Cheque e Duplicata: Guia de Direito Cambiário
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Cheque (Lei nº 7.357/87)
O cheque é um título de modelo vinculado, fornecido pela instituição bancária mediante autorização.
A) Conceito
É uma ordem de pagamento à vista emitida contra um banco ou instituição financeira similar (sacado), com base em um contrato prévio de depósito ou concessão de crédito que o emitente (sacador) possui com o sacado.
B) Requisitos Essenciais
- Expressão "Cheque": A palavra "cheque" deve constar no texto do título.
- Ordem Incondicional de Pagar: A ordem de pagar uma quantia determinada, considerada à vista.
- Qualificação das Partes: Identificação do sacador, do sacado (banco) e do beneficiário. Exceção: Para valores abaixo de R$ 100,00, o nome do beneficiário pode ser omitido (cheque ao portador).
- Data de Emissão: Essencial para a contagem dos prazos de apresentação e prescrição.
- Local de Emissão: Define o foro competente para a execução e o prazo de apresentação. Se não preenchido, considera-se o domicílio do devedor (local da conta).
- Assinatura do Sacador: Requisito indispensável para a validade do cheque.
Observações:
- A data e o local de emissão são cruciais para o cálculo do prazo de apresentação e do lapso prescricional.
- Em caso de divergência entre o valor numérico e o valor por extenso, prevalece o valor escrito por extenso.
C) Circulação e Endosso
O cheque é, por natureza, um título "à ordem", permitindo sua circulação via endosso, o que submete o título aos princípios cambiais (literalidade, autonomia e cartularidade).
- À Ordem: Títulos que circulam por endosso, aplicando-se todos os princípios cambiais.
- Não à Ordem: Títulos cuja circulação por endosso é proibida. A transferência só é possível por meio de cessão civil de crédito. No cheque, pode-se riscar a expressão "ou à sua ordem" ou incluir a cláusula "não à ordem".
Limitação de Endossos (Art. 17, I, Lei 9.311/96)
A lei permitia um único endosso no cheque. Existem três correntes sobre a validade desta limitação:
- A limitação nunca foi válida por ser inconstitucional, desrespeitando a Convenção de Genebra.
- A limitação foi válida, mas perdeu a vigência com o fim da CPMF.
- A limitação continua válida, pois a lei não foi revogada. Na prática, a rede bancária geralmente não aceita cadeias de endossos.
D) Modalidades do Cheque
- Cheque Visado: Contém uma declaração do banco no verso, atestando a existência de fundos para o pagamento. Ao visar o cheque, o banco debita o valor da conta do cliente, vinculando-o ao pagamento. O valor fica reservado pelo prazo de apresentação (30 ou 60 dias).
- Cheque Administrativo (Bancário): O emitente é o próprio banco sacado. É emitido integralmente preenchido, inclusive com o nome do beneficiário.
- Cheque Cruzado: O pagamento em dinheiro é vedado, servindo apenas para depósito em conta. O cruzamento é feito com dois traços paralelos na frente (anverso) do cheque.
- Cruzamento em Branco: Apenas duas barras paralelas, sem menção a um banco específico. Pode ser depositado em qualquer banco.
- Cruzamento em Preto (Especial): O nome de um banco é mencionado entre as barras, e o depósito só pode ser feito nesse banco.
- Cheque para ser Creditado em Conta: Modalidade de cheque cruzado que especifica, entre as barras, o banco, a agência e a conta onde o valor deve ser depositado.
E) Prazo de Apresentação
- Mesma Praça: 30 dias. (Cidade de emissão é a mesma da agência bancária).
- Praça Diferente: 60 dias. (Cidade de emissão é diferente da agência bancária).
Finalidades do prazo de apresentação:
- Disciplina do Cheque Visado: O banco reserva o valor durante este período.
- Cálculo do Prazo Prescricional: A prescrição começa a contar após o término do prazo de apresentação.
- Preservação de Direitos Contra Coobrigados: A apresentação dentro do prazo garante o direito de cobrança contra endossantes e seus avalistas. A apresentação fora do prazo extingue esse direito.
F) Cheque Pós-datado (ou Pré-datado)
Embora seja uma ordem de pagamento à vista, o cheque pós-datado é um acordo entre as partes. A sua apresentação antes da data acordada não é ilegal, mas pode gerar responsabilidade civil.
| Direito Cambial | Direito Civil/Consumidor |
|---|---|
| Ignora o acordo de data. O cheque é uma ordem de pagamento à vista. | Reconhece o contrato entre as partes. A apresentação antecipada pode gerar dever de indenizar por perdas e danos. |
G) Motivos de Devolução (Alíneas)
- Alínea 11 (1ª apresentação sem fundos): O cheque é executável, pode ser protestado e reapresentado. Não gera restrição de crédito imediata.
- Alínea 12 (2ª apresentação sem fundos): O cheque é executável, pode ser protestado e cria restrição de crédito (inclusão no CCF). Não pode ser reapresentado.
