Conhecimento: Senso Comum vs Científico

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Senso Comum

O senso comum é um conhecimento superficial, quotidiano, de caráter prático, funcional e subjetivo. É formado essencialmente a partir da apreensão sensorial, espontânea e imediata que fazemos da realidade.

Ao contrário do conhecimento científico, não é aprofundado nem decorre de investigações planificadas e apoiadas em testes e resultados experimentais, desenvolvidos dentro ou fora do laboratório. Por isso, é não disciplinar e imetódico.

Porque se baseia nas impressões imediatas que formamos dos objetos e acontecimentos, e também porque não há grandes preocupações em justificá-lo, o senso comum é um tipo de conhecimento superficial e pouco ou nada aprofundado.

Importância do Senso Comum

Por um lado, é a resposta para as diversas situações práticas da vida e, por outro, serve de alavanca à construção de outros tipos de conhecimento mais elaborados, como é o caso do científico.

Conhecimento Científico

O conhecimento científico é aprofundado e especializado em diferentes domínios, desde o mundo físico e natural ao humano e social. Constrói explicações dos fenómenos, tendo por base uma organização teórica e um método.

Distinção entre Conhecimento Vulgar e Comum

Conhecimento Vulgar:

  • Confia nos sentidos
  • É sensitivo
  • Manifesta-se numa atitude dogmática
  • É prático
  • É imetódico e assistemático

Conhecimento Científico:

  • Desconfia dos sentidos
  • É problematizador e racional
  • Manifesta-se numa atitude crítica
  • É explicativo
  • É metódico e sistemático

Perspetiva Continuísta - Karl Popper

O senso comum é um ponto de partida inseguro para outro tipo de conhecimento mais aprofundado do real, bastando ser criticado. Deste modo, o senso comum é o ponto de partida da ciência - a ciência é o senso comum aprofundado e criticado.

Perspetiva Descontinuísta - Gaston Bachelard

O senso comum é um obstáculo epistemológico, ou seja, é algo que dificulta ou impede a produção de conhecimento científico. Por conseguinte, não basta criticar e corrigir o senso comum, é preciso romper totalmente com ele.

Método - Conjunto de procedimentos, orientados por um conjunto de regras, que estabelecem a ordem das operações a realizar com vista a atingir um determinado resultado.

Critério de cientificidade – Critério de demarcação entre o científico e o não científico.

Indutivismo - Perspetiva epistemológica que salienta a importância da indução, quer ao nível das descobertas científicas, quer ao nível da justificação das teorias. Considera que a atividade científica parte da observação dos fenómenos, prosseguindo com a formulação de hipóteses e a realização de testes experimentais para propor, através da generalização, novas teorias e leis científicas.

Método Indutivo

1) Observação dos fenómenos - Observação neutra, objetiva e imparcial, sem qualquer influência de factos, ideias, teorias ou expectativas.

2) Análise e interpretação dos dados observados

3) Formulação da hipótese (tentativa de explicação dos fenómenos observados; provisória e ainda não testada)

4) Teste da hipótese - Confirmação da hipótese com a realidade, através de condições controladas (a indução está na base deste procedimento)

5) Conclusão - A hipótese é confirmada/verificada/aceite ou a hipótese é refutada/infirmada

Critério da Verificabilidade - Critério de cientificidade segundo o qual uma teoria só é científica se for possível verificar empiricamente aquilo que ela propõe. Uma proposição é empiricamente verificável se for possível determinar, através da observação, o valor de verdade dessa proposição.

Verificacionismo - As teorias científicas podem ser empiricamente justificadas

Críticas ao Indutivismo

  • A observação não é o ponto de partida do método científico, mas sim os problemas e hipóteses, visto que esta é totalmente neutra e isenta.
  • É impossível verificar empiricamente a verdade de teorias gerais como "Todos os legumes são ricos em cálcio" (Problema da Indução levantado por David Hume) - O indutivismo tem um carácter ilusório e não serve para justificar o conhecimento científico

Crítica de Popper ao Verificacionismo

O critério de demarcação entre o científico e o não científico é na verdade a possibilidade das teorias científicas serem empiricamente falsificáveis e as não científicas não o serem (Falsificacionismo)

Método Hipotético-Dedutivo

Método que consiste em propor uma hipótese, da qual se deduzem certas consequências, as quais serão testadas através da experimentação. Sublinha-se a importância da falsificabilidade.

