Ciências Penais: Conceitos, Ramos e Perspectivas Atuais
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Ciências Penais Normativas: Introdução
As Ciências Penais Normativas são ramos do Direito que definem os delitos e suas consequências jurídicas, disciplinam a relação entre o poder punitivo estatal e a liberdade individual, e regulam o processo e as formas de proceder para apurar a responsabilidade penal e executar as penas.
- Método de Conhecimento: Técnico-jurídico
- Predominância: Relações de atributividade
- Foco: Mundo do “dever ser”
Possuem natureza dogmática, sendo constituídas por normas vigentes que devem ser cumpridas, ainda que se pretenda questionar a justiça ou afirmar a injustiça do seu conteúdo e das consequências de sua aplicação. O método mais adequado para o seu estudo é o técnico-jurídico, que se desenvolve, basicamente, por meio da interpretação do significado da lei.
Ramos das Ciências Penais Normativas
- Direito Penal: Define crimes e sanções penais, além de outras regras relacionadas à aplicação da lei penal, das penas e medidas de segurança.
- Direito Processual Penal: Disciplina a persecução penal, a investigação, a ação para promover a responsabilização penal, as prisões processuais, entre outras regras.
- Direito de Execução Penal: Disciplina a execução das penas e das medidas de segurança, mediante processo judicial, visando à repressão, prevenção e recuperação do sentenciado.
Institutos Fundamentais do Direito Penal
Os institutos fundamentais do Direito Penal podem ser considerados como:
- A conduta
- O crime (fato típico e ilícito)
- A culpabilidade do sujeito
- A possibilidade jurídica de impor a sanção penal ou punibilidade
- A pena
Conceitos Essenciais
- A conduta pode ser entendida como o comportamento humano positivo ou negativo (ação ou omissão), consciente e voluntário. Não pode haver crime, nem pena, sem conduta humana dotada de significado ou relevância jurídica. A conduta humana é uma parte integrante do crime.
- O fato típico pode ser compreendido provisoriamente como o comportamento humano previsto na lei como crime.
- A ilicitude penal é a relação de antagonismo entre o fato típico e a ordem jurídica, de modo a causar lesão ou ameaça de lesão a um bem jurídico protegido pela lei.
- A culpabilidade é vista atualmente como a reprovação ou censura imposta ao sujeito que pratica injusto penal, sendo este sujeito penalmente capaz e devendo-se dele exigir comportamento conforme o direito.
- A punibilidade consiste na possibilidade jurídica de impor sanção penal ao sujeito que praticou o fato típico, ilícito e culpável.
Ciências Penais Não Normativas
As Ciências Penais Não Normativas, por sua vez, incluem a Criminologia e certos conteúdos das ciências médicas e biológicas, da psicologia, da sociologia, além de técnicas, como a Criminalística. Enquanto as ciências normativas ocupam-se essencialmente de estudar o mundo do “dever ser”, as ciências empíricas estudam o mundo do “ser”.
- Método de Conhecimento: Empírico ou científico
- Predominância: Relações causa-efeito ou de causalidade
- Foco: Mundo do “ser”
- Exemplos: Criminologia, Medicina Legal, Psicologia Judicial, Sociologia Judicial, Criminalística
Conceitos Processuais Penais Fundamentais
Nesta seção, abordamos conceitos essenciais do processo penal:
- O direito de ação pode ser visto como o direito de se obter do Estado uma decisão judicial em matéria penal. Isso inclui a definição de quem pode invocar este direito, o exame dos elementos da ação e das condições para o seu exercício, e a classificação das ações penais (meramente declaratórias, constitutivas, condenatórias, executivas e cautelares), entre outros aspectos.
- O processo é visto como relação jurídica autônoma entre juiz, autor e réu (relação processual) e como procedimento (sucessão de atos processuais) em contraditório. Incluem-se também os pressupostos processuais, necessários para o surgimento e o desenvolvimento válido da relação processual (a correta propositura da ação, feita por quem possa ser parte em juízo, perante um órgão judicial).
- A jurisdição é compreendida como atividade do juiz (atos praticados pelo juiz no processo), como função do Estado (tarefa incumbida ao Estado de decidir os conflitos sociais) e como poder (expressão da soberania interna do Estado de decidir com autoridade e impor pela força suas decisões). Enquanto expressão do Poder Estatal, a jurisdição não pode se afastar de seus objetivos políticos, os quais podem variar em função do contexto histórico e social.
