Autoridades Reguladoras Independentes (ARI): Conceito e Poderes
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Capítulo 3: O Estado Regulador e as ARI
Razões da Existência das ARI
São várias as razões normalmente apontadas para a atribuição da atuação reguladora a autoridades relativamente independentes do Governo:
- A neutralização política;
- O grau elevado de especialização atingido em áreas diversas;
- A tutela dos consumidores, do ambiente e de outros interesses especiais.
Breve Percurso Histórico das ARI
Os Estados Unidos da América foram o berço das primeiras entidades independentes de regulação. O papel dominante socioeconómico americano é primordialmente assumido pelos indivíduos, pela sociedade e não pelas autoridades públicas, pelo Estado.
As ARI surgem como uma tentativa de o poder público controlar os excessos das corporations e, sobretudo, de limitar os efeitos perversos da concorrência selvagem. Na verdade, ao contrário do que sucede na Europa, as ARI americanas surgiram num contexto de desmantelamento das barreiras estatais ao livre funcionamento do mercado. Na génese das ARI americanas está a razão inversa: a necessidade de conter os efeitos nefastos derivados da livre concorrência.
O modelo das ARI expande-se por toda a Europa, embora de forma heterogénea, por influência da legislação comunitária, a qual prevê a instituição de entidades reguladoras nacionais independentes, determina as competências mínimas destas, conforma os seus procedimentos decisórios e impõe algumas formas de controlo da sua atuação.
Tipologia e Articulação das ARI
Podemos considerar a existência de dois tipos de Autoridades Administrativas Independentes (AAI):
- AAI vocacionadas para a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos: Caracterizam-se pelo pluralismo da sua composição (membros designados por diferentes órgãos) e a presidência é normalmente confiada a magistrados. São frequentes em áreas como o acesso a documentos administrativos e a proteção de dados pessoais informatizados.
- ARI dirigidas primacialmente à regulação dos mercados: São um fenómeno corrente nos domínios financeiro, económico e social.
No domínio financeiro, as autoridades reguladoras setoriais incluem o Banco de Portugal e o Instituto de Seguros de Portugal. Além das ARI setoriais, existem autoridades transversais com a missão de defesa da concorrência em todos os setores liberalizados, como, por exemplo, a Autoridade da Concorrência.
Poder-se-ia pensar ser de fácil resolução a questão da repartição de competências entre ARI setoriais e autoridades transversais da concorrência: às setoriais caberiam as denominadas tarefas técnicas de regulação, porquanto dispõem de conhecimentos específicos de ordem técnica sobre os respetivos mercados; às autoridades transversais incumbiriam as medidas relativas à concorrência.
Na prática, esta distinção não é suficiente e surgem problemas, pois cada uma tenta impor a sua autoridade. A possibilidade de conflitos de competências entre os reguladores setoriais e o regulador transversal deve ser ultrapassada através de uma leal colaboração recíproca, justificada pelo primordial objetivo comum de assegurar o funcionamento transparente, íntegro e eficiente de mercados livres e concorrenciais. Apesar de terem aparecido protocolos de regulação, nenhuma disposição normativa resolve todos os problemas que possam surgir.
Poderes das ARI
Para assegurar a regulação dos mercados, as ARI têm de ser dotadas de poderes adequados, os quais variam em função do setor e do país. Estes poderes podem ser:
Poderes Regulamentares
Em Portugal, são várias as ARI com poder de emissão de regulamentos aplicáveis a relações externas (ex: a entidade reguladora dos serviços energéticos). As ARI são órgãos administrativos e podem ter competência regulamentar.
Poderes de Supervisão
Além da criação de regras gerais e abstratas, as ARI também tomam decisões individuais e concretas no âmbito do seu papel de supervisão, especialmente de supervisão económica, do controlo da atuação dos operadores económicos e dos mecanismos dos mercados. Para cumprirem as tarefas de supervisão, as ARI são titulares de poderes de autorização, aprovação e registo, bem como de prerrogativas de inspeção e de investigação de elementos relevantes para aferir o funcionamento dos respetivos setores no quadro das regras definidas.
Poderes Sancionatórios e de Resolução de Litígios
Em caso de incumprimento do quadro regulatório, as ARI podem aplicar sanções, com o poder sancionatório a surgir como prolongamento natural das prerrogativas de supervisão e fiscalização. De entre os mecanismos sancionatórios à disposição das ARI, destacam-se as coimas, de cariz pecuniário, e as sanções acessórias (incluindo medidas como o encerramento de estabelecimento ou a revogação de autorização).
Reserva de Jurisdição: Impõe-se a questão de saber se os tribunais e os juízes têm o exclusivo do exercício de funções jurisdicionais. Na opinião do Dr. João da Silva, deve defender-se a inexistência de monopólio jurisdicional dos tribunais, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição. A reserva jurisdicional cumpre-se, via de regra, com a garantia de recurso para os tribunais, só excecionalmente se verifica uma reserva absoluta a favor destes. Neste sentido, a atribuição do poder de composição de litígios às ARI é constitucionalmente admissível, desde que garantido o recurso para os tribunais e não se invada o núcleo duro da função jurisdicional.
Independência e Legitimidade das ARI
O Governo exerce o poder de direção e outros poderes hierárquicos sobre a Administração Direta. Porque goza das prerrogativas inerentes ao princípio da hierarquia, o executivo responde perante o Parlamento pela atuação deste setor da Administração Estadual.
Em relação à Administração Indireta, o Governo dispõe de poderes de superintendência e de tutela, através dos quais orienta e fiscaliza a sua atuação. A lei fundamental confere ao Governo a tutela sobre a Administração Autónoma, justificando-se assim a responsabilidade política daquele pela atividade desta.
A Administração Independente caracteriza-se pela isenção de subordinação ao Governo, pelo que a responsabilização deste pela atuação da ARI não faz sentido. A independência é o traço fundamental da administração independente.
Na verdade, as entidades reguladoras primam pela imunidade em relação ao poder político, garantia da imparcialidade da sua ação administrativa. A independência das ARI é assegurada tanto organicamente como funcionalmente (não recebem ordens e instruções, não são sujeitas a qualquer poder hierárquico ou de tutela).
Os membros das ARI devem ser pessoas idóneas e de capacidade técnica reconhecida, sem interesses pessoais nas atividades reguladas que possam comprometer a sua imparcialidade e honorabilidade. Assim se compreende a necessidade de apertados regimes de incompatibilidades, que proíbem situações configuradoras de conflitos de interesses dos membros das ARI com os interesses regulados e obrigam ao cumprimento de um período de nojo após a cessação do mandato.