  • A construção do conhecimento científico faz-se através de conjeturas e refutações
  • O critério que garante a cientificidade das teorias é o critério da falsificabilidade
  • A ciência parte de problemas e as teorias começam por ser hipóteses explicativas e criativas (conjeturas) que terão de ser submetidas a testes rigorosos, tendo em vista a sua refutação.

Etapas do Método Hipotético-Dedutivo

1) Existência de um problema (o cientista tem a vontade de o resolver)

2) Formulação da hipótese prévia - Raciocínio abdutivo (criativo) da atividade científica que orienta toda a observação e investigação. É uma explicação provisória com um carácter geral

3) Dedução das consequências particulares da hipótese - Previsão do que acontecerá no caso de a hipótese ser verdadeira

4) Experimentação das consequências - A hipótese é testada, confrontada com a experiência

5) Conclusão - A hipótese é refutada ou corroborada

Teoria Falsificacionista de Popper

  • As teorias científicas não são empiricamente verificáveis
  • Critério da falsificabilidade - Uma hipótese é científica se, e só se, for falsificável. Assim a sua confrontação com a experiência é importante, não para confirmá-la, mas para perceber se é possível falsificá-la.
  • O teste experimental serve para a procura de fenómenos que possam infirmar a hipótese. Enquanto isso não acontecer, a teoria é considerada válida e é tanto mais forte quanto mais resistir.
  • O critério da falsificabilidade permite a Popper responder ao problema da demarcação: as teorias científicas são diferentes das não-científicas (ou das pseudocientíficas), na medida em que são falsificáveis.

Críticas a Popper

  • O método de falsificabilidade não descreve (para alguns) aquele que será o método mais comum entre os cientistas.
  • Há quem considere que a indução é importante em ciência e é necessária a confiança no raciocínio indutivo e na verdade das teorias científicas.
  • A história da ciência mostra-nos exemplos de que quando surgem fenómenos inconsistentes com a teoria nós não refutamos logo a teoria mas sim procuramos fazer pequenas alterações, mantendo a teoria.

Progresso da Ciência segundo Popper

  • Para Popper, a verdade - entendida como correspondência das proposições científicas à realidade dos factos - é um ideal a procurar, é a meta para a qual a ciência avança.
  • O progresso científico deve, por isso, ser entendido como o desenvolvimento da ciência em direção a um fim que, podendo não ser alcançável, não deixa de ser pressuposto.
  • Nenhuma teoria, mesmo aquela que é corroborada, é completamente definitiva e verdadeira. É necessário manter uma atitude crítica de modo a permitir ao cientista avançar.
  • Há teorias com maior aproximação à verdade, mais verosímeis, com maior verosimilhança, sendo essas aquelas que superam os testes a que as anteriores não resistiram

A ciência avança por meio de tentativas e erros e conjeturas e refutações:

  • Parte de problemas
  • Propõe hipóteses ou conjeturas, ou novas teorias - tentativas de explicação do mundo, que são provisórias
  • Vai eliminando os erros, submetendo as teorias à refutação
  • Conduz, neste processo, à descoberta de novos problemas, e assim por diante

Tendo por base a crítica, o cientista encontra falhas ou erros nas teorias já existentes e empenha-se na procura de novas respostas. Esta procura de novas tentativas de solução para os problemas, decorrente da eliminação dos erros, impede que a ciência estagne ou se fixe a qualquer tipo de dogma.

A Concepção Epistemológica de Thomas Kuhn

  • Para Kuhn, a evolução da ciência depende essencialmente do trabalho dos cientistas e, portanto, o processo de produção da ciência torna-se o ponto central da sua reflexão epistemológica.
  • O cientista não é um sujeito neutro nem isolado, mas sim condicionado e contextualizado, sendo que a construção de teorias científicas está sempre dependente de um conjunto de factos, crenças, conhecimentos, regras, técnicas e valores compartilhados pela maioria dos cientistas.
  • A produção científica depende de um paradigma específico, que funciona como um modelo de descoberta e resolução de problemas aceite dentro da comunidade científica.
  • A ocorrência de anomalias pode resultar na eleição de um novo paradigma, uma vez que provoca uma crise e uma revolução científica.
  • Anomalias – Problemas dos quais os cientistas são incapazes de resolver a partir dos pressupostos da ciência normal. Quando as peças que na ciência normal encaixam no devido lugar, não parecem encaixar, estamos perante uma anomalia. Neste caso, antes de se avançar para um novo paradigma, o cientista tenta resolver o novo problema.
  • Perante novos problemas, o cientista não tem como preocupação falsificar as suas teorias (falsificacionismo), mas sim encontrar uma forma de resolver os problemas que surgem, mantendo as suas teorias.

