Contrato Administrativo e Licitação: Conceitos e Processos
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Contrato Administrativo
1. Introdução
1.1. Definição de Contrato
Relação jurídica formada por um acordo de vontades, no qual as partes se obrigam reciprocamente a prestações concebidas como contrapostas. É uma forma de composição pacífica de interesses e que, em princípio, faz lei entre as partes (segundo Celso Antônio Bandeira de Mello - CABM).
1.2. Traços Nucleares
- Consensualidade;
- Autoridade de seus termos (pacta sunt servanda).
1.3. Origens Doutrinárias
1.3.1. Direito Francês
- Conselho de Estado:
- Regime do contrato administrativo: Caracterizado pela supremacia de uma das partes, decorrência da prevalência do interesse público sobre o particular, o que possibilita instabilizar a relação jurídica e impor a autoridade do contratante público, oriunda da presunção de legitimidade dos seus atos.
- Consideração do contrato como administrativo (Requisitos):
- Ser firmado pela Administração;
- Receber tal qualificação por lei;
- Ter por objeto a própria execução de um serviço público;
- Conter cláusulas exorbitantes.
1.3.2. Direito Brasileiro
- Divergências doutrinárias (segundo Di Pietro):
- Negativa da existência do contrato administrativo: Argumenta-se que os contratos administrativos não observam os princípios basilares dos contratos, como a igualdade das partes, a autonomia da vontade e a força obrigatória das convenções (pacta sunt servanda).
- Todos os contratos da Administração são administrativos: Nesta visão, não haveria contrato de direito privado, porque em todos os acordos nos quais participa a Administração Pública existe a interferência do regime jurídico administrativo (aplicação sempre das normas de direito público).
- Aceitação da existência dos contratos administrativos: Como espécie do gênero contrato, com regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum.
Posição majoritária: Admite a existência de contratos administrativos, com características próprias que os distinguem do contrato de direito privado.
2. Conceito
2.1. Contratos da Administração
Todos os contratos celebrados pela Administração Pública, seja sob o regime de direito público, seja sob o regime de direito privado.
2.2. Contratos Administrativos
- Di Pietro: “Ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público”.
- Gasparini: “Ato plurilateral ajustado pela Administração Pública ou por quem faça as vezes com certo particular, cuja vigência e condições de execução a cargo do particular podem ser instabilizadas pela Administração Pública, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante particular”.
- Carvalho Filho: “Ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público”.
3. Classificação dos Contratos Celebrados pela Administração
3.1. Contratos de Direito Privado (Contratos Privados da Administração)
- Regulados pelo Direito Civil ou Empresarial (derrogação parcial das normas publicistas).
- Atuação: ius gestionis em contraposição à atuação ius imperii.
- Exemplos: compra e venda, doação, comodato, etc.
3.2. Contratos Administrativos (segundo Di Pietro)
3.2.1. Classificação
- Tipicamente administrativos: Sem paralelo no direito privado e inteiramente regidos pelo direito público. Exemplos: concessão de serviço público, de obra pública e de uso de bem público.
- Com paralelo no direito privado: Mas também são regidos pelo direito público. Exemplos: mandato, empréstimo, depósito e empreitada.
3.2.2. Traços Comuns
Quanto às sujeições, obediência às exigências relativas à:
- Forma: Escrita, em princípio. Exceção: forma verbal (art. 60, parágrafo único, da Lei 8.666/93).
- Procedimento: Observância de requisitos estabelecidos em lei para sua validade, como autorização legislativa (se for o caso), avaliação, licitação, motivação, indicação de recursos orçamentários, publicação e aprovação pelo Tribunal de Contas.
- Competência: No Direito Administrativo, a competência resulta da lei.
- Finalidade: Sempre pública, sob pena de desvio de poder.
4. Disciplina Normativa
4.1. Constituição Federal
- Competência legislativa privativa da União: art. 22, XXVII.
