Direito de Ação: Conceito, Teorias e Condições

Classificado em Direito

Escrito em em português com um tamanho de 14,5 KB.

Conceito de Ação

Diante do princípio dispositivo, cabe à parte provocar a atividade jurisdicional, fazendo uso do seu direito de ação.

“Direito ao exercício da atividade jurisdicional. Mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através daquele complexo de atos que é o processo.” (Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra)

Define-se a ação como direito público subjetivo, ou seja, “o direito de ver assegurada a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado.” (Marcus Orione Gunnella, p. 61). A garantia constitucional da ação tem como objeto o direito ao processo, assegurando às partes a resposta do Estado, o direito ao contraditório, o direito de influir sobre a formação do convencimento do juiz, tudo através do devido processo legal.

Para Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 34), “o direito de ação é o direito de participar, em contraditório, do processo”, ou seja, é o direito que ambas as partes têm de influir no julgamento, na formação do seu resultado.

Natureza Jurídica da Ação: Teorias

  • Teoria Imanentista (Escola Clássica Civilista - Savigny)

    Defende que existe necessariamente uma correlação entre o direito material e a ação. Consequentemente, não há direito sem ação, e não há ação sem direito.

    É insuficiente na medida em que o direito material é distinto do direito à ação, pois pode-se exercer o direito de ação, mas ter a improcedência do pedido (direito material) ou ter um direito material sem o correspondente direito de ação, como no caso de ocorrência de prescrição.

  • A Polêmica Windscheid-Muther

    Muther: distinguiu direito lesado e ação, afirmando que da lesão nascem dois direitos de natureza pública: o direito do ofendido à tutela jurídica do Estado e o direito do Estado à eliminação da lesão contra aquele que a praticou.

    Windscheid: admitiu um direito de agir exercível contra o Estado e contra o devedor.

  • Ação como Direito Autônomo e Concreto (Wach e Büllow)

    A ação é um direito autônomo, não pressupondo o direito subjetivo material violado; dirige-se contra o Estado (buscando proteção) e contra o adversário.

    Contudo, como a existência de tutela jurisdicional só pode ser satisfeita mediante proteção concreta, o direito de ação só existiria quando a sentença fosse favorável.

    A ação, portanto, só existiria nos casos concretos em que existisse direito subjetivo. Deste modo, o enfoque seria que a ação é exercida e solucionada pura e simplesmente para resolver um conflito individual, e não com a finalidade maior de pacificação social. (Marcus Orione Gunnella, p. 63)

  • Ação como Direito Potestativo (Chiovenda)

    O direito de ação é autônomo, mas não tem natureza pública, porque dirige-se contra o adversário, ao qual corresponde a sujeição. É um direito (poder) que pertence a quem tem razão, contra quem não a tem.

    Assim, após aguardar o cumprimento da obrigação de direito material, a parte recorre ao Judiciário, dirigindo-se ao Estado apenas para que este coloque a outra parte em posição de sujeição – posição essa que só pode ser criada pelo jus imperii estatal, manifestado na sentença. (Marcus Orione Gunnella, p. 64)

  • Ação como Direito Autônomo e Abstrato (Degenkolb e Plósz)

    O direito de ação independe da existência efetiva do direito material invocado. É suficiente que o autor mencione um interesse seu protegido em abstrato pelo direito. Esse direito estaria incorporado aos direitos da personalidade e existiria mesmo em caso de demanda temerária.

    A ação é dirigida ao Estado, sendo este o sujeito passivo de tal direito.

  • A Doutrina de Liebman (Teoria Eclética)

    Liebman a vê como um direito subjetivo instrumental: um poder correlato à sujeição e instrumentalmente conexo a uma pretensão material. Considera exercida a função jurisdicional apenas quando o juiz profere uma sentença sobre o mérito, seja ela favorável ou desfavorável. Dá destaque às condições da ação como ponto de contato entre a ação e a situação de direito material.

