A Crítica da Razão Pura de Kant: Estrutura e Conceitos Chave

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O sistema filosófico de Kant, chamado Filosofia Crítica e Idealismo Transcendental, foi desenvolvido sobretudo na Crítica da Razão Pura. Segundo Kant, o conhecimento exige a distinção de dois tipos de condições:

  • Condições Empíricas: Derivadas da experiência, dependem dos factos, são a posteriori, únicas e contingentes.
  • Condições Transcendentaiss: Anteriores à experiência, dependem do sujeito, são a priori, universais e necessárias.

A ciência moderna é uma síntese equilibrada entre experiência e razão. Kant toma as condições empíricas da experiência e as condições transcendentais da razão.

A Possibilidade dos Juízos Científicos

A primeira questão que Kant aborda em sua obra para justificar o uso teórico da razão (ciência) é: Como são possíveis as proposições científicas? A ciência é um sistema organizado de estudos e propostas (teoremas matemáticos e leis físicas). Quais são as decisões características da ciência?

A lógica distingue os tipos de juízos, dependendo da relação entre sujeito e predicado:

  1. Analíticos: O conceito do predicado está incluído no conceito do sujeito. São tautologias (basta analisar o sujeito para saber que o predicado está incluído nele).
  2. Sintéticos: O conceito do predicado não está incluído no conceito do sujeito.

Estes juízos também se distinguem quanto à sua origem:

  • A Posteriori: A sua verdade é diretamente dependente da experiência. São singulares e contingentes.
  • A Priori: A sua verdade não depende da experiência. São universais e necessárias.

As proposições que promovem o avanço da ciência são os juízos sintéticos a priori.

Estrutura da Crítica da Razão Pura

Na Crítica da Razão Pura, Kant fundamenta o uso teórico da razão, ou seja, o conhecimento científico. O conhecimento humano possui três faculdades principais: Sensibilidade, Entendimento e Razão. A obra está dividida em três partes principais:

  1. Estética Transcendental: Trata das condições transcendentais da sensibilidade.
  2. Analítica Transcendental: Aborda as condições transcendentais do entendimento.
  3. Dialética Transcendental: Preocupa-se com as condições transcendentais da razão, criticando a possibilidade ou impossibilidade da metafísica.

Estética Transcendental: Espaço e Tempo

Na Estética Transcendental, distinguimos dois elementos da sensibilidade:

  • Intuição: A representação de um único objeto de forma direta.
  • Matéria (Conteúdo): A representação do conteúdo.

A sensibilidade distingue entre condições empíricas (que Kant não aborda, pois acredita que correspondem a outras ciências) e condições transcendentais (a priori), que são anteriores à experiência e a tornam possível.

As condições transcendentais da sensibilidade são o Espaço e o Tempo:

  • Formas Puras: O espaço e o tempo não são sensações, mas sim as formas que estruturam toda a sensação (sensibilidade). O espaço e o tempo são o modo como sentimos qualquer situação.
  • A Priori: Espaço e tempo não são sensações derivadas da experiência, mas sim o que a precede.
  • Intuições Puras: O espaço e o tempo são apenas partes de um único espaço e de um único tempo. Nós os conhecemos como intuições, não como conceitos. A intuição pura do espaço é a tridimensionalidade, e a intuição pura do tempo é a sensação de plena regularidade.

Posteriormente, Kant baseia a possibilidade e a validade dos juízos a priori na matemática:

  • A intuição pura do espaço (tridimensionalidade, sem objetos) é desenvolvida conceitualmente na Geometria (ciência do espaço puro e suas propriedades – juízos sintéticos a priori).
  • A intuição pura do tempo (série regular de intervalos) é desenvolvida conceitualmente na Aritmética (ciência que constrói a noção de série e, a partir dela, a noção de número – juízos sintéticos a priori).

Analítica Transcendental: O Entendimento e as Categorias

O Entendimento aborda a compreensão dos fenómenos por meio de conceitos. Os conceitos unem-se em processos de juízo e sentenças, e estas, por sua vez, em fundamentação.

Existem conceitos empíricos, formados a partir de objetos que têm propriedades e através do processo psicológico de abstração. Kant está interessado nas condições transcendentais do conhecimento, relacionadas ao uso de conceitos a priori, que são anteriores à experiência, constituindo a estrutura lógica do sujeito. De acordo com Kant, estes conceitos vêm da espontaneidade do entendimento.