- Previsão genérica: art. 37, XXI e 173, § 1º, III.
4.2. Legislação Ordinária
- Lei 8.666/93:
- Contratos administrativos em geral: arts. 1º e 54.
- Compra: arts. 14 e 16.
- Alienação: arts. 17 a 19.
- Contratos de obra e serviço: art. 6º, VIII.
- Publicização dos contratos de direito privado celebrados pela Administração: art. 62, § 3º, c/c os arts. 55, 58 e 61.
- Art. 58: Cláusulas exorbitantes.
- Contratos administrativos previstos em leis específicas:
- Concessão de serviços públicos: Leis 8.987/95 e 9.074/95.
- Parceria público-privada: Lei 11.079/2004.
- Concessão de energia elétrica: Lei 9.427/97.
- Concessão de serviços de telecomunicações: Lei 9.472/97.
5. Características
5.1. Segundo Carvalho Filho
5.1.1. Relação Contratual
- Formalismo: Não basta a vontade das partes; é necessária a observância de certos requisitos externos e internos (Lei 8.666/93, arts. 60 a 64).
- Comutatividade: Equivalência entre as obrigações previamente ajustadas e conhecidas.
- Confiança recíproca (intuitu personae): Em razão de condições pessoais do contratado, apuradas na licitação.
5.1.2. Posição Preponderante da Administração
Prevista no art. 54 da Lei 8.666/93. Mitigação dos princípios romanos da imutabilidade unilateral dos contratos (lex inter partes e pacta sunt servanda).
5.1.3. Presença de um Sujeito Administrativo
Presença de um sujeito administrativo em um dos polos da relação contratual.
5.1.4. Objeto
Direta ou indiretamente, deve trazer benefício à coletividade (interesse público).
5.2. Segundo Di Pietro
- Presença da Administração Pública como Poder Público: Prerrogativas que garantem sua supremacia sobre o particular por meio de cláusulas exorbitantes ou privilégios.
- Finalidade pública: Visar ao interesse público.
- Obediência à forma prescrita em lei: Exemplos: arts. 62 e 55 da Lei 8.666/93. Prazos: art. 57, caput e § 3º.
- Procedimento legal específico: Previsto na Constituição Federal, na Lei 8.666/93 e em demais leis esparsas (Exemplo: LC 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, arts. 15 e 16).
- Contrato de adesão: As cláusulas são fixadas unilateralmente pela Administração.
- Natureza intuitu personae: Vedação, em princípio, da subcontratação (Lei 8.666/93, art. 78, VI, c/c art. 72).
- Presença das cláusulas exorbitantes: Cláusulas incomuns ou ilícitas em contratos celebrados entre particulares, que colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado. Exemplos:
- Exigência de garantia: Lei 8.666/93, art. 56, § 1º (caução em dinheiro, títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária).
- Alteração unilateral: Para possibilitar melhor adequação às finalidades de interesse público (Lei 8.666/93, arts. 58, I e 65). Pode ser qualitativa (alteração do projeto) ou quantitativa (acréscimo ou diminuição do objeto).
- Rescisão unilateral: Lei 8.666/93, arts. 58, II, c/c os arts. 79, I e 78, I a XII e XVII. Pode ocorrer por inadimplemento com ou sem culpa, razões de interesse público, caso fortuito ou força maior.
- Fiscalização: Arts. 58, III e 67.
- Aplicação de penalidades: Prerrogativa de aplicar sanções administrativas (art. 58, IV e 87).
- Anulação: Decorrente do poder de autotutela (Súmula STF 473 e art. 59).
- Retomada do objeto: Para assegurar a continuidade da execução do contrato, aplicando o princípio da continuidade do serviço público. Isso gera restrições à aplicação da exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus, vide art. 477 do Código Civil), com previsão de rescisão unilateral apenas por parte da Administração (art. 79, I).
