O Confisco na Espanha: Processo Histórico (XVIII-XX)
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Introdução ao Processo de Confisco
O confisco foi um longo processo histórico iniciado em termos económicos em Espanha no final do século XVIII por Godoy (1798) e encerrado já no século XX (16 de dezembro de 1924). Em outros países, ocorreram fenómenos com características mais ou menos similares. Consistiu em colocar no mercado, através de leilão público, as terras e bens não produtivos detidos pela chamada 'mão morta', geralmente a Igreja Católica, ordens religiosas e territórios da nobreza, que os haviam acumulado como beneficiários de doações, heranças e testamentos. A sua finalidade era aumentar a riqueza nacional e criar uma burguesia e uma classe média de proprietários rurais. Além disso, o Tesouro obteria receitas extraordinárias para saldar os títulos da dívida pública. O confisco tornou-se a principal arma política com a qual os liberais modificaram o sistema de propriedade do Antigo Regime, para implementar o novo Estado burguês durante a primeira metade do século XIX.
Causas e Aceleração a partir de 1833
A partir de 1833, o processo de confisco foi acelerado por várias causas:
- Primeiro, a guerra carlista obrigou o Estado a obter recursos num momento em que os cofres estavam vazios e o crédito externo tinha colapsado.
- Segundo, espalhou-se pelo país um clima anticlerical, devido ao apoio do clero aos carlistas.
- Terceiro, os compradores de propriedades desamortizadas durante o Triénio Liberal (1820-1823), expropriados em 1823, pressionaram o governo para lhes devolver os seus bens. Estes formaram um grupo poderoso e influente, essencial para o lado Cristino (apoiantes de Isabel II).
Portanto, não é surpreendente que os governos liberais avançassem lentamente em direção ao confisco: supressão de mosteiros, restabelecimento da propriedade aos compradores do Triénio e decreto de confisco geral, embora este último apenas legalizasse o que já tinha ocorrido de facto: o abandono massivo dos conventos, por medo dos frades às investidas populares. O resultado foi que apenas sobreviveram cerca de 2.300 conventos.
O Confisco Eclesiástico de Mendizábal (1836)
Nesta situação, foi publicada a primeira das duas grandes leis de confisco da revolução liberal: o Confisco Eclesiástico de Mendizábal. Em fevereiro de 1836, declarou-se à venda todos os bens pertencentes ao clero regular, e os recursos foram destinados à amortização da dívida pública. Assim, procurava-se ganhar a guerra, obter fundos e tropas, restaurar a confiança no crédito do Estado e, a longo prazo, permitir a reforma fiscal.
Outros objetivos básicos do confisco eram:
- Sanear a Fazenda Pública reduzindo a dívida.
- Facilitar o acesso à propriedade a setores da burguesia.
- Criar um setor social de novos proprietários ligados ao regime liberal e ao lado Cristino.
Apenas nobres e burgueses ricos puderam comprar terras nos leilões, pelo que não se conseguiu criar uma verdadeira burguesia ou classe média em Espanha que tirasse o país da sua crise. Mendizábal tornou-se Ministro das Finanças sob o governo progressista de Calatrava e, a partir daí, os leilões foram retomados. Sob a regência de Espartero, também foram desamortizados os bens do clero secular. Com o regresso dos moderados, os leilões foram suspensos, embora o governo do General Narváez garantisse as vendas já realizadas. Foram desamortizados 62% das propriedades da Igreja.
Embora, em teoria, os lotes fossem acessíveis a grupos sociais de baixos rendimentos, na prática, responderam os proprietários e investidores da burguesia comercial, pois eram os únicos com liquidez, que conheciam os mecanismos dos leilões e podiam controlar facilmente as licitações. Um processo tão prejudicial aos interesses do Estado não foi resultado de um erro de cálculo. Flórez Estrada sugeriu a realização de um processo de reforma agrária. Propôs que o Estado arrendasse as terras aos camponeses e dedicasse as rendas ao pagamento da dívida, o que garantiria os pagamentos, satisfaria as reivindicações dos camponeses e serviria para criar a massa de adeptos a Isabel II que Mendizábal defendia. O que aconteceu foi que o ministro não procurou nem uma distribuição de terras nem uma reforma agrária, mas sim beneficiar aqueles que, como ele, pertenciam à elite financeira e empresarial, procurando consolidar a sua prosperidade económica com a compra de bens imóveis.
Consequências do Confisco de Mendizábal
- O quase completo desmantelamento da propriedade da Igreja e das suas fontes de riqueza, como o dízimo, que também foi abolido em 1837. Só em 1845 se estabeleceria uma contribuição para o culto e clero.
- O confisco não resolveu o problema da dívida, embora tenha ajudado a mitigá-lo.