- O direito de defesa é indeclinável. A liberdade individual deve opor resistência à pretensão punitiva do Estado, valendo-se do direito ao devido processo, a uma defesa técnica, à produção de todas as provas permitidas, à comunicação de todos os atos do processo, ao direito de apresentar argumentação, de recorrer das decisões, do direito de autodefesa (ser interrogado pelo juiz para apresentar sua versão e indicar provas da sua inocência), e o de não ser acusado indevidamente.
Criminologia: Ciência Empírica e Interdisciplinar
Dentre as ciências penais não normativas, desponta a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar. Ela estuda o delito e seus fatores, o delinquente e sua conduta delituosa ou desviada, e a maneira de ressocializá-lo. Também estuda a vítima, sua posição na dinâmica do delito, as formas de vitimização (desde a própria lesão causada pelo crime, passando pela maneira como a vítima é assistida e tratada institucionalmente pelo Estado e pelo corpo social – vitimologia). Ainda, estuda o controle social do delito e sua efetividade na resposta ao problema da criminalidade.
Aspectos da Criminologia
- Estuda o delito e os fatores de criminalidade, o delinquente e sua conduta delituosa.
- Também estuda a vítima e o controle social.
- É uma ciência não-dogmática, interdisciplinar e empírica.
- Estuda o problema do crime nos planos social e individual.
Correntes da Criminologia
- Criminologia Positivista: Legitimava qualquer ordem social, culpando o indivíduo.
- Criminologia Crítica: Questiona toda ordem social, culpando a sociedade.
Ramos da Criminologia
- Biologia Criminal: Estuda os fatores endógenos do crime.
- Antropologia Criminal
- Psicologia Criminal
- Endocrinologia Criminal
- Sociologia Criminal: Estuda os fatores exógenos do delito.
Outras Ciências Penais Não Normativas
- A Criminalística: É um conjunto de técnicas para a investigação criminal de casos concretos, que utiliza conhecimentos das mais variadas áreas para descobrir a verdade a respeito da existência e das circunstâncias do fato criminoso, bem como de sua autoria.
- A Medicina Legal: É um campo relacionado às ciências médicas de importante aplicação na área penal. Estuda as energias e instrumentos vulnerantes, as lesões no corpo, os processos e causas da morte, aspectos médico-legais da conjunção carnal, da violência, da gravidez, do parto, do aborto, do nascimento com vida, do puerpério, os desvios do comportamento sexual, a morfologia genital e a intersexualidade, a identificação das pessoas por meio do sangue, impressões digitais e outros meios, e as psicopatologias com interesse para a aplicação da lei penal.
- A Psicologia Judicial: Estuda os aspectos psicológicos do testemunho, o testemunho infantil, a mentira nos tribunais, os processos mentais de captação, retenção (memória) e reprodução dos fatos, o papel da emoção nos sujeitos processuais e a psicologia do acusado. Para alguns autores, não se trata de ciência autônoma, mas de uma aplicação particular da psicologia.
Dimensões do Fenômeno Jurídico
As Ciências Penais ligam-se à Filosofia, História e Política. O fenômeno jurídico pode ser considerado sob três aspectos ou dimensões:
Dimensão | Foco Analítico (Objeto de Estudo) | Plano de Problemas ou Questões |
---|---|---|
O Fato | Sociologia Jurídica | Problema da eficácia do Direito |
A Norma | Ciência do Direito | Problema da vigência da norma |
O Valor | Filosofia do Direito | Problema dos fundamentos do Direito |
Componentes do Delito
- Parte Objetiva:
- Ação: Movimento corporal voluntário (causa) que produz alteração no mundo (resultado)
- Tipicidade
- Antijuridicidade
- Parte Subjetiva (Culpabilidade):
- Imputabilidade
- Dolo ou culpa
Conceito Causalista de Delito (Séc. XIX)
O conceito causalista de delito, influenciado pelo positivismo do século XIX, apresentava duas principais críticas:
- Julgava erroneamente que o conhecimento da realidade “pré-jurídica” era o bastante para resolver os problemas da realidade jurídica.
- Seu formalismo, para quem bastava fazer uma operação intelectual de enquadrar o fato natural em uma norma jurídica, extraindo a consequência ou sanção prevista na lei, para que já se estivesse fazendo a “melhor justiça”.
