesquisa sobre a arquitetura no Estado Novo, ao consultarmos a seção de microfilmes da Biblioteca Nacional, lá estava arquivado todo o processo: projetos, atas, croquis, bilhetes. No entanto, após consultar as informações oficiais, várias incorreções foram detectadas:

  • Segundo a ata da terceira reunião do júri do concurso, de 08 de julho de 1935, o projeto vencedor foi desenvolvido exclusivamente por Archimedes Memoria;
  • Raphael Galvão dividiu o segundo lugar com Mario Fertin;
  • O projeto de Memoria não contém sete pátios, mas apenas quatro;
  • O "estilo marajoara", ainda que utilizado com frequência por alguns arquitetos da década, neste caso dilui-se em repertório claramente Art Déco;
  • Além disso, o autor estabelece um juízo de valor sobre a capacidade dos profissionais envolvidos, direcionando a opinião do leitor para a qualidade do novo projeto, numa tentativa de justificar a atitude do ministro e da equipe envolvida.

De Brito Filho produziu um laudo declarando que o projeto vencedor não satisfazia aos requisitos higienossanitários. Aproveitando a discussão sobre o projeto para a Cidade Universitária, Lucio Costa armou um estratagema: inventou uma proposta para implantar o conjunto sobre pilotis, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Recusado por motivos técnicos e econômicos, Costa conseguia a oportunidade para sugerir a vinda de Le Corbusier para auxiliar nas duas empreitadas.

A Vinda de Le Corbusier ao Brasil

Afinal, o Ministro Capanema, sem nenhum conhecimento de órgãos como o CREA, recentemente fundado, convidara Marcelo Piacentini, arquiteto de Mussolini, para opinar sobre a futura cidade universitária do Brasil, prevista para a área da Quinta da Boa Vista. Tal iniciativa resultou em projeto detalhado, publicado em 1938 em revistas italianas e exposto em maquetes de ótima confecção que subliminarmente indicavam o alinhamento do governo Vargas com os países do Eixo.

Após muitas ponderações e uma entrevista de Lucio Costa com o próprio presidente Vargas, Capanema aceitou a sugestão e Le Corbusier veio convidado oficialmente pelo governo brasileiro para realizar algumas palestras e consultorias, evitando problemas com o CREA. As descrições imparciais de alguns dos envolvidos sobre este contato de um mês sugerem uma personalidade egocêntrica, que mesmo diante das solicitações do ministro e do trabalho já iniciado pela equipe apresentou um projeto fechado, para um terreno ideal.

O Projeto Edificado e Suas Controvérsias

Diante da negativa em relação ao terreno, pouco antes da partida Le Corbusier encaminhou novos croquis, sem a mesma clareza dos primeiros estudos, revelando sua insatisfação com a atitude oficial. Os estudos anteriores, tanto a proposta original da equipe de Lucio como os primeiros croquis de Corbusier receberam a devida reverência: foram utilizados respectivamente, sob a orientação de Jorge Moreira, para o futuro Hospital Universitário da Ilha do Fundão e o projeto premiado na bienal de 1957 para as novas instalações da Faculdade Nacional de Arquitetura. O projeto edificado, que se tornou marco da arquitetura moderna, era, de fato, produto de exceções sucessivas, porém sempre justificadas maquiavelicamente por seus mentores principais.

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