- O confisco não produziu um aumento significativo na produção agrícola. Os novos proprietários limitaram-se a continuar a receber rendas, que aumentaram para substituir o pagamento dos direitos senhoriais e dízimos por novos arrendamentos. Além disso, as novas terras postas em cultivo eram de baixa qualidade, pelo que a produtividade média diminuiu.
- Deve notar-se que o confisco trouxe consigo um processo de desflorestação, apesar das proibições governamentais a este respeito.
- Levou a um reforço da estrutura da propriedade da terra: acentuou-se o latifúndio na Andaluzia e Extremadura e o minifúndio na região Norte.
- A propriedade urbana foi parar às mãos dos antigos proprietários locais, de novos investidores da burguesia financeira, industrial ou profissional (especialmente advogados), e de especuladores e intermediários que negociavam com terras ou com os títulos da dívida que serviam para pagar as compras.
- Os camponeses não puderam comprar, quer porque não foram informados dos leilões, quer porque não sabiam licitar ou não tinham dinheiro para o fazer.
- O planeamento urbano contribuiu para uma segregação social. A pequena nobreza monopolizava os edifícios mais recentes, excluindo as classes médias, confinadas às casas antigas, e deixando os subúrbios e a periferia para os trabalhadores.
O Confisco Civil de Madoz (1855)
O Confisco Civil de Madoz (1855) foi uma das medidas do programa do Biénio Progressista. Estabeleceu o leilão público de todos os tipos de propriedades rústicas e urbanas pertencentes ao Estado, à Igreja, aos próprios e baldios dos municípios e, em geral, de todos os bens que permanecessem amortizados. Pretendia-se, portanto, completar e terminar o processo de confisco iniciado por Mendizábal em 1836.
Ao contrário do anterior, a Lei Madoz foi desenvolvida rapidamente. O volume de bens vendidos foi quase o dobro do de 1836-1844, e o dinheiro arrecadado foi usado para pagar a dívida e satisfazer as necessidades do Tesouro, especialmente após a abolição do imposto de consumo, decretada durante o pronunciamento militar de 1854.
Consequências do Confisco de Madoz
As consequências deste segundo confisco foram a eliminação da propriedade comunal e do que restava da propriedade eclesiástica, o que levou:
- No primeiro caso, a um considerável agravamento da situação económica dos camponeses (privados do uso dos baldios).
- No segundo, a um rompimento das relações com a Igreja, devido à flagrante violação da Concordata de 1851.
Em geral, somando ambos os processos de confisco, entre 1836 e 1895 (data em que o confisco de Madoz deixou de vigorar), mudaram de mãos cerca de 10 milhões de hectares, 20% da superfície nacional. Isto significou a transferência de uma enorme massa de terras para novos proprietários e a fusão da antiga aristocracia feudal com a burguesia urbana para criar uma nova elite latifundiária. O encaixe financeiro foi quase o dobro do obtido com o confisco de Mendizábal. Este dinheiro foi gasto principalmente para cobrir o défice orçamental do Estado, amortizar a dívida pública e financiar obras públicas, reservando-se 30 milhões de reais anuais para a reconstrução e reparação de igrejas em Espanha.
Globalmente, estima-se que, do total desamortizado, 30% pertenciam à Igreja, 20% a instituições de beneficência e 50% a propriedades municipais (próprios e baldios). O Estatuto Municipal de José Calvo Sotelo, de 1924, revogou finalmente as leis sobre o confisco de bens dos povos e, com isso, o confisco de Madoz.
Conclusão Geral
Em conclusão, o processo de confisco não alterou a estrutura da propriedade, mas consolidou-a. Os pequenos lotes foram comprados por habitantes das aldeias próximas, enquanto os maiores foram adquiridos por pessoas mais ricas, que geralmente viviam em cidades mais distantes da propriedade. Na metade sul do país, reforçou-se o latifúndio.
Muitos camponeses foram privados de recursos que contribuíam para a sua subsistência (uso de baldios), o que intensificou a migração para as áreas industrializadas do país ou para a América. Por outro lado, a Fazenda Pública foi saneada e houve um aumento da área cultivada e da produtividade agrícola.
Na esfera cultural, muitas pinturas e livros de mosteiros foram vendidos e acabaram noutros países, ou foram recolhidos em bibliotecas públicas e universidades. Muitos edifícios de interesse artístico foram abandonados, enquanto outros se tornaram edifícios públicos e foram conservados como museus ou outras instituições.
Um dos objetivos do confisco era permitir a consolidação do regime liberal, fazendo com que aqueles que comprassem terras formassem uma nova classe de pequenos e médios proprietários adeptos do regime, mas este objetivo não foi alcançado. Em muitas cidades grandes, passou-se da cidade conventual para a cidade burguesa, com edifícios de maior altura, alargamentos e novos espaços públicos criados pelas demolições.