Crises do Papel e a Evolução do Jornalismo Brasileiro

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Crises do Papel: O Calcanhar de Aquiles da Imprensa Brasileira

Durante toda a história da imprensa brasileira sempre houve um calcanhar de Aquiles: o papel. A matéria-prima básica para a existência do jornal sempre foi um problema, seja pela incapacidade de fabricação no Brasil no início do século XX, pela baixa qualidade do produto nacional, ou pela grande diferença de preço do produto importado. O custo e acesso ao papel sempre foram o principal meio de controle da imprensa pelo governo brasileiro.

A importação era a saída única durante muitos anos, e ela dependia de isenções fiscais que, por sua vez, dependiam dos humores dos governantes. Foi no IV Congresso Nacional de Jornalistas, como conta Nelson Werneck Sodré, que Orlando Bonfim verificou uma tendência a tornar inacessível aos jornais mais pobres esse elemento essencial.

O estudo foi divulgado em 1955, ano que marcou o início de um genocídio de periódicos. Em 1954, o país havia importado 126.300 toneladas métricas do produto e, no ano seguinte, apenas 82 mil, o que representava 68% do ano anterior.

Na ocasião, iniciava-se uma brutal mudança cambial que fazia com que os jornais pequenos diminuíssem suas tiragens, páginas, pessoal, salários e até mesmo bens para continuarem saindo da gráfica. Mais adiante, o ministro da Fazenda Lucas Lopes empregou o Programa de Estabilização Monetária e acabou dando início à limitação de importação do produto, que estava assegurada, na época, pela Lei nº 1.386, de 1951. Isto favoreceu a concentração de renda entre os jornais mais fortes, que poderiam arcar com os custos altos.

Do período de 1943 a 1963, antes do golpe, o preço do papel subiu 5.744%. Isso se deve basicamente ao câmbio e ao dólar-imprensa, que em 1958 custava CR$ 18,82 e passou para CR$ 1.690 em 11 de agosto de 1963. A situação foi agravada com o fim do câmbio preferencial para a importação do papel e também o fim do subsídio à fabricação nacional, em 1961.

A primeira voz a denunciar as consequências da concentração foi o Senador José Ermírio de Moraes. Ele, um político nacionalista, falou o que a imprensa não queria ouvir: a concentração do papel nas mãos dos jornais grandes causava uma grande evasão de divisas, já que estes publicavam 150 páginas, das quais 110 eram de anúncios. Além disso, os assuntos abordados em capa e muita coisa do miolo tratavam de temas internacionais, o que demonstrava que o governo estava pagando por papel para manter a publicidade e os monopólios das agências internacionais. Ele ainda citava, como comparação, que nos jornais estrangeiros, que em geral tinham 32 páginas, apenas 10% eram dedicadas à publicidade, e não 80% como no caso brasileiro. Ele propôs um projeto para corrigir esta disparidade, mas que não foi adiante por pressão, dentre outros, da ABI, que defendeu o lado dos donos de jornal.

De fato, isto comprovou que os jornais brasileiros eram, ao mesmo tempo, manipulados pelo governo, através da proteção cambial, e pelo capital internacional, através da publicidade.

Foram vários os jornalistas afastados, demitidos ou compelidos a não publicar matérias com críticas aos EUA. A situação piora quando se considera que o salário de um redator, em 1944, era de cinco salários mínimos e, em 1957, era de 2,6 salários mínimos. Dessa forma, os profissionais mal pagos não conseguiam resistir às pressões de seu chefe, que por sua vez também era pressionado.

David Nasser, em 15 de outubro de 1965, declarou em entrevista à revista Manchete: “Eu resolvi me emancipar porque cheguei à seguinte conclusão: no Brasil, nunca houve, na realidade, liberdade de imprensa. O que existe e sempre existiu é a opinião do dono do jornal. Ora, a minha opinião nem sempre coincidia com a do meu patrão e eu era despedido. Então eu resolvi ser rico, para poder ter opinião como jornalista. No jornalismo, como vocês sabem, só se faz fortuna sendo 'picareta' ou então alugando a opinião.”

Chegou-se ao ponto de se criar uma CPI para investigar o financiamento privilegiado de meios de comunicação, como os Diários Associados e a Rede Globo.

Mas a situação do papel pouco mudou no resto dos anos 60 e início dos 70. Ainda pressionados pelos dois lados, os meios de comunicação, depois do AI-5, se viram na difícil situação de ter um censor oficial em seus gabinetes ou adotar a autocensura. Quase todos optaram pela última opção. O grau de pensamento crítico na imprensa diminuiu muito. Em 1968, apenas seis publicações resistiam: Correio da Manhã (RJ), Zero Hora (RS), Fatos e Fotos (RJ), Folha da Tarde (SP), Última Hora (SP) e Veja (SP), sendo que os dois veículos mais novos haviam sido idealizados por Mino Carta. Mas todos eles foram vencidos com o Ato Institucional.

A situação estava se encaminhando para uma crise definitiva, que ocorreria em 1974. Neste ano, aconteceu a primeira crise do petróleo, que destruiria o Milagre Econômico e forçaria a ditadura a uma abertura, forçada pela humilhante derrota nas urnas, que também acarretaria a crise do papel canadense. Quando o preço do produto importado da América do Norte subiu de US$ 171 a tonelada para US$ 320, um aumento, para o produtor, de 187%.