Humanização e Racionalização do Direito Penal
Esta humanização e racionalização podem ser observadas, ao longo da história, em diversos pontos:
- No controle da violência pela limitação e, posteriormente, pela proibição da vingança.
- Na progressiva separação entre o Direito e a Religião.
- Na substituição da justiça privada pela justiça pública.
- Na restrição (ou abandono) de penas atrozes, perpétuas, penas corporais, como a pena de morte e as mutilações.
- No reconhecimento de garantias do indivíduo em face do poder punitivo estatal, tais como a presunção de inocência, a ampla defesa, o devido processo, e a preservação da integridade física e moral dos presos, entre outros.
Linhas Evolutivas do Direito Penal
Observam-se três principais linhas evolutivas no Direito Penal:
- O surgimento, ao lado do Direito Penal, de um direito punitivo não penal, um direito de intervenção, menos garantista, mas também menos severo e não estigmatizante como o penal.
- O surgimento de um Direito Penal de duas velocidades, um direito “de duas caras”: uma, garantista, fundada na pena de prisão; e outra, menos garantista, porém sem pena de prisão.
- O surgimento de um Direito Penal de terceira velocidade, que prega a máxima intervenção do Direito Penal, inclusive com o recrudescimento da pena de prisão, e a supressão ou redução das garantias individuais, para os inimigos do Estado (direito penal do inimigo). E, do outro lado, a manutenção de um direito penal garantista e mínimo para os cidadãos, nos moldes da ideologia iluminista (GOMES, 2007, 240).
Aplicações Práticas das Ciências Penais
Momento Explicativo – Criminologia
Para reconhecer a função da Criminologia, podemos estudar a chamada violência de gênero, que tem como substrato social a discriminação contra as mulheres e, especialmente, a violência doméstica.
Momento Decisório – Política Criminal
A principal inovação da Lei Maria da Penha foi a escolha de uma política criminal especialmente dirigida à exclusiva proteção da mulher, o chamado sexo fraco, em contraposição ao sexo forte. A Lei Maria da Penha traz consigo várias medidas que se destinam à prevenção da violência doméstica e de gênero.
Momento Instrumental – Direito Penal
A Lei Maria da Penha majorou a pena do parágrafo 9º do art. 129 do Código Penal, que estabelecia detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano (parágrafo acrescentado pela Lei 10.886/2004). Com a majoração trazida pela nova lei, a pena passou a ser de detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos, retirando a característica de infração de menor potencial ofensivo, conforme art. 61 da Lei dos Juizados Especiais, que possibilitava a aplicação de benefícios da Lei 9.099/95 nas lesões corporais no âmbito da violência doméstica.
Conceitos de Intervenção Penal
- Criminalização:
- Identifica-se (em geral) com os movimentos intervencionistas (como a Law and Order) e os modelos autoritários. Significa elevar à categoria de ilícitos penais fatos até então desconhecidos do direito, ou considerados apenas ilícitos civis ou administrativos, ou antissociais, mas que vinham sendo tolerados.
- Descriminalização:
- Identifica-se (em geral) com os movimentos não intervencionistas (como o direito penal mínimo) e os modelos liberais. Significa retirar o caráter criminoso de certos fatos, mas ainda mantê-los como infrações penais (contravenções penais), ou mesmo deixar de reconhecer o fato como ilícito penal, continuando como ilícito em outros setores do ordenamento, ou ainda, tornar lícitos (permitidos) certos fatos criminosos.
- Penalização:
- Identifica-se (em geral) com os movimentos intervencionistas (como a Law and Order) e os modelos autoritários. Significa valorizar a pena como resposta ao comportamento antissocial ou já definido como ilícito, utilizando a via legislativa. Todavia, no plano doutrinário e judiciário, é possível observar uma penalização de fato como resultado da atividade interpretativa da lei por parte da doutrina e jurisprudência.
- Despenalização:
- Identifica-se (em geral) com os movimentos não intervencionistas (como o direito penal mínimo) e os modelos liberais. Significa utilizar medidas que visam a restringir ou impor condições à aplicação da pena, ou que permitam a substituição da prisão por penas patrimoniais ou restritivas de direitos, ou mesmo que impeçam a execução da pena de prisão. Tudo isso, sem excluir o caráter criminoso do fato.