Diabetes Melito: Diagnóstico, Tipos e Complicações
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Diabetes Melito
- Grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que apresentam em comum a hiperglicemia.
- Quadro clínico agudo pode incluir: cetoacidose diabética e estado hiperglicêmico hiperosmolar.
- Complicações crônicas incluem: retinopatia, macroangiopatia, nefropatia, neuropatia.
- Diabetes Melito Tipo 1 (DM1): caracterizado por deficiência absoluta de insulina devido à destruição autoimune das células β pancreáticas.
- Diabetes Melito Tipo 2 (DM2): caracterizado por resistência periférica à ação da insulina e deficiência relativa na produção de insulina pelas células β do pâncreas.
Diabetes Melito Gestacional (DMG)
- Diagnóstico ou início da intolerância à glicose durante a gestação.
- Mecanismos: Resistência à insulina aumentada pela gestação ou diminuição da função das células β.
- Fisiopatologia: Elevação de hormônios contrarreguladores da insulina (lactogênio placentário, cortisol, estrogênio, progesterona e prolactina), associada ao estresse fisiológico da gravidez.
- Consequências materno-fetais podem incluir: rotura prematura de membranas, parto pós-termo, feto com apresentação pélvica, risco elevado de pré-eclâmpsia, feto macrossômico.
Fatores de Risco para DMG
- Idade materna acima de 25 anos.
- Obesidade ou ganho de peso excessivo na gestação atual.
- Excesso de gordura central (abdominal).
- Baixa estatura (inferior a 1,50 m).
- Histórico familiar de diabetes.
- Tabagismo.
- Síndrome do ovário policístico.
- Crescimento fetal excessivo ou macrossomia em gestações anteriores.
- Antecedentes obstétricos de diabetes melito gestacional (DMG) prévio, morte fetal inexplicada.
Diagnóstico do Diabetes Melito: Métodos e Critérios
- Glicemia casual ≥ 200 mg/dL na presença de sintomas clássicos (poliúria, polidipsia, polifagia, perda de peso inexplicada).
- Glicemia de jejum (mínimo de 8 horas) ≥ 126 mg/dL.
- Glicemia de 2 horas após sobrecarga oral de 75g de glicose anidra (teste de tolerância à glicose oral - TTGO) ≥ 200 mg/dL.
- Hemoglobina glicada (HbA1c) ≥ 6,5% (método deve ser padronizado e certificado).
Complicações do Diabetes Melito
Além das já citadas (retinopatia, macroangiopatia, nefropatia, neuropatia), outras complicações incluem:
- Pé diabético: ulcerações, infecções e risco de amputação.
- Doenças cardiovasculares: como infarto do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (AVC).
- Maior susceptibilidade a infecções.
Glicosúria: Glicose na Urina
- Presença de glicose na urina, geralmente detectada quando a glicemia ultrapassa o limiar renal (aproximadamente 180 a 200 mg/dL).
- Outras causas de glicosúria (além de diabetes melito): dieta rica em glicose antes da coleta, uso de glicose parenteral, glicosúria renal (limiar renal baixo), diabetes insípido nefrogênico, hipertireoidismo, pancreatite, acromegalia.
- Valores de referência na urina: normalmente ausente ou < 30 mg/dL.
Medida Qualitativa da Glicosúria
- Tradicionalmente, uso de substâncias redutoras (ex: reagente de Benedict).
- Atualmente, mais comum o uso de tiras reagentes que empregam a reação da enzima glicose-oxidase, específica para glicose.
- Resultados falso-positivos (com tiras): contaminação com peróxido de hidrogênio ou outros agentes oxidantes fortes.
Medida Quantitativa da Glicosúria
- Emprega métodos enzimáticos, como hexoquinase ou glicose-oxidase, em amostras de urina de 24 horas.
- Resultados falso-positivos (interferentes): podem ocorrer com alguns métodos se houver presença de peróxido de hidrogênio ou agentes oxidantes.
Hipoglicemia: Baixa Glicose Sanguínea
- Concentração de glicose no sangue abaixo dos níveis normais de jejum (geralmente < 70 mg/dL, com sintomas tipicamente abaixo de 50-55 mg/dL).
- Sinais e sintomas de hipoglicemia são revertidos após a ingestão de carboidratos de rápida absorção.