- Mutabilidade: Confere à Administração o poder de, unilateralmente, alterar as cláusulas regulamentares ou rescindir o contrato antes do prazo, por motivo de interesse público.
- Teoria do Equilíbrio Econômico-Financeiro: Como consequência da mutabilidade, o contratado tem direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, que é a relação estabelecida no momento da celebração do contrato entre o encargo assumido e a contraprestação da Administração.
- Riscos do particular ao contratar com a Administração:
- Álea ordinária ou empresarial: Riscos comuns da flutuação do mercado; se previsíveis, são de responsabilidade do particular.
- Álea administrativa: Inclui a alteração unilateral do contrato, o Fato do Príncipe (ato geral da autoridade pública que onera o contrato) e o Fato da Administração (comportamento irregular do contratante governamental que viola os direitos do contratado).
- Álea econômica (Teoria da Imprevisão): Acontecimento externo, imprevisível e inevitável que torna a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado. Aplica-se a cláusula rebus sic stantibus.
6. Espécies de Contratos (segundo Gasparini)
- Contrato de obra pública: Objeto de construção, reforma ou ampliação de obra pública (Lei 8.666/93, art. 6º, I e VIII).
- Contrato de prestação de serviço: Para obtenção de utilidade de interesse da Administração (Lei 8.666/93, art. 6º, II). Inclui a terceirização (Decreto 2.271/97).
- Contrato de fornecimento: Para aquisição de coisas móveis.
- Contrato de concessão de uso de bem público: Transferência do uso de bem público a um particular (concessionário).
- Contrato de concessão de obra pública: Atribuição a um particular da execução e exploração de obra pública, com remuneração por tarifas do usuário (Lei 8.987/95, art. 2º, III).
- Contrato de empréstimo público: Para atender situações urgentes e imprevistas, exigindo prévia autorização legislativa (CF, art. 48, II).
- Contrato de gestão: (CF, art. 37, § 8º).
- Convênio: Para a realização de obras e serviços de interesse comum, celebrados por pessoas públicas (Lei 8.666/93, art. 116, § 1º).
- Consórcio: Ajuste entre pessoas públicas da mesma espécie para objetivos comuns.
- Parceria público-privada (PPP): Contrato de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa (Lei 11.079/2004).
7. Formalização (segundo Gasparini)
É a materialização do contrato, regulada pela legislação aplicável. A forma é escrita, em princípio (Lei 8.666/93, art. 60, parágrafo único). Os instrumentos de formalização incluem termo de contrato, carta-contrato, nota de empenho, etc. (art. 62). O termo de contrato possui preâmbulo, texto (com cláusulas essenciais e acessórias) e encerramento.
8. Duração e Prorrogação
- Vigência: Em regra, tem início na data de assinatura.
- Eficácia: A publicação resumida do contrato é condição de eficácia (Lei 8.666/93, art. 61, parágrafo único).
- Duração: Adstrita à vigência dos créditos orçamentários, sendo vedado prazo indeterminado (art. 57).
- Prorrogação: Admitida para os prazos de início, conclusão e entrega, sempre justificada e autorizada (art. 57, § 1º).
9. Execução
Consiste em cumprir as cláusulas conforme a intenção das partes. A Administração tem o direito e o dever de acompanhar a execução (Lei 8.666/93, art. 67), o que compreende fiscalização, orientação, interdição, intervenção e aplicação de penalidades. A execução termina com a entrega e o recebimento (provisório e definitivo) do objeto.
10. Extinção
- Cumprimento do objeto: Forma natural de extinção.
- Término do prazo: Pela expiração do prazo de vigência.
- Invalidação (anulação): Em decorrência de vícios de legalidade. O efeito é retroativo (ex tunc).
- Rescisão: Originada de fato superveniente. Pode ser amigável (bilateral), judicial (por decisão judicial) ou unilateral/administrativa (por ato da Administração).
