Conhecimento Científico: Métodos, Validação e Paradigmas
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O Senso Comum: Características e Limitações
O senso comum resulta de uma organização espontânea da razão a partir da atividade sensível e da experiência pessoal acumulada ao longo da vida, e ainda da transmissão social da experiência coletiva da comunidade. É um conhecimento percetivo, por isso:
- É o modo mais elementar de conhecer o mundo;
- Permite uma apropriação do mundo, isto é, representações do mundo ligadas a um significado, fixado na linguagem;
- Por este motivo, é um conhecimento subjetivo;
- É acrítico, pois não questiona a sua justificação.
Este conhecimento tem como utilidade assegurar uma adaptação eficaz ao nosso meio ambiente, resolver os problemas do dia a dia e orientar-nos na vida. Porém, não nos oferece uma explicação e compreensão da verdadeira natureza da realidade, fornecendo por vezes informações erradas, ao considerar fenómenos que, na realidade, são de natureza diferente e as condições quase sempre imprecisas. Podemos concluir que o conhecimento comum inclui aquelas crenças amplamente partilhadas cuja justificação decorre da experiência coletiva e acumulada dos seres humanos.
Diferença em relação à Ciência: As ciências distinguem-se do senso comum porque visam uma explicação dos factos simultaneamente sistemática e controlável pela experiência.
Conhecimento Científico: Natureza e Objetivos
O conhecimento científico é um conhecimento sistematizado e metódico que, para além da experiência, utiliza raciocínios, provas e demonstrações que nos permitem obter conclusões gerais/universais. Não existe unanimidade. Usa processos metodológicos próprios para explicar e compreender os fenómenos. Pretende formular leis e teorias explicativas que permitam controlar a Natureza.
Características:
- Construção racional;
- Análise metódica e objetiva dos fenómenos;
- Explicação operativa;
- Aproximação sucessiva;
- Explicação precisa, rigorosa e prática.
A Essência do Método Científico
A utilização de um método preciso e rigoroso é o que faz da ciência uma forma específica e diferente de outras formas de conhecer. Assim, é o método que:
- Dá credibilidade aos resultados da investigação;
- É o critério que permite distinguir os conhecimentos verdadeiramente científicos dos que o não são;
- É responsável pela eficácia da investigação.
Assim, caracteriza-se como o conjunto de procedimentos e técnicas que se utilizam nas diversas ciências para descobrir, investigar e alcançar os objetivos. Não existe ciência sem método, e a partir daqui chegamos a uma teoria científica. O grande objetivo do conhecimento científico é resolver problemas. Podemos sintetizar como essencial num método científico a complementação de:
- Invenções de hipóteses explicativas;
- Comprovação da sua validade, utilizando os recursos teóricos e empíricos (duas características comuns).
Métodos Científicos: Indução e Hipotético-Dedutivo
O método indutivo baseia-se no princípio de que os casos ainda não observados serão semelhantes aos que já foram observados. As regularidades observadas são projetadas no futuro, e assume-se que as coisas ainda não observadas exibirão as mesmas regularidades que as coisas já observadas. O grau de confirmação de uma hipótese depende do número de casos observados que estão de acordo com ela. Surgem duas críticas: o problema da indução e a verificação da hipótese, pois nunca podemos verificar todos os casos, sendo ainda a conclusão meramente probabilística.
O método hipotético-dedutivo diz-se assim porque de determinada hipótese são deduzidas consequências testáveis que se confrontam com factos empíricos para verificar se são verdadeiros. Mas não existem observações puras, portanto é uma ideia. Exemplo:
- Da hipótese H deduzem-se consequências testáveis.
- Observa-se que C é verdadeira.
- A hipótese H é confirmada por C.
Mas acontece aqui a falácia da afirmação do consequente. Assim, esta forma verificacionista de conceber o método hipotético-dedutivo encontra problemas lógicos. A afirmação do consequente não é prova válida da verdade do antecedente.
Críticas ao Indutivismo e ao Falsificacionismo
O indutivismo diz-nos que a investigação científica assenta na observação pura, observação que é conduzida sem a influência de quaisquer teorias. Contudo, a observação pura é impossível. Sempre que registam aquilo que observam, os investigadores são influenciados de diversas formas por teorias: têm certas expetativas teóricas, aceitam certos pressupostos teóricos, confiam em certas teorias. Assim, quanto mais a ciência avança, menos pura é a observação. O indutivismo diz-nos que as teorias científicas são generalizações formadas a partir de casos particulares. Contudo, muitas teorias referem objetos que não são observáveis a olho nu, ou pelo menos não observáveis na altura em que as teorias foram concebidas. Por isso, essas teorias não podem ter sido desenvolvidas mediante simples generalizações indutivas baseadas na observação.
