Casos Difíceis e Discricionariedade Judicial
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Casos Difíceis e a Discricionariedade Judicial: Hart e Dworkin
Introdução
Um caso pode ser considerado difícil quando existe incerteza, estabelecida pela existência de diversas normas que conferem decisões diferentes e pela possibilidade de contradição dessas normas. Por outro lado, um caso é fácil quando basta a adoção da regra para a resolução do caso concreto. Assim, como tomar uma decisão judicial nos casos difíceis? Esse é o tema proposto e será respondido com as ideias de Hart e Dworkin, dois dos mais representativos juristas do Direito contemporâneo.
A Teoria dos Casos Difíceis e a Discricionariedade Judicial em Hart
Crítico de Kelsen, Hart procurou elaborar um conceito de Direito partindo da filosofia analítica. Mais do que definir o direito no sentido de uma regra, ele procurou analisar a estrutura do sistema jurídico, fazendo compreender as semelhanças e diferenças entre o direito, a coerção e a moral, enquanto tipos de fenômenos sociais. Sua proposta era descrever e analisar um sistema jurídico vigente na sociedade, distinguindo-o de outros sistemas normativos, como os morais.
Para compreender a complexidade de um sistema jurídico é preciso estabelecer a distinção entre regras primárias e secundárias (as secundárias corrigem as primárias, por isso são dependentes umas das outras).
- Primárias: impõem deveres positivos (ações) ou negativos (omissões) aos indivíduos. São as regras de comportamento, denominadas primárias de obrigação.
- Secundárias: conferem poderes ou regras que se referem a outras regras, sendo classificadas da seguinte forma:
Regras de alteração: são mecanismos que os legisladores possuem para introduzir novas regras primárias, eliminando as antigas (recepção e revogação de normas).
Regras de julgamento: atribuem poder de julgar se uma regra foi ou não violada.
Regra de reconhecimento: fornece solução para a incerteza na identificação do direito, estabelecendo a distinção de outros sistemas. É uma regra que separa as normas jurídicas das não jurídicas, ou seja, estabelece os limites do direito, excluindo o recurso aos elementos axiológicos.
Para Hart, a combinação das regras primárias de obrigação com as secundárias de reconhecimento, alteração e julgamento, está no centro de um sistema jurídico, mas não é o suficiente para compreendê-lo, pois existe outro problema envolvido na compreensão do direito, que seria o da interpretação das regras (discricionariedade judicial) e a sua aplicação ao caso concreto, o qual resultará na sua teoria dos casos fáceis e difíceis no Direito.
Um dos fatores que levam o direito a apresentar uma textura aberta são os limites da própria linguagem, sendo que é a partir deste ponto que o autor desenvolve a sua teoria da decisão judicial. É abrangente, pois o julgador (tribunal ou funcionários) é que deve determinar o equilíbrio entre as circunstâncias e os interesses conflitantes que variam, de caso para caso.
Portanto, diferente de Kelsen que propunha uma forma exata e pré-determinada de julgar seguindo a exatidão das regras, Hart deixa o campo interpretativo mais livre para a discricionariedade do julgador que vai avaliar qual regra será aplicada ao caso, utilizando de bom senso e equilíbrio.
Hart propôs uma analogia: toda expressão linguística (interpretação e julgamento) apresenta um núcleo (casos fáceis) e uma zona de penumbra (casos difíceis). No núcleo há clareza para se aplicar ao fato determinada norma (como as leis de trânsito, não há discricionariedade para elas, ou se cumpre ou se cumpre, sem segredos). Já nos casos da zona de penumbra, os difíceis, é preciso estudar a melhor interpretação para a tomada de uma decisão correta, é a discricionariedade conferida ao intérprete e aplicador do direito, é a liberdade que o julgador passa a ter para proferir a sua decisão.