Licitação
1. Considerações Preliminares
Diferentemente do particular, que possui liberdade de contratar (autonomia da vontade), a Administração Pública, em princípio, tem a obrigatoriedade de licitar. Licitação é um certame, uma competição.
2. Definição
- Di Pietro: “Licitação é o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas, dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração do contrato”.
- Diógenes Gasparini: “Procedimento administrativo através do qual a pessoa a isso juridicamente obrigada seleciona, em razão de critérios objetivos previamente estabelecidos, interessados que tenham atendido à sua convocação, a proposta mais vantajosa para o contrato ou ato de seu interesse”.
- Celso Antônio Bandeira de Mello (CABM): Aponta como finalidades da licitação:
- Proteção aos interesses públicos e recursos governamentais (busca da oferta mais satisfatória).
- Respeito aos princípios da isonomia e da impessoalidade.
- Obediência aos reclamos da probidade administrativa.
3. Legislação Aplicável
A competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação é privativa da União (CF, art. 22, XXVII), com competência suplementar para Estados, DF e Municípios. A obrigatoriedade da licitação está prevista no art. 37, XXI da CF, regulamentado pela Lei 8.666/93 e outras leis específicas.
4. Princípios
Além do princípio da própria licitação, destacam-se os contidos no art. 3º da Lei 8.666/93, como:
- Competitividade
- Isonomia (Igualdade)
- Publicidade
- Legalidade
- Impessoalidade
- Moralidade e Probidade
- Vinculação ao instrumento convocatório (edital)
- Julgamento objetivo
- Adjudicação compulsória
- Ampla defesa
5. Obrigatoriedade da Licitação
A licitação é obrigatória para obras, serviços, compras, alienações, concessões e permissões de serviços públicos, abrangendo todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta.
6. Pressupostos (segundo CABM)
- Lógico: Pluralidade de ofertantes.
- Jurídico: Licitação como meio para alcançar uma relação jurídica.
- Fático: Existência de interessados em disputá-la.
7. Dispensa e Inexigibilidade
Fundamentadas no art. 37, XXI, da CF.
- Dispensa: A licitação é viável, mas a Administração, por interesse público, deixa de realizá-la. As hipóteses estão previstas nos arts. 17 (vinculantes) e 24 (discricionárias) da Lei 8.666/93, como em casos de pequeno valor ou situações excepcionais.
- Inexigibilidade: A competição é inviável porque só existe um objeto ou pessoa que atenda às necessidades da Administração. As hipóteses estão no art. 25 da Lei 8.666/93, como para fornecedor exclusivo, serviços técnicos de notória especialização ou contratação de artista consagrado.
8. Modalidades
Previstas no art. 22 da Lei 8.666/93 e em legislação específica:
- Concorrência: Para contratos de grande vulto, alienações imobiliárias e concessões.
- Tomada de preços: Para contratos de médio vulto, com licitantes previamente cadastrados.
- Convite: Para contratos de pequeno vulto, com no mínimo três interessados do ramo.
- Concurso: Para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico.
- Leilão: Para venda de bens móveis inservíveis ou imóveis específicos.
- Pregão: Para aquisição de bens e serviços comuns, com disputa por lances (Lei 10.520/2002).
9. Procedimento
O procedimento da concorrência, por exemplo, segue as seguintes fases: edital > habilitação > classificação > homologação > adjudicação.
- Edital: É a “lei da licitação”, contendo todas as regras do certame.
- Habilitação: Verificação da documentação dos licitantes.
- Classificação: Julgamento objetivo das propostas segundo os tipos de licitação (menor preço, melhor técnica, etc.).
- Homologação: Aprovação do procedimento pela autoridade superior.
- Adjudicação: Atribuição do objeto da licitação ao vencedor.
10. Anulação e Revogação
Previstas no art. 49 da Lei 8.666/93.
- Anulação: Ocorre por motivo de ilegalidade no procedimento.
- Revogação: Ocorre por interesse público decorrente de fato superveniente.