A ciência entra em período de crise quando se acumulam muitas anomalias para as quais os cientistas não têm resposta

Instala-se uma ciência extraordinária que tenta explicar aquilo que não era explicável aos olhos do paradigma anterior.

No fim, ou se mantém o paradigma vigente ou se dá uma revolução científica, que impõe a mudança e a adoção do novo paradigma.

Ciência normal - Fase da atividade científica que ocorre no âmbito de um paradigma aceite pela comunidade científica. Resolve problemas de acordo com os princípios, regras e conceitos do paradigma vigente.

Anomalia - Problema que resiste à resolução do mesmo por parte dos cientistas

Crise - Fase de tomada de consciência da insuficiência do paradigma vigente para a resolução das anomalias.

Ciência extraordinária - Fase de questionamento dos fundamentos do paradigma atual. Consideração quanto à manutenção do mesmo paradigma ou a escolha de um novo.

Revolução científica - Mudança e aceitação de um novo paradigma por parte da comunidade científica.

Novo paradigma - Paradigma – Conjunto de crenças, regras, técnicas e valores compartilhados e aceites dentro de uma comunidade científica e que orientam a sua atividade. Modo de fazer ciência que se constitui no seio dessa comunidade.

  • A verdade das teorias científicas está sempre dependente do paradigma em que se inserem, aquilo que é verdadeiro num paradigma pode não ser noutro.
  • Os paradigmas são incomensuráveis, isto é, são incomparáveis e incompatíveis entre si.
  • A incomensurabilidade dos paradigmas impõe uma interpretação diferente quanto ao progresso da ciência.
  • Se não podemos afirmar que um paradigma é melhor que o seu antecessor, também não podemos afirmar que, ao ocorrer uma mudança de paradigma, haverá uma evolução da ciência para melhor – não podemos afirmar que a ciência progride de forma cumulativa e contínua.
  • Kuhn não concorda com a visão teleológica da evolução da ciência – a verdade não é a meta para a qual se orienta a ciência.
  • A escolha entre teorias rivais obedece a critérios objetivos e subjetivos.
  • Critérios objetivos são partilhados por toda a comunidade científica.
  • Critérios subjetivos são individuais, relativos ao que cada cientista sente e pensa.

Critérios Objetivos de Escolha das Teorias:

  • Exatidão – Capacidade de fazer previsões corretas.
  • Consistência – Ausência de contradições internas e compatibilidade da teoria com outras dentro do paradigma vigente.
  • Alcance – Abrangência da teoria relativamente à diversidade de fenómenos que é capaz de explicar.
  • Simplicidade – Sobriedade e elegância conforme a teoria explica os fenómenos.
  • Fecundidade – Capacidade da teoria para impulsionar a investigação científica em direção a novas descobertas.

Críticas a Kuhn:

  • A história da Ciência não evolui fundamentalmente ou unicamente por revoluções, mudanças profundas e pouco frequentes, mas sim, muitas vezes, por pequenas modificações das teorias.
  • A teoria da incomensurabilidade dos paradigmas põe em causa a evolução do progresso científico e pode conduzir a uma perspetiva relativista quanto à ciência.
  • Podemos observar que, ao longo da história, as sucessivas mudanças de paradigma constituem de facto a passagem para teorias que explicam um maior número de fenómenos, associados a uma tecnologia mais desenvolvida contribuindo assim para uma melhor qualidade de vida.
  • O facto de a adesão a um novo paradigma ocorrer por conversão, quase religiosa, por parte dos cientistas, confere um calibre irracional à ciência, levantando assim entraves quanto ao seu valor.

Comparação entre Popper e Kuhn

Popper

  • O conhecimento científico é independente do sujeito e do contexto.
  • A validação das teorias obedece ao critério da falsificabilidade.
  • O conteúdo das teorias ou conjeturas, obedecendo a princípios lógicos, garante o rigor e a objetividade do conhecimento científico.
  • A ciência não atinge a verdade, mas sim aproxima-se cada vez mais da mesma.

Kuhn

  • O conhecimento é dependente do sujeito integrado numa comunidade científica.
  • A escolha e objetividade das teorias dependem de fatores objetivos e subjetivos.
  • A verdade é relativa ao paradigma vigente, só pode ser entendida dentro dos limites que ele impõe.
  • A verdade é definida no interior de cada paradigma. Com a mudança do mesmo, não quer dizer que nos aproximemos da verdade.

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