Conclusão sobre a Natureza Jurídica da Ação

Direito subjetivo público do autor perante o Estado, tendo por conteúdo o exercício da Jurisdição. Trata-se de um direito ao provimento jurisdicional, qualquer que seja sua natureza e seu resultado, sendo, portanto, abstrato. É também um direito autônomo e instrumental, pois sua finalidade é dar solução a uma pretensão de direito material, sendo, portanto, conexo a uma situação jurídica concreta.

É um direito constitucional (Art. 5º, XXXV, CF: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito").

Condições da Ação no Processo Civil

Para que se alcance uma sentença de mérito, deve-se verificar a presença de certas exigências para o adequado exercício do direito de ação. São requisitos processuais cuja ausência impede o julgamento do mérito da causa.

São aferidas in status assertionis, ou seja, com base nas alegações do autor, relacionando o direito material invocado com o resultado jurídico pretendido.

As condições da ação no Novo Código de Processo Civil (NCPC) são:

  • Interesse de agir
  • Legitimidade

Conforme o Art. 17 do NCPC: "Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade". (O CPC/73 também incluía a possibilidade jurídica do pedido como condição autônoma).

Quanto ao momento e forma de análise das condições da ação:

  • O juiz deve examinar preliminarmente (antes de apreciar o mérito) a presença das condições da ação (conforme Art. 485, VI, NCPC).
  • O réu, em sua contestação, deve alegar como preliminar (antes da defesa de mérito) a ausência das condições da ação (conforme Art. 337, XI, NCPC).
  • Mesmo que não alegada pelas partes, o juiz deve conhecer de ofício a ausência das condições da ação, extinguindo o processo sem resolução de mérito (conforme Art. 485, §3º, NCPC).

A Teoria da Asserção

“As condições da ação devem ser aferidas in status assertionis, ou seja, a partir do modo como a demanda é construída, de modo que se estaria diante de questões de mérito sempre que, por estarem as condições corretamente expostas na petição inicial, só depois se verificasse a falta de sua concreta implementação”. (Cândido Rangel Dinamarco)

Interesse de Agir

O interesse de agir se manifesta quando a demanda é útil (necessária) e o procedimento escolhido é o adequado para obter a tutela jurisdicional pretendida.

“Há o interesse de agir quando o provimento jurisdicional postulado for capaz de efetivamente ser útil ao demandante, operando uma melhora em sua situação na vida comum – ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela, a tutela jurisdicional”. (Cândido Rangel Dinamarco)

“Haverá o interesse processual sempre que o provimento jurisdicional pedido for o único caminho para tentar obtê-lo e tiver aptidão a propiciá-lo àquele que o pretende. Depois, quando reconhecida a existência do interesse de agir, o juiz conceder-lhe-á ou não o bem da vida, conforme o caso (e essa será a decisão de mérito)”. (Cândido Rangel Dinamarco)

Exemplo de falta de interesse (adequação): Pais que ajuízam ação para registrar seu filho, quando bastaria dirigir-se ao cartório de registro civil.

Exemplo de falta de interesse (utilidade): Impetrar mandado de segurança para participar de um concurso público já realizado, pois a tutela seria inútil.

Legitimidade

A legitimidade (ou legitimação para a causa) exige uma ligação entre as partes (autor e réu) e o objeto do direito afirmado em juízo.

“Como regra geral, é parte legítima para exercer o direito de ação aquele que se afirma titular de determinado direito que precisa da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima para figurar no polo passivo aquele a quem caiba a observância do dever correlato àquele hipotético direito”. (Teresa Arruda Alvim Wambier)

Regra geral, as partes devem ser os titulares da situação jurídica discutida (legitimação ordinária, conforme Art. 18, primeira parte, do NCPC). Excepcionalmente, a lei pode autorizar que alguém defenda em nome próprio direito alheio (legitimação extraordinária ou substituição processual, conforme Art. 18, parte final, do NCPC).

“Substituto processual é a pessoa que recebe da lei legitimidade para atuar em juízo no interesse alheio, como parte principal, não figurando na relação jurídico-material controvertida”. (Cândido Rangel Dinamarco)

Exemplo de legitimação extraordinária: Terceiro adquirente de imóvel hipotecado que ajuíza ação de consignação em pagamento para quitar a dívida e liberar a hipoteca (Arts. 346, II, CC e 539 do NCPC).