Críticas ao Falsificacionismo:
A primeira crítica foi avançada por Kuhn, que pode ser resumida da seguinte forma: o falsificacionismo distorce a natureza da atividade científica. De acordo com esta crítica, a maior parte da atividade científica não consiste em tentativas de refutação das teorias aceites. De um modo geral, os cientistas desenvolvem a sua investigação com o objetivo de confirmar ou consolidar as teorias fundamentais da sua área, e não as consideram refutadas caso algumas das suas previsões empíricas fracassem.
A segunda crítica é: o falsificacionismo torna irracional a nossa confiança nas teorias científicas. Se as teorias científicas não estiverem confirmadas pela observação, não é racional confiar nelas. Popper diz-nos que, apesar de as teorias serem testadas com sucesso, nunca passam de meras conjeturas, pois nunca são minimamente confirmadas pela observação. Tudo o que podemos dizer é que ainda não foram refutadas. Assim, nunca temos quaisquer razões para acreditar que as teorias científicas são verdadeiras. Portanto, parece que confiar nelas em muito do que fazemos todos os dias é irracional, sendo isto contra a natureza.
Critérios de Validação: Verificabilidade e Falsificabilidade
Existem dois critérios de validação das hipóteses:
Critério da Verificabilidade:
Uma teoria é científica somente se é verificável, ou seja, uma teoria científica tem de poder ser comprovada pela experiência. Mas este critério testa a validade da hipótese. A complexidade crescente dos domínios de investigação aproxima cada vez mais os resultados da observação empírica, tornando o processo da sua verificação cada vez mais complexo. O critério da verificabilidade implica que as teorias que incluem leis não são científicas, o que é absurdo, já que um dos grandes objetivos da ciência é a descoberta das leis da natureza.
Critério da Falsificabilidade:
Há semelhanças entre o falsificacionismo e a descrição habitual do método hipotético-dedutivo: também se deduzem certas consequências de determinadas hipóteses. Mas o facto de aquilo que se observar ser o que se deduziu da hipótese não a confirma. O falsificacionismo, em vez de procurar o acordo entre a predição – a consequência deduzida da hipótese – e a observação, procura uma observação que falsifique a hipótese. O desacordo entre o que a conjetura prediz e o que é observado conduz à refutação da hipótese. O acordo corrobora a hipótese, mas nunca a confirma nem verifica.
Popper: O Método das Conjeturas e Refutações
O método das conjeturas e refutações foi proposto e aconselhado por Popper e pode ser entendido como uma alteração do método hipotético-dedutivo, afastando qualquer referência à verificação e à indução. Segundo Popper:
- A ciência é conjetura, ou seja, um conjunto de tentativas de explicação do mundo, não sendo possível provar em definitivo que uma teoria científica é verdadeira;
- A comunidade científica deve procurar falsificar as teorias;
- Uma teoria que resistiu a todas as tentativas para a sua falsificação – teoria corroborada – é aceite provisoriamente pela comunidade científica, que deverá continuar a pô-la à prova permanentemente;
- A observação não é o ponto de partida de uma investigação;
- A hipótese é criada pelo investigador com base nos conhecimentos e na sua capacidade inventiva;
- A evolução da ciência resulta do diálogo intersubjetivo entre os investigadores, cujo objetivo deve ser o de refutar as teorias e eliminar os erros.
Objetividade e Racionalidade na Ciência
Objetividade Científica é:
- As suas interpretações da realidade são as que é possível construir num dado momento da evolução;
- As suas interpretações estão condicionadas pelas características da racionalidade humana e pelas limitações e técnicas do conhecimento para abordar áreas da realidade cada vez mais complexas;
- Não é um conhecimento absoluto da realidade tal como ela é.
Racionalidade Científica: Apesar da influência do investigador ser minimizada pelo processo metodológico, a ciência não é um conhecimento absoluto da realidade, mas uma interpretação condicionada pela racionalidade humana e pelos instrumentos e técnicas existentes num dado momento da sua história.