- Hipoglicemia neonatal:
- Comum em recém-nascidos de gestantes diabéticas mal controladas ou em uso de hipoglicemiantes orais (alguns tipos).
- Definida como glicemia < 40-45 mg/dL em neonatos, dependendo do protocolo.
Outras Causas de Hipoglicemia
- Medicamentos: insulina, sulfonilureias, meglitinidas, propranolol, salicilatos em altas doses.
- Consumo excessivo de etanol (álcool), especialmente em jejum.
- Indivíduos com insuficiência hepática grave.
- Deficiências de hormônios contrarreguladores: cortisol (insuficiência adrenal), hormônio do crescimento, glucagon.
- Doenças críticas como septicemia.
- Insulinoma (tumor produtor de insulina).
Hiperglicemia: Alta Glicose Sanguínea
A hiperglicemia caracteriza-se pelo elevado nível de glicose no sangue. A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e outras diretrizes internacionais consideram que valores de glicemia de jejum acima de 126 mg/dL são indicativos de diabetes, se confirmados. Valores acima de 200 mg/dL, em qualquer ocasião e associados a sintomas, ou em um TTGO, também confirmam o diagnóstico. Níveis persistentemente elevados de glicose, mesmo que não diagnósticos de diabetes, podem indicar pré-diabetes ou aumentar o risco de complicações.
Cetoacidose Diabética (CAD)
É uma complicação aguda e grave do diabetes, mais comum no DM1, caracterizada por hiperglicemia, cetose e acidose metabólica.
- Resulta de uma deficiência relativa ou absoluta de insulina.
- Pode ocorrer aumento dos hormônios contrarregulatórios (glucagon, cortisol, catecolaminas, hormônio do crescimento).
- Aumento da produção hepática e renal de glicose.
- Diminuição da utilização periférica da glicose.
- Consequências metabólicas principais:
- Lipólise acentuada: com liberação de ácidos graxos e produção excessiva de corpos cetônicos (acetoacetato, β-hidroxibutirato, acetona) pelo fígado.
- Cetonemia: acúmulo de corpos cetônicos no sangue, podendo causar náuseas e vômitos.
- Acidose metabólica: devido ao acúmulo de cetoácidos, manifestada também por cetonúria (corpos cetônicos na urina).
Causas da Cetoacidose Diabética
Em Diabetes Tipo 1:
- Deficiência severa de insulina (ex: diagnóstico inicial).
- Omissão ou dose inadequada de insulina.
- Infecções (ex: pneumonia, infecção urinária).
- Estresse agudo (cirúrgico, trauma, emocional).
- Doenças intercorrentes (ex: infarto do miocárdio).
- Idiopática (causa não identificada).
Em Diabetes Tipo 2 (menos comum, mas pode ocorrer em situações de estresse severo):
- Fármacos: como corticoides em altas doses, alguns antipsicóticos atípicos (ex: clozapina).
- Infecções graves: infarto do miocárdio, pneumonia, prostatites, pielonefrite.
Achados Laboratoriais na CAD
- Glicemia: geralmente > 250 mg/dL (pode ser menor em algumas situações, como em uso de SGLT2i).
- Gasometria arterial: pH arterial < 7,3 e bicarbonato sérico < 18 mmol/L (gravidade classificada pela acidose).
- Sódio sérico: frequentemente reduzido devido à diluição hiperosmolar (pseudohiponatremia), mas pode variar.
- Leucocitose (aumento de glóbulos brancos), mesmo na ausência de infecção.
- Exame de urina: glicosúria e cetonúria acentuadas.
- Potássio sérico: pode estar elevado, normal ou baixo, mas há sempre um déficit corporal total.
Estado Hiperglicêmico Hiperosmolar (EHH)
É outra emergência hiperglicêmica grave, mais comum em idosos com DM2, caracterizada por hiperglicemia extrema, hiperosmolaridade e desidratação profunda, com pouca ou nenhuma cetose/acidose significativa.
- Caracterizado por: alteração do nível de consciência (distúrbio neurológico), hiperglicemia acentuada, hiperosmolaridade plasmática elevada, desidratação profunda e cetose mínima ou ausente.