Sucessão Processual

Após a estabilização da demanda, a lei admite a alteração das partes (sucessão processual) em casos como a alienação da coisa ou do direito litigioso a título particular.

Art. 109 do NCPC: A sucessão processual por alienação da coisa litigiosa depende, em regra, da concordância da parte contrária.

Art. 778, III, do NCPC: No processo de execução, a sucessão do exequente cessionário independe de consentimento do executado (conforme também orientação do STJ).

Elementos da Ação

A identificação dos elementos da ação é crucial para verificar a ocorrência de litispendência ou coisa julgada e para analisar os requisitos da petição inicial. São eles:

  • Partes

    Sujeito ativo (autor) e sujeito passivo (réu) da relação processual. A pluralidade de autores ou réus configura litisconsórcio.

  • Pedido

    A pretensão material deduzida em juízo; o bem da vida que se busca obter por meio da tutela jurisdicional.

    “É a manifestação da vontade de obter do Estado-juiz um provimento jurisdicional de determinada natureza, sobre determinado bem da vida”. (Cândido Rangel Dinamarco)

  • Causa de Pedir

    Os fatos jurídicos (causa de pedir remota) e os fundamentos jurídicos (causa de pedir próxima) que amparam o pedido. Conforme a teoria da substanciação, adotada no Brasil, todos os fatos essenciais que fundamentam o pedido devem constar na petição inicial, vinculando o julgamento.

    Atenção: Exige-se a narração dos fatos e dos fundamentos jurídicos (jura novit curia), não necessariamente a indicação expressa do dispositivo legal.

Classificação das Ações

As ações podem ser classificadas segundo o tipo de tutela jurisdicional pretendida:

Ação Cível de Conhecimento

Visa à declaração da vontade concreta da lei para solucionar um litígio. Subdivide-se em:

  • Ações Meramente Declaratórias: Buscam apenas a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica ou da autenticidade/falsidade de um documento (Art. 19, I e II, NCPC). Não possuem carga executória imediata. Embora toda sentença contenha uma declaração, a classificação se refere à tutela predominante. A sentença de improcedência é essencialmente declaratória negativa.
  • Ações Condenatórias: Pressupõem a violação de um direito e impõem ao réu o cumprimento de uma prestação (dar, fazer, não fazer, pagar quantia). Formam título executivo judicial.
  • Ações Constitutivas (Positivas ou Negativas): Visam criar, modificar ou extinguir uma relação ou situação jurídica. Exemplo: Ação de divórcio (constitutiva negativa).

Ação Cível de Execução (ou Cumprimento de Sentença)

Visa à satisfação coativa de uma obrigação já reconhecida em título executivo (judicial ou extrajudicial).

Ação Penal

Visa à aplicação da lei penal a um caso concreto. Classifica-se quanto à iniciativa:

  • Ação Penal Pública

    Promovida pelo Ministério Público (MP). Pode ser:

    • Incondicionada: O MP age independentemente de qualquer manifestação.
    • Condicionada: Depende de representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça.
  • Ação Penal de Iniciativa Privada

    Promovida pela vítima ou seu representante legal, mediante queixa-crime.

Concurso e Cumulação de Ações

Ocorre concurso de ações quando a parte pode optar entre diferentes ações para tutelar o mesmo direito material. Uma vez escolhida uma via, geralmente não se pode usar outra para o mesmo fim (princípio da consumação).

Exemplo: Em caso de vício redibitório (Arts. 441-444, CC), o comprador pode escolher entre:

  • Ação redibitória: Rescisão do contrato e devolução do preço.
  • Ação quanti minoris (ou estimatória): Abatimento proporcional do preço.

A cumulação de ações (tecnicamente, cumulação de pedidos) ocorre quando o autor formula mais de um pedido contra o mesmo réu em um único processo.

Exemplos: Investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos; declaração de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais.

Os requisitos para a cumulação de pedidos estão previstos no Art. 327 do NCPC (compatibilidade entre os pedidos, competência do juízo, adequação do tipo de procedimento).

Entradas relacionadas: