A Crise do Antigo Regime e a Constituição de Cádis de 1812
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O Antigo Regime e as Reformas de Carlos III (Século XVIII)
A forma de governo da Espanha no século XVIII era baseada na monarquia absoluta. O sucessor de Fernando VI foi Carlos III (segunda metade do século XVIII). Durante seu reinado, ocorreram várias mudanças, tanto na organização política quanto na econômica, influenciadas pelo Iluminismo e visando melhorar a situação econômica da monarquia. As reformas foram feitas no comércio, agricultura e produção, seguindo princípios que misturavam o mercantilismo e o liberalismo, mas com algumas limitações típicas do Antigo Regime (AR).
A Sociedade e a Economia no Século XVIII
A população espanhola aumentou significativamente durante o século XVIII. Este crescimento foi desigual, com maior aumento na periferia do que no interior peninsular. Este aumento deveu-se ao declínio das crises de subsistência, ao progresso econômico, aos avanços na medicina, ao declínio das guerras e ao aumento da taxa de natalidade através de políticas de apoio do rei. A agricultura manteve-se como a base da economia e o regime feudal persistiu.
Problemas e Inovações na Agricultura
As colheitas eram muito baixas devido aos seguintes problemas:
- Uma parte importante da superfície estava amortizada (vinculada), o que dificultava as melhorias técnicas.
- A má qualidade da terra e questões climáticas.
- Os altos impostos a serem pagos pelos agricultores.
Esta situação de pobreza causava o aumento dos preços dos alimentos. Para resolver estes problemas, foram introduzidas várias inovações, tais como:
- A disseminação de novas culturas (milho, batata, etc.).
- A construção de obras de irrigação.
- A liberdade de comércio de alguns produtos.
- A remoção de alguns privilégios da Mesta.
- O reflorestamento, como na Serra Morena.
Indústria e Comércio
A indústria era pequena e orientada para o mercado local. No início do século XVIII, o tipo predominante era a oficina controlada por corporações de ofício. Carlos III tentou incentivar o desenvolvimento da indústria através das seguintes medidas:
- Aplicação de medidas protecionistas que permitissem o desenvolvimento da manufatura nacional.
- Proibição de importação.
- Criação de artigos públicos, chamados Reais Fábricas, orientados para a produção de objetos de propriedade real.
- Incentivo à iniciativa privada, redução de privilégios sindicais e declaração de todas as profissões como honestas.
A Catalunha foi o território que mais lucros obteve, pois a população tinha recursos suficientes para aumentar o consumo e o investimento. Na costa, desenvolveu-se a agricultura especializada no cultivo de vinhas e produção de aguardente, e no interior, a produção de lã. Além disso, a indústria algodoeira aumentou.
O comércio aumentou significativamente devido ao crescimento econômico, demográfico e à política mercantilista. Afetou tanto o comércio interno quanto o externo.
- Comércio Interno: Foi afetado por problemas como infraestrutura de transporte deficiente e muitos costumes e portagens (pedágios). Tentou-se melhorar as estradas e suprimir costumes e portagens, mas sem muito sucesso.
- Comércio Externo: Baseava-se na importação de manufaturas e na exportação de matérias-primas e géneros alimentícios.
A monarquia espanhola pretendia reviver o comércio americano e, para isso, precisava de um novo modelo de organização das relações com a América. Adotou as seguintes medidas: a abolição do sistema de frotas (1735) e a criação de empresas comerciais com privilégios para operar em um território, mas que foram ineficazes. Após o fracasso, adotou-se uma política de liberalização do comércio norte-americano, que beneficiou a Catalunha e a Andaluzia.
Apesar das reformas, a Espanha continuou com o modelo social do Antigo Regime. A sociedade era dividida em estados (estamentos), com pouca mobilidade social. O Despotismo Esclarecido influenciou a forma de governo dos monarcas, mas não a mudou completamente, e a base econômica da produção agrícola e o sistema feudal permaneceram. Em conclusão, as medidas tomadas por Carlos III, promovidas pelo Iluminismo, representaram uma melhoria significativa na economia espanhola. Começou o desenvolvimento da propriedade privada e ocorreram algumas desamortizações. A agricultura não mudou drasticamente, apenas houve algumas reformas, e algumas regiões, como a Catalunha, beneficiaram-se do desenvolvimento da indústria. Estes recursos seriam a fonte do capitalismo liberal em fases posteriores.
