O Corpo Presente: Reflexões sobre Tempo e Memória

Classificado em Psicologia e Sociologia

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O Corpo Presente Já é Passado

Carlos Roberto Silva

Rio de Janeiro

2019


Carlos Roberto Silva

O Corpo Presente Já é Passado

Rio de Janeiro

2019

RESUMO

Esta pesquisa, intitulada "O Corpo Presente Já é Passado", é fruto do nosso interesse por questões ligadas ao corpo, em especial, o modo como este se comporta sob as influências do tempo. Mas também, pelo fato de estarmos constantemente lidando com objetos que coexistem conosco e que, às vezes, podem dizer muito sobre a nossa própria personalidade, à medida que essas coisas também estão à mercê do tempo. Portanto, a pesquisa pretende compreender o fluxo da vida, mas num sentido restrito, ou seja, nossa análise parte de comparações entre sujeito e objeto, mas valorizando a importância do segundo, que pode alimentar narrativas acerca de nossa própria história de vida. Com essa perspectiva, iremos expor os fatos que julgamos pertinentes durante o estudo. Entretanto, não temos a pretensão de avançar muito, tampouco explicar em detalhes os fenômenos observados durante a leitura. Nosso interesse é puramente exploratório, portanto, iremos ouvir vários pensadores do campo filosófico, psicológico, comunicacional e das artes visuais.

Palavras-chave: passado, tempo, corpo, objetos, sucessão, narrativas.


1. INTRODUÇÃO

Na primeira parte do texto, iremos discutir sobre a percepção, sobretudo, procurando compreender a ação do tempo sobre o corpo. A leitura será sobre o livro "A Evolução Criadora" (1979) do filósofo francês Henri Bergson.

A princípio, iremos depositar nossos esforços no capítulo primeiro, intitulado "Sobre a Evolução da Vida: Mecanismo e Finalidade". Na concepção deste autor, nossa duração não é só um instante capaz de substituir outro instante. Nesse sentido, iremos refletir sobre o passado visto aqui como um filme dirigido a partir da nossa própria realidade.

Na segunda parte, faremos comparações com base no artigo de Cristina Freire, intitulado "Um Palco de Espelhos: Narcisismo e Contemporaneidade" (1994). Cristina Freire é doutora, professora e curadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). Por outro lado, aponta para o nosso passado como lugar de significações e respostas para algumas ocorrências no presente. Recorremos às impressões do passado para compreender os fatos experimentados no presente.

No decorrer do artigo, identificamos a preocupação da autora com a fotografia contemporânea, em especial a fotografia de retratos de pessoas queridas. Freire procura expor com detalhes o nosso interesse por esse tipo de representação, mas também as simbologias por detrás dessas imagens.

Nesse intervalo proposto pela leitura, nossa atenção é atravessada por uma questão de difícil compreensão envolvendo objetos artísticos que podem significar muito diante do sujeito interessado nos significados que não estão à vista nesses objetos, mas que guardam vestígios de nosso passado.

Na terceira parte, faremos uma abordagem mais cuidadosa. Senra é doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Paris II, ensaísta e curadora com trabalhos publicados nas áreas de Cinema, Artes Visuais, Televisão e Jornalismo.

Escolhemos como objeto de estudo o artigo intitulado "A Experiência do Espectador ou Homem Ordinário do Cinema Segundo Jean Louis Schefer" (2010). Senra analisa a experiência do espectador no cinema, que vê nas imagens cinematográficas sua própria história, cuja narrativa pode ser modificada por esses sujeitos.

Nossa última abordagem será sobre o artigo de Paulo Bernardo Vaz, intitulado "Cristo Revisitado: Experiência Estética e Fotojornalismo" (2010). Neste artigo, Vaz está interessado no modo como nos relacionamos com algumas imagens publicadas em periódicos, tais como jornais, livros e revistas. Vaz é doutor em Comunicação e Educação pela Universidade de Paris XIII. Vaz desenvolve pesquisas sobre design gráfico, fotojornalismo, imagem, tipografia e publicidade na mídia impressa.

Entretanto, o que nos chamou a atenção neste artigo foi o modo como este autor faz sua abordagem: deixando à vista seu interesse pelo sujeito que lê diariamente revistas e jornais, interessado em notícias que podem dizer algo sobre sua própria história de vida. Mas também, pela facilidade da leitura. Entende-se que o sujeito considerado iletrado vê nesta categoria de imagens algo familiar. Tema importante, que iremos discutir futuramente. Em outras palavras, o problema da socialização no Brasil exigiria um estudo mais denso, que pudesse descortinar os pormenores dessa questão que já foi bastante discutida no meio acadêmico.

Vale lembrar que o nosso interesse neste estudo é compreender o pensamento dos autores citados em relação ao fenômeno passado e o que ele pode provocar. É importante frisar que nossa motivação surge com a curiosidade em saber o nível da discussão sobre este tema no campo teórico, tais como o da Filosofia, Psicologia, Comunicação e das Artes Visuais. Na verdade, o tempo, enquanto movimento vital, nos oferece a cada instante uma nova impressão do objeto percebido, isto é, aquilo que foi visto há dois segundos ou há uma hora equivale também ao meu passado. Minha memória lá está, impelindo algo do passado ao presente. Com mais forte razão, o mesmo acontece com os estados mais profundamente interiores: sensações, sentimentos, desejos, etc., que não correspondem, como a simples percepção visual, a um objeto exterior invariável (HENRI BERGSON, 1979, p.).

Verificou-se que um sujeito não poderá permanecer o mesmo à sua vontade, pois a longevidade está justamente em prosseguir. Por outro lado, não haverá a possibilidade do fluxo da vida, que consiste unicamente em evoluir, seguir experimentando as mazelas do mundo. O presente vivido nada mais é que uma sucessão de instantes nascentes que alimentam o passado. A partir do momento que o passado aumenta sem cessar, infinitamente também ele se conserva" (BERGSON, 1979, p.16). A memória, como tentamos mostrá-lo, não é uma faculdade de classificar lembranças numa gaveta ou de registrar num arquivo. Não há gaveta e não há arquivo, nem mesmo, no caso, uma faculdade, propriamente falando, porque uma faculdade se exerce por intermitências, quando ela quer ou pode, ao passo que o amontoamento do passado sobre o passado prossegue sem trégua. Em realidade, o passado se conserva por si mesmo, automaticamente. O que vivenciamos não se desprende da carnalidade, pois são fatos experimentados. Contudo, ainda somos capazes de descrever seus fragmentos, pois o passado continua e, "essas lembranças, mensageiras do inconsciente, nos advertem do que arrastamos conosco sem saber. O corpo, enquanto se movimenta, vai desenhando sua trajetória, pois somos videntes visíveis.

Não podemos, portanto, prever o que vai acontecer, mas somos capazes de descrever nossos atos. Tal descrição também é possível com base nos elementos que compõem os fatos, isto é, os objetos que coexistem comigo podem me auxiliar diante da necessidade de descrever uma experiência vivida ou percebida.

Fala-se do vivido, jamais do futuro, pois o futuro não constitui experiência vivida. Os fatos narrados pertencem a um tempo anterior, quer dizer, presença é acumulação e cada movimento do meu corpo constrói novas narrativas, mas todas ao seu tempo.

3. O PROBLEMA DA PERCEPÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Até aqui, o que foi mencionado adverte que o nosso passado não poderia simplesmente ser apagado da memória porque nossas experiências configuram o livro da nossa história. O que temos são lembranças do vivido.

O passado, por sua vez, é o caminho percorrido, que revisitamos quando julgamos necessário reconhecer no presente nossa própria existência. Essa última, por exemplo, é essencialmente composta por instantes insubstituíveis.

