Cláusulas Especiais em Contratos de Compra e Venda

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Estas cláusulas modificam o contrato de compra e venda e são opcionais, podendo ou não estar presentes nos contratos, a critério das partes.

a) Retrovenda

Cláusula pela qual o vendedor, em acordo com o comprador, fica com o direito de, em até três anos, recomprar o imóvel vendido, devolvendo o preço e todas as despesas feitas pelo comprador (art. 505 do Código Civil). Não se aplica a bens móveis, apenas a imóveis. Imagine que uma pessoa em dificuldades financeiras precise vender uma casa que foi de seus antepassados; ela usa então a retrovenda para ter uma chance de, em três anos, readquirir a casa pela qual tem estima. É uma cláusula rara por ser onerosa para o vendedor, mas útil para quem está em dificuldade transitória. É também conhecida pela doutrina como pacto de resgate ou de retrato.

A retrovenda é de iniciativa do vendedor e torna inexistente a venda originária, reconduzindo os contratantes à situação anterior ao contrato. Não será necessário novo contrato de compra e venda, nem novo pagamento de imposto de transmissão se o vendedor exercer seu poder. O comprador se torna dono da coisa, mas sua propriedade não é plena, e sim resolúvel, ou seja, pode ser resolvida (extinta) se o vendedor exercer a opção. É direito potestativo do vendedor exercer a retrovenda, de modo que o comprador não pode se opor (art. 506 do Código Civil).

A cláusula de retrovenda é registrada no Cartório de Registro de Imóveis, tornando-se pública e válida contra terceiros. Assim, se um terceiro adquirir tal imóvel, fica sujeito também à retrovenda (art. 507 do Código Civil – é fundamental verificar o registro no Cartório de Imóveis antes de comprar um imóvel). A retrovenda extingue-se pelo seu exercício, pela decadência do prazo de três anos, pela destruição do imóvel (ex: incêndio, desmoronamento) ou pela renúncia do vendedor a esta cláusula.

b) Venda a Contento

Esta cláusula, caso inserida pelas partes, permite desfazer o contrato se o comprador não gostar da coisa adquirida (ex: venda de um carro com prazo de alguns dias para o comprador experimentar o veículo; outro exemplo, comum no Direito do Consumidor: lojas que vendem produtos pelos Correios também costumam dar prazo para o comprador provar o bem). O comprador não precisa apresentar motivos caso não queira ficar com o bem, sendo direito potestativo do comprador exercer esta cláusula, e o vendedor não pode discutir ou impugnar essa manifestação. Direito potestativo é aquele exercido sem oposição da outra parte, como o direito do empregador de demitir o empregado.

A venda a contento possui duas espécies:

  1. Suspensiva: Nesta modalidade, o comprador não paga o preço e adquire a coisa por empréstimo. Se gostar, paga o preço e adquire a coisa; se não gostar, devolve sem dar explicações (art. 510 do Código Civil). Como a coisa pertence ao vendedor, se ela perecer enquanto o comprador a experimenta, o prejuízo será do vendedor (princípio res perit domino – a coisa perece para o dono). O art. 509 do Código Civil trata da venda ad gustum (degustação), aplicável a gêneros alimentícios. Tanto na venda a contento do art. 509 quanto na venda sujeita a prova do art. 510, o comprador figura como comodatário (empréstimo, art. 511 do Código Civil).
  2. Resolutiva: Nesta segunda espécie, o comprador paga o preço e adquire a coisa como dono. Se não gostar, devolve a coisa, desfaz a compra e exige o dinheiro de volta. Caso a coisa venha a perecer durante a prova, o prejuízo aqui será do comprador. Se as partes não estipularem prazo para a prova do bem, o vendedor deverá intimar o comprador para se manifestar (art. 512 do Código Civil).

c) Preempção ou Preferência

Cláusula que obriga o comprador de coisa móvel ou imóvel a oferecê-la ao vendedor caso resolva aliená-la a um terceiro, a fim de que o vendedor exerça seu direito de preferência. Na preempção, o adquirente concorda que, caso receba uma oferta de terceiro, dará preferência ao vendedor para que a coisa retorne ao seu patrimônio (art. 513 do Código Civil).

Exigem-se duas condições: que o comprador queira vender (art. 514 do Código Civil) e que o vendedor (ex-dono) pague o mesmo preço oferecido pelo terceiro, e não o preço pelo qual vendeu (art. 515 do Código Civil).

Conforme o parágrafo único do art. 513 c/c art. 516 do Código Civil, tratando-se de imóvel, se o comprador quiser vender a um terceiro em até dois anos após a compra, o vendedor terá sessenta dias para se manifestar. É um direito personalíssimo (art. 520 do Código Civil).

A preferência possui duas espécies:

  • Convencional: Depende de contrato ou acordo de vontades; é a preferência que nos interessa aqui.
  • Legal: Interessa ao Direito Público. Por exemplo, quando o Estado desapropria uma casa para construir uma rua e depois desiste da obra, cabe preferência ao ex-dono para readquirir o imóvel (art. 519 do Código Civil – conhecida como retrocessão no Direito Administrativo, sendo uma cláusula implícita em toda desapropriação).

Na preferência, não cabe ação real (na retrocessão, sim). Portanto, se o comprador vende a um terceiro sem oferecer ao vendedor, este não poderá recuperar a coisa do terceiro, podendo apenas exigir uma indenização do comprador que não respeitou a cláusula da preempção (art. 518 do Código Civil).

A preferência difere da retrovenda por cinco motivos:

  1. A preferência não precisa de registro em Cartório de Registro de Imóveis nem constar na escritura pública.
  2. Na preferência, a iniciativa de vender é do comprador, enquanto na retrovenda, o vendedor tem a iniciativa e a faculdade de recomprar.
  3. A retrovenda só se aplica a imóveis, com efeito real (art. 507, in fine, do Código Civil), enquanto a preferência se aplica a móveis e imóveis, sem efeito real (art. 518 do Código Civil).
  4. Na retrovenda, extingue-se uma venda; na preferência, celebra-se um novo contrato.
  5. O direito à retrovenda transmite-se aos herdeiros (art. 507 do Código Civil), mas o direito à preferência não (art. 520 do Código Civil).

d) Venda com Reserva de Domínio (VRD)

Aplicável na venda a prazo de bens móveis individualizáveis e duráveis (ex: carros, geladeiras, máquinas, art. 523 do Código Civil). O leasing e a alienação fiduciária em garantia (AFG), assunto de Direito Civil V, também têm aplicação similar, sendo a AFG a preferida do mercado por ser mais segura para o vendedor.

A venda com reserva de domínio (VRD) é a cláusula pela qual o comprador assume a posse da coisa, mas só se torna seu proprietário após pagar o preço integral (art. 521 do Código Civil). Não se aplica a imóveis, apenas a móveis comprados a prazo. Para imóveis comprados a prazo, existe o direito do promitente comprador (art. 1417 do Código Civil), tema de Direito Civil V.

Embora os conceitos de posse e propriedade sejam estudados em detalhes posteriormente, pode-se entender que, na VRD, o comprador ocupa a coisa, mas só se torna seu dono ao quitar todas as prestações. Normalmente, a simples tradição (entrega) já transmite a propriedade, mas na VRD, além da tradição, o vendedor exige o pagamento integral do preço.

Como o comprador não é dono da coisa, caso as prestações não sejam pagas, o vendedor poderá, judicialmente, recuperar a coisa que é sua, em vez de exigir apenas perdas e danos por descumprimento do contrato (arts. 389 e 526 do Código Civil). O comprador não pode atrasar o pagamento das prestações, mas pode antecipá-las (art. 133 do Código Civil).

A coisa precisa ser individualizada, com caracterização detalhada (ex: cor, modelo, ano, placa, número do chassi, número do motor, etc.) para permitir a apreensão judicial. A VRD não é um contrato preliminar, mas sim um contrato definitivo com cláusula de reserva de domínio. Sem cláusula expressa, não há VRD, tratando-se de simples venda a prazo, na qual o comprador se torna dono pela tradição, e o não pagamento das prestações resolve-se em perdas e danos (art. 522 do Código Civil).

Para o vendedor, a VRD é mais segura que a venda simples, pois a coisa serve como garantia. Contudo, se a coisa for retomada pelo vendedor, ele não poderá ficar com ela; deverá vendê-la para cobrir seu prejuízo e devolver o excedente ao comprador (arts. 527 e 1364 do Código Civil).

Como a coisa pertence ao vendedor até o pagamento de todas as prestações, o prejuízo por sua destruição (furto, acidente) deveria ser do vendedor (res perit domino – a coisa perece para o dono). Porém, na VRD, há uma exceção: res perit emptoris (a coisa perece para o comprador, art. 524 do Código Civil). Isso ocorre porque o vendedor-proprietário não tem controle sobre o uso da coisa, e se o prejuízo fosse seu, poderia ensejar fraudes.

A VRD exige forma escrita (não pode ser verbal), mas dispensa escritura pública, bastando instrumento particular (art. 522 do Código Civil). O registro mencionado no art. 522 não é o imobiliário (pois a VRD só se aplica a móveis), mas o registro no Cartório de Títulos e Documentos, embora a jurisprudência o dispense em alguns casos.

Se a coisa for vendida pelo comprador a terceiros, a venda deve ser desfeita, pois o comprador ainda não é dono e não pode vender o que não é seu. Contudo, se o terceiro estava de boa-fé e desconhecia a cláusula de reserva de domínio, a venda pode prevalecer (parte final do art. 523 do Código Civil). O legislador optou pela segurança jurídica do terceiro em detrimento do direito de propriedade do vendedor, um ponto para reflexão.

e) Venda sobre Documentos

Esta cláusula interessa ao comércio exterior e será estudada em Direito Empresarial/Comercial.

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