Crise Socioambiental: Desigualdades e Lutas Populares
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A Conexão Entre Degradação Ambiental e Social
Uma das coisas que o olhar ecológico ajudou a evidenciar foi a estreita conexão entre os processos naturais de degradação ambiental e os modos sociais de uso dos recursos naturais. O que passou a constituir-se como problemática socioambiental decorre de uma noção de meio ambiente que colocou a ação humana e a história no centro do processo de conhecimento. Desse ponto de vista, os problemas ambientais são o testemunho vivo de uma racionalidade, cuja expressão econômica encontra seu modelo mais acabado no capitalismo industrial.
Tem crescido a consciência de que, mais que efeitos colaterais do desenvolvimento, os enormes riscos ambientais que afetam a vida de inúmeras populações são a essência do modelo de desenvolvimento social e econômico que conhecemos. Assim, os problemas ambientais ameaçam não apenas o futuro físico do planeta, mas, em igual intensidade, questionam o futuro dos valores de nossa sociedade e apontam para a necessidade de uma profunda reorientação nos modos socialmente construídos de conhecer e de se relacionar com a natureza. Nesse sentido, a crise ambiental vem se impondo como um problema que começa a ser levado a sério pelos governos e pelas populações porque está pondo concretamente em risco a vida de muita gente.
A Crise Ambiental como Crise de Relações Sociais
Muitas vezes a crise ambiental é também a crise de um conjunto de relações sociais. Os problemas ambientais denunciam desigualdades profundas no acesso das populações aos recursos da natureza e às boas condições ambientais. As lutas de comunidades em torno de saneamento básico, remoção de depósitos de lixo de áreas densamente povoadas e despoluição de mananciais são alguns exemplos disso.
Lutas Populares por Justiça Ambiental no Brasil
Embora o direito a um meio ambiente saudável esteja garantido na Constituição brasileira, na vida das populações menos favorecidas esta é uma condição a ser duramente conquistada. É isto o que mostram as experiências populares de luta pelo meio ambiente. Lutas como a dos ribeirinhos amazônicos de Tefé, que classificaram e definiram diferentes graus de utilização dos lagos e reivindicam a democratização do acesso às águas.
Usando a expressão “reforma aquática”, esses ribeirinhos tentam impedir práticas de pesca predatória com o “empate aquático”. Estão levando a experiência de luta dos seringueiros na defesa da floresta para a sua luta na defesa dos rios. Foram os seringueiros liderados por Chico Mendes que criaram o “empate” para resistir à derrubada da floresta amazônica pelas grandes madeireiras. O empate surgiu como uma resistência pacífica, na qual os seringueiros e suas famílias cercam a área a ser desmatada e, com sua presença física, impedem a derrubada de árvores que destruiria o seringal. Chamou-se essa ação de “empate” porque é uma forma de criar um obstáculo ou, em linguagem popular, “empatar” o desmatamento.
Outras Experiências de Resistência
Entre outras lutas ambientais populares estão:
- A das quebradeiras de coco babaçu;
- A das reservas extrativistas;
- As formas peculiares de uso da terra como um bem ambiental coletivo, que são os fundos de pasto no Nordeste ou os faxinais no Sul.
Estas e outras tantas práticas populares deveriam ser levadas em conta quando pensamos em modelos alternativos e sustentáveis de gestão ambiental.
Desafios Globais e a Necessidade de uma Nova Visão
Em termos globais, também é possível traçar um mapa dos benefícios e dos prejuízos ambientais, verificando como essa distribuição afeta desigualmente as sociedades. É bem verdade que há vários processos em curso, como o aquecimento global, a progressiva escassez de água limpa ou o esgotamento dos solos férteis, que, no limite, podem pôr em risco a sobrevivência de todos.
Contudo, mesmo diante da gravidade dessas situações de risco globais, assistimos a uma dura negociação internacional na qual os países mais poluidores são, também, os mais ricos e com maior força política. Disto decorre que, nos fóruns de decisão internacional, esses países têm buscado ganhar tempo, adiando medidas drásticas que implicariam uma real conversão de seu modelo econômico e tecnológico.
Construindo um Novo Consenso Social
Para enfrentar essa problemática sem ficar andando em círculos, é preciso mudar as lentes, sair da lógica que as produziu e construir um novo conhecimento e um novo consenso social que, de fato, reconheça a vida e o meio ambiente como um direito de todos, sem restrições.
Para isso, é preciso começar superando as visões parciais e especializadas, compreendendo as complexas interações entre os processos econômicos, políticos, históricos, biológicos e geográficos que estão gerando esses problemas. Por essa razão, as equipes que estudam os problemas ambientais são, em sua maioria, compostas de profissionais de várias áreas atuando em conjunto.
Entretanto, mudar de lentes não é coisa simples. Em termos sociais e históricos, exige uma grande humildade para abandonar a lógica da acumulação econômica, que tem definido as formas de apropriação dos recursos naturais nos últimos séculos. Do mesmo modo, uma mudança consequente neste momento não se dará sem a adoção de valores éticos e solidários na base das relações sociais e das relações das sociedades com a natureza.
Para aprendermos a lição que os problemas ambientais nos ensinam e avançarmos em direção a uma relação mais autêntica com o mundo da vida em sua complexidade, temos de treinar o olhar para ver o mundo de um novo lugar. A interdisciplinaridade é um desses novos lugares, que se estão construindo como uma maneira diferente de compreender as relações entre os seres humanos e a natureza.