Crimes de Ódio e Violência: Uma Análise Crítica e Multidimensional

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A Violência como Fenómeno Multidimensional

A violência deve ser abordada como uma perspetiva teórica, configurando um circuito entre a esfera doméstica e a esfera pública. Este circuito envolve uma circulação de comportamentos dos domínios privado e público, sendo o espaço doméstico uma esfera de múltiplas formas de violência. Toda a violência é, em sua essência, psicológica, seja ela física ou emocional. Representa uma disfunção de poder e uma exploração da vulnerabilidade alheia.

Violência Doméstica e Pública: Um Circuito Contínuo

No entanto, existe uma democracia que atua perante a tolerância e a diminuição dos conflitos, criando, paradoxalmente, a sua própria dinâmica de violência. É importante realçar que, independentemente do papel que as pessoas ocupam na sociedade, em todas as épocas houve racismo e homofobia. Vivemos numa democracia cultural e num contexto de multiculturalismo, ou seja, uma comunidade composta por várias comunidades, onde se preconiza a igualdade de direitos e liberdade, numa sociedade integradora.

A Visibilidade da Violência: Género e Outras Formas

No caso da violência, as mulheres denunciam mais os atos de violência, sendo frequentemente alvo de violência unilateral.

A sociedade tem maior consciência da violência racial, homossexual, entre outras, porque estas questões passaram a integrar a agenda política e jurídica dos conflitos de identidade. Contudo, enquanto no espaço público há uma crescente consciência da violência, o espaço doméstico emerge como uma nova arena de conflito.

Crimes de Ódio: Definição, Manifestações e Desafios

Na sociedade patriarcal, a mulher não podia ser a face possível do prazer, pois o objetivo era que o homem comandasse a mulher. Embora, nos dias de hoje, numa sociedade mais moderna, esta dinâmica não funcione da mesma forma – cada um tem o seu espaço e a tecnologia alterou a sociedade – tal como na esfera pública, a questão de género pode ser causa de conflitos de identidade. Estes conflitos geram hostilidade e violência, recebendo a designação de crimes de ódio.

Da Hostilidade ao Crime: A Natureza da Discriminação

A sociedade contemporânea é, em muitos aspetos, mais violenta. Vivemos numa democracia cultural, um sistema político que valoriza tanto as igualdades quanto as diferenças individuais. A nossa arena democrática é, por vezes, uma arena de conflitos de identidade. O ódio representa um problema significativo. Em psicologia, não se pode generalizar, mas o ódio surge quando se deseja destruir o outro; existem motivações para a hostilidade ou mesmo a violência contra a integridade alheia. A discriminação, quando se torna criminosa, transita do domínio da hostilidade para o crime.

O termo 'crime de ódio' é frequentemente aplicado a todas as formas de expressão de opinião que incitam à hostilidade. A problemática do conceito de ódio reside na potencial criação de uma vigilância ideológica.

Formas de Violência Discriminatória e Exemplos

A violência discriminatória manifesta-se de três formas principais:

  • Agressão física contra o outro;
  • Segregação;
  • Discurso de ódio ou ofensa odiosa.

É considerado crime não só por incitar ao ódio, mas também por ser uma manifestação expressa de ódio, como a agressão. Por exemplo, tirar o véu a uma mulher muçulmana é uma forma de agressão. O desafio reside em lidar com a diferença; só podemos combater os problemas relacionados com a diferença se soubermos lidar com as questões inerentes a essa mesma diferença.

Crimes de Ódio Não Reconhecidos: Bullying e Párias Sociais

Os crimes de ódio ocorrem de facto no espaço privado das pessoas, mas a literatura nem sempre aborda explicitamente essa realidade. Por exemplo, o bullying, embora implique sempre a exploração da vulnerabilidade da vítima, não é consistentemente considerado na categoria de crime de ódio. Da mesma forma, a violência contra párias sociais, como os sem-abrigo, são outros crimes de ódio que frequentemente não são reconhecidos como tal.

A Especificidade da Violência de Género

Contudo, corremos o risco de perder de vista a especificidade da violência de género se considerarmos que a violência contra a mulher é igual à violência baseada na identidade racial, homossexual, etc.

Tipologias e Motivações dos Crimes de Ódio

O livro Hate Crime (1993) identifica quatro tipos de motivações para crimes de ódio:

  1. Crime de ódio por impulso: Sem uma razão aparente, motivado apenas pelo desejo de agredir e ofender o outro.
  2. Crime defensivo: A violência é justificada pela perceção de ameaça de outros grupos (ex: 'defender o bairro do avanço negro'), configurando uma violência preventiva ou autodefesa. O racismo é frequentemente usado como justificação para este tipo de crime.
  3. Crime de ódio retaliatório: Justificado como resposta a uma ameaça percebida ou interpretada vinda de outro grupo, também com um caráter preventivo.
  4. Crime de ódio por missão: Também conhecido como terrorismo de ódio, que consiste num atentado planeado contra a identidade do outro.

Crítica à Tipologia: Frustração, Medo e a Visão Psicológica

Argumenta-se, contudo, que as motivações 2, 3 e 4 não constituem uma verdadeira tipologia, sendo consideradas 'falsas motivações'. Elas não implicam a demarcação de atitudes, traços ou personalidade, ao contrário da primeira motivação, que é verdadeiramente tipológica por envolver uma vontade impulsiva de agredir violentamente o outro. Assim, é difícil considerá-las demarcações distintas, pois tendem a sobrepor-se.

A verdadeira motivação para o ódio, independentemente da identidade do outro, reside sempre na confluência de duas situações: a frustração, que leva à tentativa de inferiorizar o outro, e o medo. O ódio é a expressão do medo e da frustração. O ódio nem sempre se manifesta de forma explicitamente 'odiosa'; odiamos sempre que beneficiamos da destruição de alguém. É precisamente perante a complexidade destes conceitos, neste 'caos de ódio', que um psicólogo deve adotar uma visão crítica.

Ao considerar todos estes atos como crimes de ódio, a tipologia pode ser criticada em dois níveis: pela fragilidade na separação das motivações e, mais importante, pela necessidade de ir além da mera categorização para compreender os problemas das pessoas com a identidade do outro, e de estabelecer uma marca categórica para as diferentes manifestações em termos de grau e intensidade. É fundamental, contudo, compreender o que leva as pessoas, numa sociedade de intolerância e integração, a desenvolverem problemas com a identidade alheia. A tolerância e a intolerância são as duas faces da sociedade contemporânea, e esta dicotomia deve ser um ponto central de reflexão para o psicólogo.

Perspetivas Analíticas sobre o Conceito de Ódio

A análise baseia-se em quatro perspetivas principais:

  1. A compreensão do uso ideológico da ideia de crime de ódio, que nem sempre é sustentada por uma perspetiva analítica rigorosa, sugerindo que a discriminação não é apenas dirigida ao outro, mas pode ser intrínseca à construção ideológica do 'outro';
  2. A perspetiva multidimensional, que explora a interação entre a esfera privada e a esfera pública;
  3. A própria definição do conceito de ódio, que muitas vezes se manifesta no benefício com o mal alheio;
  4. A quarta perspetiva, designada por 'consequência', que argumenta que o foco deve estar na dificuldade de lidar com a diferença do outro, e não apenas na categorização como 'crime de ódio', sugerindo uma falta de preocupação genuína com a raiz do problema.

As sérias consequências da dificuldade de certas pessoas e grupos em lidar com a diferença alheia não podem ser subestimadas. Este tipo de violência não deve ser considerado mais ou menos 'ódio' do que outras formas de violência.

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