A cultura política e o associativismo na sociedade brasileira
Classificado em Psicologia e Sociologia
Escrito em em português com um tamanho de 8,1 KB.
As práticas associativas da sociedade brasileira ganharam especial relevo diante do processo de mobilização e de negociação dos movimentos sociais da década de 1980, especialmente em algumas regiões do País, que confeririam à sociedade civil uma expressiva densidade associativa embebida no ideário de luta por direitos e cidadania. As práticas reivindicatórias dos movimentos sociais que escapavam aos esquemas tradicionais de clientelismo político imporiam uma nova dimensão à ação associativa – a dimensão política –, aquela que remete a práticas políticas mais complexas e universais.
Passadas duas décadas da criação de espaços públicos de participação, característicos da chamada “gestão participativa”, cujo princípio de administração é a descentralização das ações governamentais e o alargamento do processo decisório, esta dimensão política do associativismo parece não predominar em relação às demais formas de associação baseadas no clientelismo, no assistencialismo e na instrumentalização da participação. A dimensão política do associativismo, que reivindica a redefinição da noção de direitos, a defesa da autonomia organizacional dos movimentos em relação ao Estado e a defesa de formas públicas de apresentação das demandas e de negociação com o Estado, ao contrário, mescla-se, combina-se e conflitua-se com formas tradicionais do associativismo presente na sociedade brasileira, fruto de formas verticais de relações políticas, na qual a sociabilidade é definida por relações privadas e desiguais de poder.
Presentes e entrelaçadas nas práticas associativas, as formas históricas do associativismo brasileiro, por um lado, as baseadas em relações assimétricas de poder e, por outro, as fincadas em condições partilhadas de mediação política, continuam orientando a ação movimentalista da sociedade civil, num mix que ora tende ao tradicional e ao autoritário, e ora tende ao inovador e ao democrático.
A forma multifacetada, diversa e difusa com que se caracteriza a prática associativa no País se insere no mosaico da cultura política ambivalente brasileira, de fortes traços híbridos, cujo delineamento cultural instrui uma disputa política constante (RICCI, 2004).
A criação de uma cultura política mais complexa e consistente requer e necessita da capacidade pedagógica que as ações políticas podem estabelecer com a sociedade civil (RICCI, 2004).
No plano das ações políticas governamentais, a ação de natureza pedagógica nem sempre é aquela que baliza e orienta as ações do poder público dito “participativo” em sua relação com os atores sociais. Na sua ausência, são constituídos vínculos frouxos, limitados e instrumentais com a participação social que fragilizam e fragmentam ainda mais a cultura política.
No plano das ações políticas societais, a composição da sociedade civil por uma cultura política em que esteja presente uma tradição associativa é fundamental para as experiências participativas, tanto na estruturação da prática como na geração de maior participação e, com isso, no aprofundamento da tradição política associativa (AVRITZER, 2003). Nesta perspectiva, os arranjos de participação, quando podem contar com uma estrutura associativa preexistente aos novos arranjos participativos, podem incidir positivamente sobre a cultura política local, fortalecendo as características da cultura associativa e gerando novos elementos democratizantes. Neste sentido, a ação pedagógica do associativismo parece operar na lógica de politização de seus membros e de democratização das instituições de governo. A dimensão histórica das práticas de associação, a preexistência de herança associativa, tem sido associada a maiores possibilidades de construção de capital social e de consequente desempenho institucional (PUTNAM, 1996). Com o conceito de capital social, o autor destaca a relação existente entre virtude cívica dos indivíduos, caracterizada por vínculo estreito com associações que estabelecem laços de confiança e reciprocidade, e o reforço dos valores democráticos. Segundo este argumento, a construção de uma cultura cívica parece tencionar e motivar a participação da sociedade civil nas questões públicas e, por conseguinte, a melhoria do desempenho dos governos. No entanto, a valorização histórico-cultural dos hábitos e práticas de associação, como elemento crucial à generalização de uma institucionalidade democrática, não é tomada aqui em oposição a outros elementos condicionantes à efetividade da vida democrática, entre outros, a dimensão político-institucional das instâncias governamentais de participação social1. Ao contrário, considerando a complexidade dos processos sociais e políticos, não recorre a variável cultura política de modo absoluto ou determinante, mas antes como recurso que se move (ou não) diante de uma relação de influência mútua com a institucionalidade participativa, em que o desenho institucional concorre como importante fator no processo de aprofundamento da cidadania. Neste artigo, valoriza-se a análise da relação entre espaços públicos de participação e cultura política local dos atores participantes, a partir do enfoque do associativismo existente e de seus impactos sobre o processo de elaboração e implementação participativa de uma dada política pública – o Projeto Terra2, na cidade de Vitória/ES. O trabalho se baseia nos resultados de pesquisa realizada em três poligonais do Projeto Terra, com lideranças dos movimentos sociais, vereadores e população local, além de representantes do poder executivo municipal, durante as gestões do ex-prefeito Luiz Paulo Velloso Lucas (1997–2000 e 2001–2004), do PSDB3.
Busca identificar e analisar o padrão de comportamento político-cultural-associativo, expresso no 1) associativismo local; 2) nos hábitos e práticas de associação; e 3) nas percepções, impressões e subjetividades dos atores acerca da concepção de participação em espaços institucionais participativos. No exame dessas dimensões do ativismo civil, analisa: 1) a participação dos indivíduos em movimentos associativos a partir de três extensões do associativismo – o associativismo civil, o associativismo partidário e o associativismo sindical; 2) os hábitos associativos e práticas de associação dos participantes de entidades civis, a partir de seu formato organizacional e de atuação associativa e; 3) as percepções de grupos sociais acerca da participação e sua prática participativa nos espaços institucionais do Projeto Terra.
As expressões do ativismo civil são reconstituídas a partir da autodefinição e da auto-avaliação dos indivíduos, na finalidade maior de identificar um conjunto de ações, práticas e percepções que caracterizem a cultura política local: “[...] entendida como concepção de mundo, como conjunto de significados que integram práticas sociais” e que, ao mesmo tempo, “expressam, produzem e comunicam significados” (ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p. 17). Toma como base investigativa a existência de dois subgrupos nos territórios de atuação do Projeto Terra, a saber: 1) a população em geral; 2) as lideranças dos movimentos sociais. Pretende-se, com isso, observar a desigual distribuição de cultura política entre diferentes grupos e analisar sua relação com a participação em instituições do governo municipal, em uma perspectiva de interferência recíproca. integram práticas sociais” e que, ao mesmo tempo, “expressam, produzem e comunicam significados” (ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p. 17). Toma como base investigativa a existência de dois subgrupos nos territórios de atuação do Projeto Terra, a saber: 1) a população em geral; 2) as lideranças dos movimentos sociais. Pretende-se, com isso, observar a desigual distribuição de cultura política entre diferentes grupos e analisar sua relação com a participação em instituições do governo municipal, em uma perspectiva de interferência recíproca.