Ciência e Outras Formas de Interpretação da Realidade
Reconhecer a Ciência como uma entre Outras Formas de Interpretação da Realidade: A ciência fornece-nos uma explicação racional da realidade. A visão científica do mundo não responde a todas as nossas necessidades e preocupações, não nos indicando, por exemplo, o modo como devemos agir. Há outras formas de apropriação menos objetivas, moldadas pela pessoa com base nas suas experiências, nas suas necessidades práticas, tendo em conta os seus valores éticos ou estéticos, por exemplo. Na verdade, a complexidade do real permite múltiplas abordagens. A política, o direito, a religião e a filosofia são outras formas de compreensão da realidade, constituindo-se como horizontes de sentido necessários para a existência humana.
Kuhn: Paradigmas, Ciência Normal e Revoluções
A tese de Kuhn é a de que, na história das ciências, há momentos de revolução científica, ou seja, momentos em que as teorias científicas se alteram radicalmente e, em consequência dessa alteração, alteram-se:
- As imagens do mundo e as crenças básicas que orientavam e regulavam a maneira de olhar o mundo;
- Os hábitos e procedimentos padronizados da própria investigação científica que determinam os tipos de problemas e os modos de os selecionar, herdados da prática científica das gerações passadas.
Estes momentos de rutura são momentos de mudança de paradigma. Este termo, paradigma, é o conjunto de conceitos fundamentais, bem como dos procedimentos padronizados aceites pela comunidade científica, que determinam a prática da descoberta científica numa determinada época. Pensar na realidade a partir do heliocentrismo transformou radicalmente o modo como concebemos o mundo e orientou toda a prática científica a partir de outros pressupostos. À impossibilidade de comparar os paradigmas mediante critérios comuns, Kuhn chamou incomensurabilidade dos paradigmas. Portanto, a comunidade científica realiza a investigação científica dentro dos moldes de um paradigma. Porém, quando surgem anomalias ou factos-problema não explicáveis à luz dos padrões aceites, entra-se num momento de crise e de polémica, a que Kuhn chamou ciência extraordinária, em que se confrontam hipóteses de solução para os novos problemas.
Assim sendo, Kuhn chamou ciência normal às fases de desenvolvimento da ciência em que a investigação é orientada pelo paradigma reconhecido, não dando relevo aos fenómenos que não são explicáveis no âmbito dos seus princípios teóricos. O confronto entre os dois modelos paradigmáticos pode resultar em:
- A reformulação do paradigma de modo a enquadrar e explicar os novos dados, solucionando o facto-problema;
- A formulação de um novo paradigma que acaba por ser sancionado e reconhecido por toda a comunidade científica.
A Contribuição de Kuhn para a Compreensão da Ciência
Sobre a importância de Kuhn para a compreensão do desenvolvimento da ciência: Dizemos que a ciência está mais evoluída quando se aproxima da realidade, mais verdadeira se torna a explicação. Atualmente, a ciência está mais desenvolvida e evoluída que no passado. Os epistemólogos explicam esse desenvolvimento. Para Popper, a ciência evolui por continuidade; já Kuhn defende que, sempre que surge uma anomalia, a teoria não é refutada de imediato, mas sim reformulada, e só quando as anomalias persistem é que a teoria é refutada. Nos períodos de ciência normal, a ciência evolui, mas evolui mais no pico dos paradigmas. Kuhn diz-nos que não se podem comparar os paradigmas, um vem substituir o outro e é neste momento que há evolução da ciência. Não têm termos de comparação e é aí que a ciência evolui por descontinuidade ou rutura.
Críticas à Filosofia da Ciência de Kuhn
As críticas à filosofia da ciência de Kuhn incidem sobretudo na tese de incomensurabilidade. Se os paradigmas são diferentes ao ponto de ser impossível compará-los objetivamente, então nunca podemos dizer que um novo paradigma está mais próximo da verdade que o anterior. Mas esta perspetiva tem implicações muito implausíveis. De um modo geral, a teoria de Kuhn parece ser incapaz de explicar o crescente sucesso teórico e prático da ciência. Se a física atual não está mais próxima da verdade do que a física de Aristóteles, como explicar que os físicos hoje façam previsões muito mais rigorosas? E como explicar que, aplicando as suas teorias, se consiga desenvolver tecnologias que seriam impensáveis no tempo de Aristóteles?
Podemos concluir que: se não podemos compará-los, como podemos saber que o paradigma que vem substituir outro paradigma está mais próximo da realidade? Esta foi a grande crítica feita à teoria de Kuhn.