Até este ano, a crise já havia vitimado um número incontável de jornais pequenos e também grandes jornais, como O Correio da Manhã, O Jornal, O Diário Carioca, dentre outros títulos marcantes na imprensa brasileira.

Mas, em 1974, o desafio era radical. Não haviam acontecido investimentos na produção nacional, que era feita pela empresa Klabin. Isto acontecia porque não havia um aumento significativo na demanda interna, ou seja, de leitores. Na época, a taxa de alfabetização crescia 2% ao ano, enquanto a de urbanização, 7%. Tal disparidade fazia com que cada brasileiro consumisse 16 quilos de papel por ano, enquanto cada argentino consumia 40.

Alberto Dines, na época da crise, ao mesmo tempo questionava e apontava as tendências do pós-crise: “Mas se o negócio do jornalismo é caro, se a informação isenta e imparcial deve ser valorizada por um preço, este preço tem de ser enfrentado, não pode ser escamoteado ao público. O leitor só reage ao aumento de preço de venda avulsa quando sente que o jornal não vale, quando percebe que os anúncios compram a opinião, e que esta se põe a serviço do poder.”

A Concentração e a Nova Era do Jornalismo

Ou seja, o futuro apontava para o fim definitivo do jornalismo aliado a um único pensamento ou vertente política. Por falta de mais leitores, todos eram o alvo de todos os jornais e revistas. A informação deveria ser isenta e de qualidade, para abranger todas as tendências, e, ainda assim, seria necessária toda uma nova estratégia para competir com o meio dominante: a televisão.

Aqueles jornais que ainda não haviam feito esta transição, o fizeram rapidamente ou desapareceram, canibalizados pelos concorrentes. Mas, ao contrário do que ocorreu nos anos 50 e 60, esta nova e maior concentração da informação não valorizou nem a publicidade nem tampouco os interesses internos e externos, que não desapareceram, mas sim o próprio público leitor. Para se manterem os preços de capa baixos, eram necessárias tiragens muito maiores do que as que antes mantinham a empresa jornalística.

Na competição com a televisão pela massa, os jornais foram obrigados a se especializarem em passar melhor a informação em um espaço mais curto, já que o papel era caro, e o apelo visual da notícia, com fotos, ilustrações e gráficos, foi aumentado para criar uma comunicação não-verbal mais forte com os possíveis leitores semi-alfabetizados.

No caso dos jornais, eles copiaram a fórmula vencedora das revistas de publicações direcionadas, criando novos cadernos. Até a comunicação direta através do humor, bem-sucedida na imprensa nanica, foi agregada aos cadernos de jornais. Essa nova postura fez as publicações sobreviverem por mais duas décadas.

A Greve de 1979: Um Golpe Auto-Infligido pelos Jornalistas

Uma das boas consequências da crise de 1974 foi a valorização, sem precedentes, do profissional jornalista. Nesta época, o piso salarial da categoria chegou a ser o segundo mais alto do país. As redações aumentaram, pois era necessário ter em seus quadros jornalistas que dialogassem com todos os novos grupos de leitores pretendidos, a fim de pagar os altos custos de publicação. Mas esta situação chegou a um fim inesperado.

No ano de 1979, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo conduziu uma greve desastrosa, hoje chamada de suicida.

Os jornalistas cruzaram os braços sem o apoio dos gráficos, os profissionais que trabalhavam na impressão dos periódicos. Isto fez com que os jornais continuassem a ser impressos e, consequentemente, o dinheiro dos anúncios continuava entrando.

A greve foi decretada por aclamação em uma plenária tumultuadíssima na Igreja da Consolação. Os votos contra e a favor foram decididos no grito, dada a impossibilidade de se fazer a contagem da multidão. Era uma greve que, a princípio, se baseava nas que estavam ocorrendo no ABC.

O jornalista Hélio Moreira da Silva, que estava nesta assembleia, disse em uma palestra proferida na Semana de Comunicação e Letras do Mackenzie, que “aquela foi uma greve 'para se beber'”. Os jornalistas optaram pela paralisação para descansarem. Na porta da Editora Abril, por exemplo, não houve qualquer piquete, já que era a empresa que melhor pagava, o que causou a ira de seus diretores, dada a ilegitimidade da greve.

O efeito gerado foi o oposto. Como os jornais e revistas continuaram funcionando de maneira quase idêntica, mas com muito menos gente, houve um acordo entre os proprietários dos mesmos para o enxugamento das redações, cortando a maioria do pessoal grevista e, com a mão de obra excedente no mercado, congelaram os salários por muito tempo.

Surgiu, no jargão jornalístico, o famoso passaralho, termo utilizado ainda hoje para classificar as demissões coletivas.

A greve ajudou a adiantar em 10 anos uma tendência do jornalismo mundial. A classe dos jornalistas nunca mais se recuperou deste golpe auto-infligido e passou a lutar muito mais para conquistar proporcionalmente menos. E a situação se agravou quando, a partir do final dos anos 80, muitos cursos de jornalismo se consolidaram e aumentaram a concorrência pelas poucas vagas, precarizando as condições de trabalho de tal forma que nem a proibição do estágio, que perdurou por cerca de 20 anos, conseguiu combater.

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