Conceitos de Justiça: Uma Jornada Filosófica e Jurídica

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Aristóteles: Função da Política e Virtudes

Função da política: criar leis para influir nas atividades para que os homens se tornem bons.

Virtudes: atividades para que os homens se tornem bons.

As virtudes estão na moderação e conduzem ao bem; a prática dos vícios conduz ao mal. A justiça é uma virtude. A virtude “é um estado mediano entre dois vícios”. Para Aristóteles, a justiça é considerada a forma mais elevada de virtude, perfeita, pois não é individual, é para os outros. A justiça se aproxima da ideia de igualdade (vide tabela abaixo).

Significados da Justiça em Aristóteles

Justiça Geral, Universal, Política ou Legal

É capaz de dirigir o homem ao bem comum. Portanto, o direito nasce a serviço da virtude.

Justo: algo correto e conforme a lei. Injusto: ilegal e iníquo (perverso).

Pessoas injustas:

  • São ambiciosas;
  • Desejam aquilo que não lhes é devido;
  • Descumprem a lei. “Todos os atos conformes à lei são justos em certo sentido”, pois as leis prescrevem o agir virtuoso.

Para Aristóteles, a justiça é identificada com a lei que tem por objetivo a felicidade da polis.

Justiça Particular: Distributiva e Comutativa

  • A justiça particular pode ser na forma distributiva ou comutativa:

Distributiva: é a distribuição proporcional dos bens comuns (tratar os iguais como iguais e os diferentes na medida de sua diferença). O mérito era a base da aferição da diferença.

Comutativa (corretiva): Refere-se à reparação equivalente ao dano sofrido ou uma prestação compatível com o bem adquirido.

  • Crime/dano: não pode ser punido de forma muito branda ou excessiva.
  • Preço: não pode ser pago em excesso ou defasadamente.

Justiça e Equidade

Julgar (ofício do juiz) é restabelecer a igualdade. O texto legal tem limitações; portanto, é preciso equidade (correção da lei no concreto): “Equidade, embora seja uma forma de justiça (virtude), não é a justiça segundo a lei, mas um corretivo desta”.

Ruptura com a Tradição Clássica da Justiça

Ruptura com Jusnaturalismo e Juspositivismo

Thomas Hobbes (Séc. XVII): Estado e Justiça

Modelo de explicação contratualista do Estado no qual o principal pressuposto é o estado de guerra de todos contra todos. Apenas um terceiro (o Estado) poderá definir o que é justo ou injusto e obrigar o cumprimento dos pactos (por meio da lei). A instituição do Estado é condição necessária para a existência da justiça.

Immanuel Kant (Séc. XVIII): Direito e Liberdade

O direito pretende limitar a liberdade pessoal irrestrita de cada indivíduo.

  • Liberdade como coexistência: limitação recíproca da vontade de cada um (o limite é a esfera individual do outro).
  • Liberdade como autonomia: é livre apenas quem é capaz de tornar-se, por meio da boa vontade, fonte das suas próprias leis.

O fim último do direito e do Estado (enquanto instituição produtora do direito) é a garantia da liberdade.

Nem sempre a razão impera (por vezes, o indivíduo pratica ações ilegais e/ou imorais). Surge a necessidade de que o direito impeça tal ação, com o uso da coerção.

Assim, para Kant, o princípio fundador do direito é aquele que traz a possibilidade do uso de uma coerção externa que possa coexistir com a liberdade de cada um de acordo com uma lei universal.

Stuart Mill (Séc. XIX): Utilitarismo e Justiça

Utilitarismo: Maximização do Prazer e Bem-Estar

O homem é um maximizador do prazer e um minimizador do sofrimento. O bem-estar pode ser calculado para qualquer homem subtraindo-se o montante de seu sofrimento do valor do seu prazer. É possível chegar-se a um cálculo da felicidade da sociedade. O bom governo será aquele capaz de garantir o maior volume de felicidade líquida para o maior número de cidadãos. A “justiça”, expressa tão somente por meio da lei, tem como função, para o utilitarismo, promover o maior bem-estar geral possível.

Hans Kelsen (Séc. XX): Justiça e Ciência Jurídica

A justiça é uma virtude dos indivíduos e, como toda virtude, é uma qualidade moral. A justiça estaria inserida nas preocupações da ética e não na ciência jurídica.

  • Construções metafísicas – têm por característica a defesa de uma origem mística dos preceitos a respeito do justo.
  • Idealizações racionais – afirmam que é possível ao homem determinar o que seria “o” justo como valor por intermédio da razão.

