O Casamento: Conceito Jurídico, História e Sistemas

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1. Matrimónio e Direito

Poucas instituições jurídicas produzem tantos efeitos como o casamento. No início do estudo do matrimónio, é preciso abordar duas ideias erróneas:

  • Visão Panjurídica: A crença de que o casamento é apenas um vínculo legal, embora seja sustentado por sentimentos. Dizia-se que o casamento é uma ilha que o direito deve cultivar, mas não absorver.
  • Visão Pansociológica: A crença de que o casamento é apenas um fenómeno sociológico, ou seja, que o casamento não é o que a lei dita, mas o que os cônjuges querem que seja.

O casamento ocidental representa uma relação jurídica que cumpre determinados padrões. No século III, o jurista Modestino afirmou que o casamento é a união entre um homem e uma mulher para toda a vida, regulada por um conjunto de leis. As características deste casamento são:

  • Monogamia: Entre duas pessoas de sexos diferentes, embora no Oriente a poligamia seja permitida. Este modelo está em declínio devido à pressão do Ocidente.
  • Heterossexualidade: Característica que gera debate devido à pressão de grupos homossexuais.
  • Estabilidade: Não se pode casar a termo. Uma vez celebrado, o casamento na Igreja Católica torna-se um vínculo jurídico indissolúvel, com poucas exceções para a sua anulação.
  • Consensualidade: Ninguém pode casar-se contra a sua vontade. O casamento depende da livre escolha dos cônjuges e deve ser formalizado.
  • Finalidade: O objetivo é a procriação no âmbito de um vínculo familiar formalizado.

2. Os Constituintes do Casamento Ocidental

Existem basicamente dois constituintes:

A Conceção Cristã do Direito Canónico

O Direito Canónico foi moldado com base no Direito Romano, inclusive em matéria matrimonial. Nos séculos III e IV, o Direito Canónico modificou a conceção romana inicial do casamento. Para os romanos, o casamento era uma situação de facto, sustentada pela affectio maritalis. Quando o afeto desaparecia, o casamento terminava. Para o Direito Canónico, o casamento é um vínculo jurídico indestrutível, independente da vontade das partes. No Direito Canónico, há liberdade para contratar o matrimónio, mas não para o dissolver, ao contrário do Direito Romano.

O elemento cristão baseia-se na ideia de que o homem se unirá à mulher e ambos se tornarão uma só carne. As suas três fontes são:

  • A Patrística: Lançou as bases morais.
  • A Escolástica: Estabeleceu os fundamentos teológicos.
  • Os Decretos: Fixaram as bases legais.

A Secularização do Casamento

Este processo pode ser dividido em três etapas históricas:

  • Reforma Protestante: Lutero entregou o casamento ao Estado, considerando-o um ato civil. Surgiram as primeiras leis sobre o casamento civil, destacando-se a Lei de 1581 na Holanda e a de 1653 na Inglaterra, por Cromwell.
  • Iluminismo e Revolução Francesa: Houve um afastamento do sagrado. A constituição francesa definiu o casamento como um contrato civil. A estrutura manteve-se, mas a Igreja foi substituída pelo Tribunal, o padre pelo juiz e a Bíblia pelo Código Civil. O divórcio foi permitido.
  • Realismo: Corrente introduzida nos países católicos. Reconheceu-se que o casamento é um contrato natural e um sacramento que pode ser regulado pelo Estado, como é o caso de Espanha.

3. A Definição Legal do Casamento

Quando o casamento se consolidou, os juristas questionaram a sua natureza jurídica. Identificaram três fontes do direito: lex, contractus e delictus. Rejeitaram a lex por não haver uma lei geral e o delictus por o casamento não ser um crime, chegando à conclusão de que se tratava de um contrato.

Com o tempo, o contrato matrimonial começou a patrimonializar-se, focando-se mais nos bens do que nas obrigações pessoais, e a sua faceta indissolúvel foi reforçada. Assim, desenvolveu-se a ideia de que o casamento não era um mero contrato, mas uma instituição. A primeira conclusão é que o casamento é um negócio jurídico de direito da família.

Existem negócios jurídicos reais e consensuais. Os reais exigem a entrega da coisa. Grandes juristas divergiram sobre a que tipo pertencia o casamento. O Papa Alexandre III estabeleceu que o contrato era consensual, mas que, se o casamento não fosse consumado, poderia ser dissolvido pelo Papa.

Portanto, é um negócio jurídico consensual, mas a sua consumação acrescenta-lhe efeitos. Além disso, existem negócios jurídicos formais e informais. Durante muito tempo, até 1563, o casamento pôde ser informal. A partir dessa data, com a exigência da celebração perante um sacerdote e duas testemunhas, o casamento foi formalizado. Conclui-se que o casamento é um negócio jurídico formal e consensual.

4. Sistemas Matrimoniais

Corresponde à abordagem que cada Estado adota perante a diversidade de formas de casamento. De acordo com o seu aspeto constitutivo, os sistemas podem ser:

  • Sistemas Monistas: Admitem apenas uma forma de casamento. Podem ser de dois tipos:
    • Casamento Civil Obrigatório: Se um casamento religioso for celebrado antes do civil, pode haver uma sanção, e o ato religioso não tem o estatuto de casamento. Em França e na Bélgica, existem sanções penais. Noutros países, como Chile e Peru, não se dá tanta importância à ordem, mas o Estado não reconhece o casamento religioso.
    • Casamento Religioso Obrigatório: Ocorre em países como Israel ou o Vaticano, onde não existe casamento civil.
  • Sistemas Dualistas: Coexistem o casamento civil e o religioso, mas apenas uma forma de cerimónia religiosa é reconhecida. É o caso de Portugal e Costa Rica, que apenas reconhecem o casamento canónico.
  • Sistemas Pluralistas: O casamento pode ser civil ou religioso, com maior liberdade. Distinguem-se três tipos:
    • Modelo Anglo-Saxónico (Austrália, EUA, Inglaterra): Permite a escolha da forma do casamento, mas o Estado regula os requisitos de fundo (idade, impedimentos, etc.). Há liberdade de escolha da forma, mas não do conteúdo.
    • Modelo de Estatuto Pessoal (países árabes): A forma e o fundo do casamento são regulados pela lei da confissão religiosa a que os nubentes pertencem.
    • Modelo de Concordata (Espanha, Itália): O casamento canónico tem efeitos civis. Desde 1992, em Espanha, os casamentos judaicos, muçulmanos e protestantes também são reconhecidos. O controlo dos requisitos prévios para o casamento canónico é feito pela Igreja, enquanto para as outras religiões é feito pelo Estado.

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