A Guerra da Independência e o Início da Revolução Liberal
A invasão francesa e a revolução liberal começaram quase ao mesmo tempo, levando à criação da Junta Central, uma forma de governo estabelecida nas localidades, na ausência do rei, que se rebelou contra os invasores. A Junta convocou as Cortes "gerais e extraordinárias", e assim, a revolução adotou uma forma jurídica. Esta iniciativa criou as Cortes de Cádis, que levariam à primeira Constituição espanhola, em 1812, apelidada de La Pepa. O trabalho das Cortes representou uma ruptura com o Absolutismo, pois revogou a sociedade estamental, o sistema feudal e o poder autocrático do rei.
As Cortes de Cádis e a Composição dos Deputados
A eleição dos membros era uma tarefa de difícil execução, uma vez que o país estava em guerra, o que impediu a chegada de muitos a Cádis. Entre os membros, havia diferentes sensibilidades:
- Os defensores de não tocar no regime absolutista (Absolutistas).
- Aqueles que queriam um regime intermédio, resultante da união da monarquia absoluta e da constituição (Reformistas).
- Os Liberais, que queriam uma única câmara para assumir a soberania e desenvolver uma constituição nacional.
A maioria dos membros era liberal, pois Cádis era um importante centro comercial e uma das cidades mais avançadas e abertas da Europa, onde os liberais tinham poder suficiente. Os deputados incluíam representantes das antigas propriedades, da classe média urbana, servidores do Estado, comerciantes e profissionais liberais.
O Trabalho Legislativo e a Constituição de 1812
Antes de elaborar a Constituição, as Cortes realizaram um importante trabalho legislativo para começar a abolir o sistema absolutista. As primeiras medidas incluíram:
- A soberania reside no povo (as Cortes assumem esta representação).
- Proclamação da igualdade perante a lei.
- Extensão dos direitos aos habitantes das colônias.
Também foi realizada uma série de reformas, como a liberdade de imprensa, a abolição dos direitos feudais e das corporações (sindicatos), a liberdade de trabalho, produção, indústria e comércio, além de reformas fiscais (hacendísticas).
No entanto, o trabalho fundamental das Cortes foi a criação da Constituição, promulgada em 19 de março de 1812. Ela afirmava o espírito revolucionário dos liberais e era um legado da Revolução Francesa de 1789. Entre os pontos mais importantes incorporados na Constituição, destacam-se:
- Soberania Nacional: A nação era representada pelas Cortes, que detinham a soberania.
- Igualdade perante a Lei: Para todos os cidadãos em ambos os hemisférios.
- Divisão de Poderes: Executivo (Rei), Legislativo (Cortes) e Judicial (Juízes).
- Religião Oficial: A religião católica como a única verdadeira e o estado confessional.
- Sufrágio Universal: Para a eleição do Parlamento (apenas para homens e com certas restrições de renda).
- Criação da Milícia Nacional: Para a defesa do sistema constitucional.
- Monarquia Moderada: O rei era limitado pela Constituição.
- Liberdade Econômica: Medidas para reduzir os privilégios da Mesta e um programa de desamortização de propriedades coletivas ou de "mãos mortas".
O Legado da Constituição de Cádis
O trabalho das Cortes foi extremamente importante para a revolução, especialmente com a criação da Constituição. Mas esta Constituição teve vida curta e foi pouco conhecida do público. A Constituição teve pouco espaço, devido à situação de guerra no início e, após a vitória sobre os franceses, ao retorno ao absolutismo e à revogação de toda a obra revolucionária por Fernando VII.
O progresso liberal deste momento, contudo, contribuiu para toda a luta do século XIX para acabar com o regime absolutista, sendo retomado em períodos curtos, como o Triênio Liberal, durante o reinado de Fernando VII.