No caso difícil cabe ao julgador discernir entre aplicar uma norma com segurança, uma sanção à determinada conduta; ou deixar em aberto para uma resolução ulterior, através de uma escolha oficial e informada em um determinado caso concreto (como determinados casos atuais envolvendo aborto, adoção de filhos por casais homossexuais, a união gay e etc).
Zona de penumbra = casos difíceis = complexidade nas decisões = imprecisão linguística = discricionariedade e interpretação do julgador = um grau muito amplo de subjetividade (crítica que Hart recebeu por sua teoria).
Quando um juiz decide os casos difíceis, utilizando elementos morais ou políticos, não está aplicando, mas sim criando um direito novo, o que leva a considerar que não existe uma única decisão correta para os casos difíceis. Cada um possui uma interpretação. Ao contrário de Hart, Ronald Dworkin admite uma única decisão para os casos a serem decididos pelo Direito, não várias decisões corretas para um mesmo caso, como propunha Hart.
A Teoria dos Casos Difíceis e a Discricionariedade Judicial em Dworkin
Para Dworkin, “Direito, moral, justiça e política estão intrinsecamente conectados. O Direito é um conceito interpretativo e possui uma prática argumentativa da qual dependem sua complexidade, função e consequências”.
Na diferenciação entre normas (regras) e princípios, entende-se as propostas de Dworkin: as regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada, ou ela é válida sendo aceita, ou não é válida sendo ignorada; já os princípios, ao contrário das regras, enunciam uma razão que conduz o argumento em uma certa direção, mas ainda assim necessitam de uma decisão particular. Os princípios não apresentam uma decisão concreta, podendo haver colisões e contradições entre princípios (neste caso prevalecerá o princípio que tem mais peso ou importância). As regras não possuem tal dimensão de peso ou importância, ou seja, se duas regras estão em conflito, uma delas não pode ser válida e deve ser abandonada ou reformulada.
A teoria de Hart do arbítrio judicial é criticada por Dworkin, ele baseia a sua ideia no caráter jurídico dos princípios e na sua concepção ou teoria do “Direito como integridade”. Para ele, os casos difíceis possuem uma resposta correta.
Críticas a Hart
A ideia de discricionariedade pressupõe que os juízes utilizam de um instrumento retórico para disfarçar suas decisões discricionárias, uma presunção que não faz sentido pois se deve discutir regras e princípios para o caso e não o grau de discricionariedade do juiz para o mesmo.
A teoria da discricionariedade judicial de Hart não pode ser justificada em um Estado democrático, uma vez que o exercício de poderes típicos do legislativo pelos juízes, os quais não são eleitos pelo voto, desvirtua o princípio democrático da soberania popular. A teoria de Hart dos casos difíceis ainda vai de encontro ao princípio da legalidade, pois quando não há normas claras nenhuma das partes envolvidas possui direito ou deveres até o estabelecimento sentencial do fato determinado pelo juiz.
Para Dworkin a discricionariedade judicial é aceita em caso de lacuna, quando se encerram os recursos e as fontes sociais do Direito forem insuficientes. Soluciona-se casos difíceis diferenciando princípios e regras, pois quando o juiz se depara com um caso difícil ele não possui discricionariedade absoluta para decidir, uma vez que está vinculado aos princípios. Então, sem regra a ser aplicada o juiz usa dos princípios (morais e positivados), reduzindo incertezas e a insegurança por usar de critérios objetivos.
O Direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal, distribuindo justiça a cada caso, aceitando o Direito como integridade que leva em conta os princípios, não necessitando da discricionariedade que restringe a convicções morais e políticas no juízo do julgamento.
Dworkin vê no modelo de decisão judicial baseado nos princípios o cumprimento do papel dos juízes no Estado Democrático de Direito, pois as sentenças não seriam mais retroativas, julgando e atribuindo um novo direito a uma situação pretérita onde este não existiria conforme um julgamento discricionário, porque os princípios que as fundamentam já fazem parte do Direito.