Deliberação e Democracia: Desafios e Perspectivas
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Diferenciação Funcional e Prática Discursiva
Segundo Habermas (2005, p. 390), a "diferenciação funcional de tipos de ação e da prática discursiva, que é dependente do lugar que a deliberação e a decisão ocupam no interior de um contexto mais amplo do sistema político como um todo", possibilita construir hipóteses mais específicas sobre a permeabilidade desses espaços aos diferentes tipos de deliberação e/ou negociações em função da diferença nos tipos de conflitos produzidos nesses espaços. Ou seja, o autor reconhece a diferenciação funcional nos tipos de ação e nas práticas discursivas como decorrência das diferenças de conflitos gerados em espaços diferentes.
Deliberação "Clássica" e Escala de Ação
Nesse esquema, a deliberação "do tipo clássico" pode ser pensada como uma possibilidade em uma escala de tipos diferentes de ação e de prática discursiva. O momento através do qual se pesam razões entre sujeitos com o objetivo de tomar decisões públicas e legítimas pode representar o ápice dessa escala, em que os cidadãos deparam com condições propícias e concordam em encontrar, mediante trocas de razões, soluções para os problemas comuns que os mobilizam. O caráter democrático desse momento deriva do tratamento igual àqueles que deliberam. Assim, para que a deliberação se torne democrática, o processo terá de ser desenhado com o intuito de promover as habilidades deliberativas, respondendo, dessa maneira, às críticas derivadas da diferença nessas habilidades (Young, 2001; Phillips, 1995).
Engajamento, Contexto e Procedimentos Justos
Resulta daí que, para alcançarem os procedimentos justos, os participantes devem se engajar na prática discursiva, avaliar o contexto e as circunstâncias nas quais ela pode ou não ocorrer. Como nos afirma Cohen (2007), se o contexto não for favorável, o problema não reside no ideal deliberativo, mas nas circunstâncias estabelecidas. Sendo assim, para melhorá-las, é necessário trabalhar em pelo menos duas frentes:
- Na possibilidade de se criar, através do engajamento e da prática participativa, um julgamento público sobre as mesmas;
- Na possibilidade de transformar os resultados de tais práticas em regras e/ou procedimentos institucionais que ofereçam incentivos e protejam a deliberação.
Razão, Comunicação e Habilidades Deliberativas
Esse julgamento não precisa assumir somente a forma de razão, outras formas de comunicação podem ser mobilizadas. Mas, como também nos lembra Cohen (2007), trocar razões não é a mesma coisa que a fala cotidiana defendida por Mansbridge et al. (2009). Essa fala não produz os resultados almejados à medida que o processo não enseja a reflexão requerida pela troca de razões. Isso não nos impede de pensar que o discurso informal possa servir como um treinamento para a promoção das habilidades deliberativas (Hendriks, 2006). Entretanto, é preciso frisar, seguindo Warren, que a deliberação, como forma de comunicação, "é excepcional, constitui uma resposta às falhas das relações sociais, das instituições e sistemas e, por isto, ela é uma forma de comunicação exigente" (2007, p. 276).
Revisão de Posições e Perspectiva Pública
Vale lembrar ainda que, na versão "clássica" da deliberação, a troca de argumentos bem como a demanda por justificação pública, mais do que as outras formas de comunicação, podem ensejar a revisão de posições, interesses e preferências, forjando uma perspectiva mais pública dos mesmos, sem, com isso, precisar descartar interesses e conflitos derivados de sua coordenação.
Desafios da Conexão e Ganhos Normativos
Não obstante, mesmo pensando em uma forma sistêmica, onde cada unidade funcionaria de maneira mais ou menos deliberativa, o grande desafio ainda é conectá-las com vistas a assumir uma forma mais integrada que gere impactos na vida dos cidadãos de uma comunidade. Em que pese tal dificuldade e a necessidade de resolvê-la, ao precisar os tipos corretos de controle e feedback entre eles, não é necessário, a nosso ver, abrir mão dos ganhos - mesmo que normativos - oferecidos pela agenda dos deliberativos "clássicos".