Teriam como pressuposto a existência de valores absolutos. Não acreditava que existiria uma realidade independente do conhecimento humano. A realidade somente existe no interior do conhecimento humano e é relativa ao sujeito cognoscente.

Formulações sobre a justiça são apenas retórica.

A suposta injustiça ou justiça de uma norma não desqualifica o caráter jurídico das disposições do direito.

O direito (diferente da moral) é um sistema prescritivo da conduta humana dotado de coerção (é, portanto, uma técnica social específica).

Positivismo e Não Positivismo Jurídico

Gustav Radbruch: Racionalismo e Ideia de Direito

São três os principais pressupostos da teoria de Radbruch:

  • Racionalismo: por meio da razão o homem pode conhecer o mundo;
  • A ideia de direito é constituída por três elementos:

A Ideia de Justiça em Radbruch

O direito é constituído pela ideia de justiça distributiva (tratar os iguais como iguais e os diferentes na medida de sua diferença).

Crítica ao Direito Natural

Nem a ciência nem mesmo a razão conseguem identificar com clareza o justo. Logo, não existe outro direito, senão o direito positivo.

A Positividade do Direito

Ao Estado, em relação ao direito, cabe apenas garantir uma ordem acima da diversidade de opiniões. Essa ordem exige a positividade do direito. Portanto, a preocupação primordial do direito é a segurança jurídica.

Justiça Versus Segurança Jurídica

Qualquer que seja a injustiça do conteúdo, o juiz é obrigado a considerar válido e obrigatório todo direito estabelecido, devido à inviolabilidade da segurança jurídica.

Gustav Radbruch (Pós-Guerra): Revisão do Positivismo

Logo, se o Estado tem o poder de legislar, tem a obrigação de respeitar determinadas liberdades dos sujeitos de direito, de maneira que o direito positivo reclama um Estado de direito, divisão de poderes e democracia. Em plena ascensão do nazismo, o autor afirma a necessidade de respeito aos direitos humanos e professa ideais socialistas.

No Pós-Guerra, Radbruch viu-se frente a problemas provocados pelo princípio "lei é lei" (expressão do positivismo). Conclui: a "segurança jurídica não é o único e decisivo valor que deva realizar o direito", de maneira que o positivismo não pode, sozinho, fundamentar a validade das leis. Todavia, sustenta que, para evitar anarquia, no conflito entre segurança jurídica e justiça, deve haver primazia do direito positivo (mesmo que injusto).

Robert Alexy: Direito, Moral e Pretensão à Correção

“Se uma constituição é efetivamente estabelecida e socialmente eficaz, ordena-se juridicamente o comportamento em conformidade com essa constituição, tal como condiz com a pretensão à correção, se e na medida em que as normas dessa constituição não forem extremamente injustas” (Alexy).

Sua teoria "depende da tese de que o direito promove, necessariamente, uma pretensão à correção”.

O direito possui necessariamente uma conexão com a moral.

Por meio da argumentação é possível que as pessoas cheguem a um consenso sobre o que é a moral correta (ou sobre o conceito de justiça). Logo, liberdade e igualdade são constitutivas da argumentação.

Eugenio Bulygin: Críticas à Teoria de Alexy

Algumas críticas de Bulygin a Alexy:

  • Na promulgação de uma norma sem o elemento da correção (pretensão de justiça) há apenas uma falha política.
  • Alexy entra em contradição ao afirmar que a relação entre direito e moral é necessária ao mesmo tempo em que afirma que normas jurídicas injustas são direito.
  • Não há garantia, mesmo com a observância da teoria da argumentação, que todos entendam a mesma coisa por justiça.

Para o autor, não se pode negar a possibilidade de conflitos entre deveres jurídicos e morais.

Conceitos de Justiça: Perspectivas Contemporâneas

Chaim Perelman: A Noção de Justiça Formal

“A noção de justiça parece uma das mais eminentes e a mais irremediavelmente confusa” para a lógica científica.

  • Sustenta que o que existe de comum entre todos os sentidos de justiça é a “igualdade” (justiça formal).

Correntes Contemporâneas de Análise da Justiça

Perspectiva Liberal: Contratualismo de Rawls

Em inglês, o termo liberal continua sendo associado a posturas de apoio à intervenção, ainda que limitada, do Estado na economia e nas relações sociais. Por outro lado, em inglês, libertarian (libertário) é a postura que defende um Estado mínimo.

Procedimento contratualista (hipotético) elaborado por Rawls:

Imaginemos a seguinte “posição original”:

  • Um contrato entre duas partes que tenham o mesmo nível de poder e conhecimento;
  • Que o objeto desse contrato seja nossa vida em conjunto;
  • Que os contratantes não saibam qual papel ocuparão na sociedade (“véu da ignorância”).