Mas o que poderia mudar essa realidade? Estamos fadados ao devir, e o caminho que se desenha diante de nós não poderá permanecer o mesmo, e as coisas que sou capaz de conceber coexistem comigo e estão igualmente à mercê dessa força transformadora. Contudo, vale ressaltar que os objetos podem influenciar o meu comportamento acerca da realidade. Nesses termos, é importante frisar as ocorrências tecnológicas cujo reflexo está no modo de agir do sujeito contemporâneo. Nesse contexto, "a sociedade contemporânea caracteriza-se por uma temporalidade bastante peculiar. Foi com bastante propriedade que apontou o filósofo alemão Walter Benjamin, já nos idos da década de 30, que uma nova forma de percepção teria se tornado necessária, devido às inovações tecnológicas. Ele referia-se, naquele momento, principalmente, à popularização do cinema, mas a agudeza de seu pensamento o faz bastante, se pensarmos nas modificações perceptivas, cognitivas, no limite, referentes à constituição da identidade do sujeito contemporâneo que certos aparatos técnicos, como o vídeo e o computador, são capazes de operar junto ao imaginário (CRISTINA FREIRE, 1994, p.)

Entende-se que essa nova visão de mundo, embora seja capaz de afetar nossa percepção em relação aos fatos vivenciados, nosso passado permanece intacto. Nossas experiências não cessam de alimentar o passado.

O consumo de imagens aumentou a partir do momento em que se adotou um novo modo de registrar os fatos. Tomemos como exemplo a fotografia contemporânea. Na minha concepção, sua essência está em registrar os momentos. Vemos um olhar suspeito, que silenciosamente observa o espectador. Entretanto, para Freire (1994), "não mais se trata do reconhecimento de algo quase sagrado, como as fotos das pessoas queridas. A fotografia contemporânea não tem nada de familiar" (FREIRE, 1994, p.134). Como compreender o vivido tão rapidamente? E a história por detrás dos objetos que coexistem comigo, cuja presença constitui desejos, sentimentos, percepção, memória e ancestralidade?

Como alimentar meu passado se a experiência que atualiza não se encontra na memória individual do sujeito que, diante da possibilidade de consumir tudo ao mesmo tempo, mergulha no possível provável, mas interessado nas possibilidades cuja previsão está no consumo absurdo das imagens técnicas, que dizem pouco ou quase nada da realidade?

Freire afirma que:

A fotografia, especialmente através dos retratos, é também um refúgio da aura. É como se aguardássemos magicamente que os personagens pudessem nos devolver um olhar. Dentro desse universo onde o tempo se sustenta na vivência de um presente contínuo, como se daria a experiência com o passado, através dos seus testemunhos materiais, dos objetos que guardam alguns vestígios (CRISTINA FREIRE, 1994, p.)

O reconhecimento de um determinado objeto está no modo como relaciono os fatos vivenciados às coisas que coexistem comigo, e que podem significar muito, à medida que vou aos poucos me identificando com essas coisas. Nossos sentimentos são pautados pela troca com as coisas e com o outro. De outro modo, abrindo mão de "reconhecer-se integralmente nos objetos que testemunham histórias, sem a possibilidade de narrar, de compartilhar com seus semelhantes suas experiências de vida, o sujeito empobrece" (FREIRE, 1994, p.137). Perdem-se, sobretudo, as possibilidades de alargar nossa memória.

Buscam-se respostas acerca do que nos parece estranho, isto é, recorremos ao nosso arquivo mental pedindo auxílio à memória.

Entretanto, as imagens que chegam à consciência são imagens invisíveis, que tentamos sem sucesso materializar, porque estamos acostumados a seguir parâmetros sustentáveis à percepção do outro. Há, sobretudo, segundo Senra (2018), certo distanciamento entre o real e o imaginário. É importante ressaltar que esse outro, que acabamos de mencionar, também é revisitado por imagens memoráveis "dessa parte invisível de nosso corpo que nós mesmos fazemos nascer e que, sem reflexo sobre nós, busca sem esperança transformar sua própria obscuridade em mundo visível" (SENRA, 2010, p.208).

Senra entende que:

A memória nos ensina a manipulação do tempo como imagem pela subtração de nosso corpo real – imagem que é ao mesmo tempo invisível e apenas nossa. Nossa vida interior, assim como nossa memória, parece solitária, escondida, secretamente individual (STELLA SENRA, 2010, p.)

Segundo Vaz (2010), é possível criar nossas próprias narrativas, utilizando nosso repertório imagético retido na memória.