- Quadro clínico: poliúria, polidipsia, polifagia (podem estar ausentes ou diminuídos em fases tardias), perda de peso, fraqueza extrema, alterações neurológicas (sonolência, confusão, coma, convulsões), sinais de desidratação severa (perda do turgor da pele, mucosas secas, hipotensão, taquicardia). Respiração de Kussmaul é incomum, pois a acidose é mínima.
- Fatores precipitantes: infecções (principalmente pneumonia e infecção urinária), uso inadequado de insulina ou hipoglicemiantes orais, doenças agudas (ex: infarto do miocárdio, AVC, pancreatite), certos fármacos (ex: diuréticos, corticoides, fenitoína), uso abusivo de álcool, hemorragia, queimaduras, hipotermia, anestesia.
Achados Laboratoriais no EHH
- Hiperglicemia: acentuada, frequentemente > 600 mg/dL.
- Osmolalidade sérica efetiva elevada: tipicamente > 320 mOsm/kg.
- Acidemia mínima ou ausente: pH sanguíneo arterial > 7,30 e bicarbonato plasmático > 18 mmol/L.
- Cetonemia mínima (traços) e cetonúria discreta ou ausente.
- Alterações neurológicas são comuns e sua gravidade geralmente se correlaciona com o grau de hiperosmolaridade.
- Elevação da ureia e creatinina (lesão pré-renal).
Nefropatia Diabética
É uma complicação microvascular crônica do diabetes, caracterizada por dano aos glomérulos renais.
- Manifesta-se clinicamente por proteinúria progressiva (inicialmente microalbuminúria), hipertensão arterial e declínio da função renal, podendo evoluir para doença renal terminal (necessidade de diálise ou transplante).
- Microalbuminúria: excreção urinária de albumina entre 30-300 mg/24h (ou 20-200 µg/min ou relação albumina/creatinina urinária de 30-300 mg/g). É o primeiro estágio clinicamente detectável da nefropatia diabética.
- Resultados falso-positivos para microalbuminúria podem ocorrer devido a: exercício físico intenso nas últimas 24h, infecções do trato urinário, hipertensão arterial descontrolada, insuficiência cardíaca, febre aguda, contaminação menstrual.
Alterações Metabólicas Graves no Diabetes Descompensado
Em situações de descompensação aguda do diabetes, como na CAD e EHH, ocorrem diversas alterações metabólicas sistêmicas:
- Distúrbio do metabolismo proteico: Aumento do catabolismo proteico (quebra de proteínas musculares) para fornecer aminoácidos para a gliconeogênese, levando à perda de massa muscular e balanço nitrogenado negativo.
- Distúrbio do metabolismo lipídico: Aumento da lipólise (quebra de gorduras) com liberação de ácidos graxos livres para a corrente sanguínea. No fígado, esses ácidos graxos são convertidos em corpos cetônicos em situações de deficiência de insulina (principalmente na CAD).
- Distúrbios eletrolíticos (ex: Potássio): A hiperpotassemia pode estar presente inicialmente devido à saída de potássio das células (causada pela deficiência de insulina e acidose), apesar de um déficit corporal total de potássio devido a perdas urinárias. A insulinoterapia reverte isso, podendo causar hipopotassemia se não reposto adequadamente.
- Distúrbio ácido-base: Acidose metabólica é a marca da CAD, com pH arterial podendo cair para níveis críticos (ex: até 6,8) e bicarbonato plasmático severamente reduzido (ex: < 5 mmol/L).
- Distúrbio hidroeletrolítico (sódio e água): Hiponatremia (nível baixo de sódio no sangue) é comum, muitas vezes dilucional devido à hiperglicemia. Desidratação profunda ocorre devido à diurese osmótica.
Hemoglobina Glicada (HbA1c)
- É o produto da glicação não enzimática da hemoglobina, principalmente da hemoglobina A (HbA).
- A forma predominante é a HbA1c, onde a glicose se liga de forma estável e irreversível ao resíduo de valina N-terminal da cadeia β da hemoglobina.
- O nível de HbA1c reflete a média dos níveis de glicose no sangue durante os últimos 2 a 3 meses (vida média das hemácias).
- É um parâmetro fundamental para o monitoramento do controle glicêmico a longo prazo em pacientes com diabetes e também utilizado como critério diagnóstico.