- Alínea 21 (Sustado ou Revogado): O cheque é executável e protestável. Não cria restrição de crédito e não pode ser reapresentado, a menos que a sustação seja revogada.
H) Ação Cambial
É a ação judicial para cobrar o valor de um título de crédito. Para o cheque, existem duas modalidades:
- Ação de Execução de Título Extrajudicial: Processo mais célere. A defesa do devedor é feita por meio de embargos à execução, com matéria de defesa restrita (vícios formais, exceções pessoais).
- Ação de Enriquecimento Ilícito: Ação de conhecimento, mais lenta. A defesa é feita por contestação, mas a matéria também é restrita aos princípios cambiais.
I) Prescrição
- Ação de Execução: Prescreve em 6 meses, contados a partir do fim do prazo de apresentação (30 ou 60 dias).
- Ação de Enriquecimento Ilícito: Prescreve em 2 anos, contados a partir da prescrição da ação de execução.
Observação: O protesto do cheque, realizado dentro do prazo para a ação de execução, interrompe a prescrição.
Duplicata (Lei nº 5.474/68)
É um título de crédito causal, criado pelo direito brasileiro, e de modelo vinculado. Sua emissão está estritamente ligada a uma operação de compra e venda mercantil ou prestação de serviços.
1. Conceito
Título de crédito sui generis, pois é o único emitido pelo próprio credor (sacador). A emissão de duplicata sem causa subjacente é crime (Art. 172 do Código Penal).
2. Requisitos
- Denominação "Duplicata".
- Cláusula "à ordem".
- Data da emissão (deve ser a mesma da fatura).
- Número da duplicata (igual ao da nota fiscal/fatura).
- Data do vencimento.
- Nome e domicílio do vendedor (sacador/credor).
- Nome, domicílio e CNPJ/CPF do comprador (sacado/devedor).
- Valor a pagar, em algarismos e por extenso.
- Local do pagamento (praça de pagamento).
- Assinatura do sacador (credor).
- Local para o aceite do sacado.
3. Aceite
É a declaração de concordância do devedor com a dívida. Na duplicata, o aceite é obrigatório, mas pode ser recusado de forma motivada nas seguintes hipóteses:
- Avaria ou não recebimento da mercadoria.
- Vícios, defeitos ou diferença na qualidade ou quantidade.
- Divergência de preço ou prazo de pagamento.
4. Modalidades do Aceite
- Aceite Ordinário: Assinatura do sacado no campo específico da duplicata física. Torna desnecessário o protesto para executar o devedor principal.
- Aceite por Presunção: Ocorre quando o devedor assina o comprovante de recebimento das mercadorias, mas não devolve a duplicata assinada. Exige protesto para a execução tanto do devedor principal quanto dos coobrigados.
- Aceite por Comunicação: O devedor comunica o aceite por escrito (carta, e-mail, etc.). A disciplina jurídica é a mesma do aceite por presunção.
5. Protesto
Ato formal que comprova a inadimplência. Modalidades:
- Por falta de aceite: Para suprir a ausência do aceite formal.
- Por falta de devolução: Quando o devedor retém a duplicata. O protesto é feito com base na triplicata.
- Por falta de pagamento: Realizado após o vencimento para registrar a inadimplência. Deve ser feito em até 30 dias do vencimento para garantir o direito de regresso contra coobrigados.
6. Ação Cambial
É a ação de execução de título extrajudicial. A defesa é restrita a aspectos formais e exceções pessoais entre as partes. A documentação necessária varia conforme o tipo de aceite.
7. Prescrição
- Contra o devedor principal e seu avalista: 3 anos, a contar do vencimento.
- Contra coobrigados (endossantes e seus avalistas): 1 ano, a contar do protesto.
- Ação de regresso de um coobrigado contra outro: 1 ano, a contar do pagamento do título.
Títulos de Crédito Impróprios
1. Conceito
Instrumentos jurídicos que se sujeitam apenas parcialmente ao regime jurídico cambial, não se aplicando a totalidade de seus princípios e normas.
2. Categorias
- Títulos de Legitimação: Asseguram ao portador a prestação de um serviço ou o acesso a um prêmio (ex: bilhete de loteria, vale-transporte).
- Títulos de Investimento: Destinam-se à captação de recursos pelo emitente (ex: LCI, cédula hipotecária).
- Títulos Representativos: Representam a titularidade de mercadorias custodiadas por terceiros (ex: conhecimento de depósito e warrant).
3. Cédula de Crédito Bancário (CCB) - Lei nº 10.931/04
É uma promessa de pagamento em dinheiro, emitida em favor de instituição financeira, representativa de uma operação de crédito. É um título executivo extrajudicial, mesmo que ilíquido, e só pode ser emitido por bancos.
4. Títulos de Crédito Atípicos
São títulos criados pelas partes, sem previsão legal específica. A doutrina majoritária entende que não é possível a criação de títulos de crédito atípicos no Brasil, pois eles devem ser criados por lei. As normas do Código Civil (Arts. 887 a 926) se aplicam de forma subsidiária aos títulos de crédito criados por lei que apresentem lacunas.