O espectador que desconhece os caminhos da História da Arte pode fazer uma leitura despreocupada diante de um objeto de arte. Sem um ponto de partida, o espectador usa como referência sua própria história de vida. Não há limites para a reconstrução, que varia de conformidade com o repertório iconográfico de cada sujeito interceptado pela imagem" (Vaz, 2010, p.195).

O que vemos no mapa da imaginação são imagens particulares que tentamos materializar, mas procuramos sempre o equilíbrio entre as imagens que temos em mente e o objeto exposto no espaço. Isso acontece quando não possuímos informações concretas de determinado fato ou coisa. O que eu entendo é que a pintura, a escultura, a pessoa ou objeto fotografado nada mais é que uma representação simbólica da realidade. Existem diferenças que separam o real do imaginário, mas como classificar esses objetos? Como estabelecer um diálogo promissor? Ou seja, "o leitor menos informado estaria apto a ver, interpretar e fazer suas próprias inferências"? O olhar do leitor investe na imagem do outro, presente na fotografia, enquanto o sujeito fotografado instiga no leitor a investigação de si mesmo, constatada a diferença entre os dois. Um depende da força de indagação do outro, tratando-se de uma dependência compactuada entre os dois sujeitos que demonstram a mútua necessidade do outro para a compreensão e o reconhecimento de si próprio (PAULO BERNARDO VAZ, 2010, p.)

A princípio, porque a consciência nos faz crer que o passado está constantemente dialogando com o presente, isto é, meu passado se atualiza, à medida que vou experimentando e me relacionando com as coisas e com o outro, estou em constante processo de mudança.

Mas, por se tratar de uma questão ligada, sobretudo, ao ser humano, a linha de pensamento foi se alargando acerca do tema proposto, visto que em nosso último trabalho foram feitas algumas observações sobre o fenômeno passado. Mas aqui, nossa preocupação é compreender esse fenômeno e as reações que ele pode causar no corpo e nas coisas. Porém, procurou-se ao mesmo tempo orientar o pensamento do poder da natureza sobre as coisas como um todo.

Nossa leitura sobre Bergson foi importante para compreender o fluxo da vida como movimento substancial para a evolução do ser humano. Para tanto, apontamos para dois vértices: a) Quando estou diante de um objeto imóvel, minha percepção muda intensamente dependendo do meu ângulo de visão. Ou seja, nosso julgamento de que um determinado objeto pudesse conservar suas características independentemente das influências do tempo é absurdo. Segundo Bergson, nossa memória é capaz de registrar as ocorrências. Desse modo, nossas ações, ou seja, cada gesto, olhar, movimento, ou coisa percebida, equivale a um registro memorável, que inevitavelmente abre espaço para outras ações. Pois o conceito de velocidade na contemporaneidade configura o que seria o avesso do que conhecemos como tempo real: passageiro, decorrido, transitório, sucessivo, periódico, momentâneo, ativo, etc. Por outro lado, o vivido vai aos poucos se fragmentando na imediaticidade do tempo tecnológico.

Enquanto avançamos em nossa leitura, avistamos portas e dezenas de interrogações. Entende-se com isso que a nossa imaginação é fragmentada, mas ao mesmo tempo aberta e cheia de possibilidades construtivas. Portanto, a história por detrás de um retrato, pintura, escultura, fotografia ou desenho pode sofrer alterações. Trata-se de possibilidades à própria narrativa.

É verdade que foram feitas comparações possíveis em busca de respostas que, às vezes, chegam à luz da consciência como parte da nossa própria realidade visível nos objetos que coexistem conosco. Reflexo do que nos é familiar.

Nossas descobertas até aqui foram acerca de um corpo que se atualiza no presente, mas olhando para o seu passado, independente das provocações que sofre em sua jornada, cuja essência está unicamente em evoluir, sobretudo, na vivência com as coisas e com o outro.

Entende-se que vivência também é troca, por outro lado, encontramos no artigo de Vaz uma passagem que põe em via de questionamento o conceito de troca em sociedade, à medida que as diferenças sociais podem interferir na evolução do sujeito. Essa realidade, vale ressaltar, teve nossa atenção, mas seguir por esse caminho mudaria o curso desta pesquisa. Isto é, nossa consciência está ali fazendo c

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