Devido ao “véu da ignorância”, os contratantes não optariam por princípios utilitaristas.

Adotariam os princípios:

  • Princípio da diferença: só serão permitidas desigualdades econômicas e sociais que visem ao benefício dos membros menos favorecidos da sociedade; somente pode haver desigualdades sociais e econômicas quando o Estado garantir acesso a todas as funções em condições de honesta igualdade de oportunidade.

Perspectiva Libertária: Robert Nozick e o Estado Mínimo

LIBERDADE E IGUALDADE SÃO IRRECONCILIÁVEIS.

  • Uma sociedade livre não pode aceitar a coerção do Estado mesmo com a justificativa de tornar as pessoas mais iguais.
  • Defesa irrestrita das liberdades de mercado (Estado mínimo).
  • Condena políticas tributárias redistributivas.
  • Liberdade e propriedade têm prioridade sobre os demais direitos.

Perspectiva Utilitarista: Cálculo da Felicidade Social

O homem é um maximizador do prazer e um minimizador do sofrimento.

O bem-estar pode ser calculado para qualquer homem subtraindo-se o montante de seu sofrimento do valor do seu prazer.

  • Portanto, é possível chegar-se a um cálculo da felicidade da sociedade.
  • O bom governo será aquele capaz de garantir o maior volume de felicidade líquida para o maior número de cidadãos.

Perspectiva Comunitarista: Bem Comum e Valores Locais

É centrada na ideia de comunidade e no compartilhamento de valores por ela propiciados.

Rejeita o liberalismo em função de seu excessivo individualismo.

Uma sociedade justa é aquela governada pela busca do bem comum.

Os valores morais não são universais, mas são aqueles que expressam as tradições morais de cada comunidade.

Perspectiva Igualitária: Bem-Estar e Recursos

Leva em conta a igualdade de bem-estar e igualdade de recursos.

Perspectiva Capacitária: Desenvolvimento e Liberdade

Relaciona bem-estar, desenvolvimento e liberdade. Para falar de justiça, devemos capacitar as pessoas.

Perspectiva Econômica: Justiça e Eficiência

A justiça é relacionada com a ideia de eficiência.

Perspectiva Social: Pós-Liberalismo e Multiculturalismo

Mapeamento da justiça no cenário pós-liberal e multicultural (no qual o papel dos movimentos sociais ganha destaque).

Ronald Dworkin: Direito, Filosofia e Igualdade

Segundo Dworkin, “o direito é, em grande parte, filosofia”.

O pensamento de Dworkin é, ao mesmo tempo, liberal (porque afirma os direitos individuais) e igualitário (preocupa-se com as questões de justiça e solidariedade social).

São três os pilares de seu pensamento sobre a justiça:

  • Igualdade de recursos fundamentais;
  • Liberdade com restrições;
  • Comunidade liberal (tolerante; somos livres para vivermos como queremos, desde que não violemos a liberdade dos demais).

Em um confronto entre liberdade e igualdade, deve prevalecer a igualdade de recursos.

Dworkin assume que a satisfação do bem particular de cada um (esfera privada) não pode ser conquistada sem que alguns elementos de justiça (esfera pública) intervenham.

Para o autor, não devemos confiar apenas nas leis de mercado para alcançar um ideal de igualdade social.

O Estado tem o dever de promoção de uma comunidade política justa, que respeite a esfera privada na qual os indivíduos realizam sua liberdade para agir e desenvolver suas escolhas.

O governo põe à disposição os recursos e as pessoas decidem o que vão utilizar.

Direito e moral não estão em esferas metodologicamente separadas.

Regras: são as normas positivadas e se cumprem no “tudo ou nada”.

Políticas: tipo de norma cujo objetivo é o bem-estar geral da comunidade.

Princípios: dizem respeito a um tipo de norma cuja observação é um requisito de justiça ou igualdade.

Interpretação no Direito

As práticas jurídicas estão ligadas às práticas interpretativas.

Para o autor, a interpretação é um conceito central ao direito, pois é capaz de operacionalizar regras e princípios.

Igualdade: Respeito e Consideração

“Todos merecem igual respeito e consideração”.

O Juiz Hércules: Coerência e Decisão Moral

A figura do Juiz Hércules simboliza as qualidades excepcionais de que deve ser dotado o juiz para reconstruir, com coerência, o direito vigente, em cada caso, para que seja tomada a melhor decisão possível, amparada na leitura moral dos princípios.

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