Aspectos da Recuperação Judicial: Credores, Função Social e Cram Down

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Supremacia dos Credores e o Papel do Juiz

A Assembleia Geral de Credores (AGC) é um órgão deliberativo que visa examinar debates e tomar decisões relacionadas às matérias que são de sua exclusiva atribuição. Ela está também vinculada ao interesse coletivo e é incumbida de tomar decisões que sejam de interesse do credor. São soberanas as decisões que tratarem de matérias privativas. A intervenção do Poder Judiciário somente será admitida quando for tratar do controle de legalidade do plano de recuperação judicial, na esfera material, formal ou substancial, visando evitar que os credores aprovem cláusulas que não condizem com as normas legais. Entretanto, apenas o juiz tem competência para convocar a assembleia, e tem o dever de investigar a existência de cláusulas que afrontem a legislação e observar se os requisitos formais foram cumpridos durante a assembleia. Além disso, tanto o juiz quanto o Ministério Público poderão participar das assembleias, mas sem intervir nas deliberações.

Função Social da Empresa e Recuperação Judicial

Esse princípio, presente no art. 47 da LRF, destina-se às empresas que estejam em situação de crise econômica, mas que têm a possibilidade de superação. Essa tentativa de superação prende-se ao valor social da empresa em funcionamento, que deve ser preservado não só pelo incremento da produção, como pela manutenção do emprego. A lei estabelece como prioridade a manutenção da fonte produtora, ou seja, a manutenção da atividade empresarial em sua plenitude, tanto quanto possível, podendo ter a possibilidade de manter os empregos dos trabalhadores. Assim, ao manter a sociedade empresária, sua atividade e o trabalho dos empregados, será possível satisfazer o interesse dos credores.

O Uso do Cram Down na Recuperação Judicial

De acordo com o artigo 58 da Lei 11.101/05: “Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.

§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa:

  1. o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes;
  2. a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
  3. na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.

§ 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.”.

Entretanto, no Brasil, a doutrina critica a forma como o *cram down* foi introduzido na legislação, por seu caráter legalista e fechado, sem margem para a apreciação das condições econômicas e financeiras do devedor e de eventual abuso pelo juiz, reduzindo-se a um quórum alternativo de aprovação do plano.

Nesse sentido, Sheila C. Neder Cerezetti aponta a necessidade de “redução do rigorismo e a adoção de mecanismos realmente capazes de conceder adequada proteção aos credores, sem permitir que empresas viáveis sejam levadas à falência devido à rigidez de regras que buscam ser protetivas, mas podem acabar prejudicando todos os envolvidos na crise empresarial”.

Eduardo Secchi Munhoz, por sua vez, propõe uma espécie de flexibilização dos requisitos para o *cram down*, a partir do reconhecimento da possibilidade de o juiz aprovar um plano de recuperação judicial rejeitado pela assembleia-geral de credores, desde que fosse assegurado:

  • que nenhum credor recebesse menos do que receberia na falência (*best-interest-of-creditors*), ou
  • que os credores que rejeitarem o plano recebessem tratamento semelhante e proporcional ao dispensado à maioria dos credores com crédito da mesma natureza (*unfair discrimination*).

Já no âmbito da jurisprudência, o próprio Superior Tribunal de Justiça e diversos Tribunais de Justiça, notadamente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, já promoveram a flexibilização dos critérios do *cram down* no caso concreto, notadamente quando um só credor detinha a maioria do crédito da empresa, quando determinada classe possuía somente um credor ou quando, por pouco, não se alcançou a maioria necessária.

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