Na Analítica Transcendental, Kant deriva os conceitos puros (ou categorias) a partir das formas de juízo propostas pela lógica. A lógica tem doze formas pelas quais o ser humano faz juízos, ou seja, a possível relação entre sujeito e predicado. A lógica divide as doze formas de juízo de acordo com a Quantidade, Qualidade, Relação e Modalidade:

  1. De Acordo com a Quantidade:
    • Singular: O sujeito é um conceito tomado individualmente (Ex: Este S é P). Categoria correspondente: Totalidade.
    • Particular: O sujeito é um conceito tomado em parte (Ex: Algum S é P). Categoria correspondente: Pluralidade.
    • Universal: O sujeito é um conceito tomado universalmente (Ex: Todos os S são P). Categoria correspondente: Unidade.
  2. De Acordo com a Qualidade:
    • Afirmativa: A realidade é indicada como predicado de um sujeito (Ex: S é P). Categoria correspondente: Realidade.
    • Negativa: (Ex: S não é P). Categoria correspondente: Negação.
    • Infinita: A intenção é excluir a lógica de predicados (Ex: S não-P). Categoria correspondente: Limitação.
  3. De Acordo com a Relação:
    • Categórica: O predicado é alegado incondicionalmente de um sujeito (Ex: S tem a propriedade P). Categoria correspondente: Substância e Acidente.
    • Hipotética: O predicado é dito condicionalmente de um sujeito (Ex: Se S existe, então P é dado). Categoria correspondente: Causalidade.
    • Disjuntiva: Alterna-se entre dois ou mais predicados de um sujeito (Ex: S é P ou Q ou R). Categoria correspondente: Comunidade (ou Interação).
  4. De Acordo com a Modalidade:
    • Problemática: Diz um sujeito e um predicado possível, mas não certo (Ex: S pode ser P). Categoria correspondente: Possibilidade/Impossibilidade.
    • Assertórica: Diz que um predicado de um sujeito é efetivo, ou seja, dado, mas não necessariamente determinado (Ex: S é P). Categoria correspondente: Existência/Não-Existência.
    • Apodítica: Diz que um predicado de um sujeito é necessário (Ex: Necessariamente S é P). Categoria correspondente: Necessidade/Contingência.

Dialética Transcendental: A Crítica à Metafísica

A Dialética Transcendental mantém-se dentro dos limites da experiência e do uso correto das categorias (cujo conhecimento é válido ou científico). No entanto, a Razão tende a ir além dos limites da experiência e usa as categorias para o projeto de síntese incondicional especulativa. Kant questiona se a Metafísica é uma ciência, ou seja, se são possíveis juízos sintéticos a priori na Metafísica.

As três ideias especulativas mais gerais da Metafísica são:

  1. A Alma (síntese incondicionada de toda a experiência interna).
  2. O Universo (síntese incondicionada de toda a experiência externa).
  3. Deus (síntese incondicionada de todas as experiências internas e externas).

Kant dedica uma seção da Dialética Transcendental à crítica de cada uma dessas ideias:

  • A Psicologia Racional critica a ideia metafísica da Alma. Apresenta os chamados Paralogismos (argumentos errados que usam premissas maiores e menores de forma incorreta ao aplicar categorias da experiência interna fora do tempo).
  • A Cosmologia Racional critica a ideia metafísica do Universo. Apresenta as chamadas Antinomias (contradições onde se pode demonstrar uma proposição e a sua contrária com o mesmo valor probatório). Isso ocorre quando se fazem proposições metafísicas sobre o universo (Ex: O universo tem ou não tem início no tempo e limites no espaço; a matéria é ou não é infinitamente divisível).
  • A Teologia Racional critica a ideia metafísica de Deus. Ao fazer proposições metafísicas sobre Deus, incorremos em erros de inferência. As manifestações históricas da existência de Deus têm em comum o desvio das categorias que se aplicam a objetos no espaço e no tempo. Se dissermos que Deus existe, aplicamos indevidamente a categoria de existência. Se dissermos que Deus é a causa primária do mundo, abusamos da categoria de causa e efeito.

Conclusões da Dialética Transcendental

  1. Não existem juízos sintéticos a priori na Metafísica. A Metafísica não é uma ciência, mas uma ilusão transcendental.
  2. As categorias não são aplicáveis fora do âmbito da experiência, ou seja, para além do que é dado no espaço e no tempo. Podemos conhecer fenómenos, mas não as coisas em si mesmas (que Kant chamou de númenos).
  3. A Metafísica pode ter outros usos:
    • Uso regulador negativo: Serve como critério de separação entre o conhecimento científico e o não científico.
    • Uso regulador positivo: Incentiva a pesquisa científica a transformar proposições metafísicas em proposições científicas.
  4. A Metafísica pode não ter validade ou significado para o uso teórico da razão, mas sim para o uso prático (para a Ética).

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