Direito Alternativo, Direito Vivo e Teorias do Desvio

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Primeiro Modelo: O Direito Alternativo e o Direito Vivo

Não há uma teoria única do alternativo. O que existe, do ponto de vista histórico-social, são fenômenos alternativos construídos histórica e socialmente nos EUA, na Europa e na América Latina. O que existe são modelos de investigação dessas experiências ao redor do mundo. Essas experiências não estão na base teórica.

O modelo alternativo é um modelo de investigação do alternativo com base na experiência de mundo como fenômenos que são produzidos histórica e socialmente. Esse modelo se encontra fora do Estado e é contra ele. É uma posição de afastamento. Ele usa como método a observação e a investigação empírica, seguindo a tradição moderna. É importante lembrar que é a partir da modernidade que surge o direito legal, a organização do Estado e a diversificação da economia.

O Direito Moderno e a Desigualdade

O capitalismo é o modelo econômico da modernidade, caracterizado pela divisão de classes, pela luta de classes, pelo trabalho livre e pela propriedade privada. Do ponto de vista ideológico, é marcado pela oposição entre liberdade e igualdade, legitimada por um contrato que tem por fim manter a ordem social. Há também uma justiça moderna tradicional.

Existem três modelos de alternativos que se referem à tradição moderna, pensados com base em experiências modernas. A tradição, nesse caso, é a modernidade.

Existem obstáculos de acesso à justiça. Falamos de uma justiça estatal que é administrada pelo poder estatal. A sociedade moderna se organiza por meio do capitalismo como modelo de produção que organiza a sociedade. Do ponto de vista ideológico, ela é uma ordem libertária e igualitária organizada pelo contrato. O trabalho é livre, não é mediante o uso da força; assim, patrão e empregado são igualados. Materialmente, a igualdade velada pelo contrato produz desigualdade em termos sociológicos, reproduzindo e produzindo diferenças. Esse direito tem por fundamento ideológico a mesma igualdade do contrato.

Na ordem social capitalista, faz sentido todos terem propriedade privada enquanto força de produção? O acesso se dá por meio de doação, herança e compra e venda. Isso significa que, do ponto de vista histórico-social, assim como todo direito moderno, ele não se volta para todos, mas sim para uma parcela da população. Assim, o direito deixa pessoas à margem do acesso à justiça, já que tradicionalmente a justiça é cara (custo dos processos, advogado). A classe média fica entre a justiça gratuita e a dos ricos, ficando sem ter acesso ao direito tradicional. Aquilo que satisfaz uma necessidade é um bem. Aquilo que satisfaz de forma permanente é um bem; a luta para se conquistar o bem é o direito, a coisa devida para se conseguir um bem. Exemplo: moradia, direito fundamental.

A alternatividade é uma estratégia de sobrevivência. A informalidade em diversas áreas revela que o Estado, o direito e a justiça não são para todos. É uma via alternativa socialmente buscada por meios próprios para atingir aquilo que a população não tem acesso pelo modo legal, fruto da incompletude do direito estatal.

Pasárgada (Boaventura de Sousa Santos)

A tese de Boaventura de Sousa Santos é: numa sociedade capitalista de periferia, existe um único direito para todos? Ou existe outra forma de ele existir e se manifestar? Assim, há uma ordem jurídica extraestatal e legal. Toda lei, como expressão da modernidade, é discriminatória, pois é um critério adotado para produzir igualdade, definindo-a por critérios formais, mas que gera discriminação. Todo direito moderno é discriminatório. Ele investiga a existência de uma ordem jurídica no espaço geopolítico (anos 70, favela do Jacarezinho).

Boaventura realizou entrevistas e morou lá para conhecer a realidade. A favela é formada por operários e reproduz a força de trabalho. A força viva de trabalho só pode continuar produzindo se for reproduzida, ou seja, se a energia for reposta para continuar produzindo. Ele associa a moradia como reprodução da força do trabalhador (hoje podemos pensar em laços familiares, etc.).

Há ilegalidade, pois usam um terreno que não lhes pertencia. Isso é uma regra: os terrenos não são adquiridos, são conquistados por um processo de ocupação. Ainda assim, há a possibilidade de locação. O direito surge contra a legalidade, contra o papel do Estado, em sua origem. Problema: não há liberdade; viver na favela não é o exercício da liberdade, é uma forma estratégica socialmente pela luta de sobrevivência.

Como os conflitos na área de moradia são solucionados em Pasárgada? Os conflitos não podem ser resolvidos com a mudança interna, nem saindo de lá. O uso da força constitui poder. Isso pode ampliar a ilegalidade, como a violação do direito do Estado com o homicídio, que estão dentro do direito civil. Nos anos 70, houve a remoção das favelas para fazer valer a lei. Chamar a polícia para dentro de Pasárgada é chamar o Estado e dar visibilidade à ilegalidade; ela não está prestando serviço a Pasárgada. A associação dos moradores vai funcionar como um legislador. As decisões são parciais e sempre acatadas, sem que haja a possibilidade da força física. Ela cria uma norma concreta para um fato empírico (direito vivo).

O direito heterônomo é de dentro para fora, impositivo, imperativo. Assim, a moral é autônoma, ou seja, ela vem de dentro e não de fora. Pasárgada produz o seu direito próprio sem uso da força. Então, para alguns, ela não produz direito, mas sim uma moral social. Boaventura pensa se há um direito fora do estatal e também um direito social que possui características próprias. É uma justiça que vem de um terceiro, que presta um serviço sem contar com a possibilidade do uso da força. A possibilidade do uso da coação física é a coercibilidade. Aqui não existe coação. É um mundo de fatos concretos e empíricos.

Eugen Ehrlich e o Direito Vivo

Ehrlich estuda o direito da sociedade em que ele se encontra, na Alemanha. Ele não se insere numa revolução, ao contrário do ideal de revolução da França. Ele pensa a codificação do direito como um fator histórico. A Alemanha não conheceu essa ruptura com o passado e as tradições, apelando à história, o que é visto como irracional: a valorização de tradições populares, do passado. Isso causa um atraso no processo de codificação do direito. A Alemanha está preocupada com o pensamento coletivo, o respeito ao todo, aquilo que a história construiu. A compreensão do direito das tradições atrasa o processo racional de codificação.

O Código não se volta mais ao passado, mas sim ao presente e ao futuro. Prever para prover (ideia de direito, codificação, leis para organizar o mundo). Racionalidade, abstração para a criação de uma regra genérica que sirva para todos. Existem regras positivadas que são destituídas de eficácia, isso porque não estão de acordo com a história daquela sociedade, suas tradições. Há um direito que nem sempre é prescrição jurídica. O que o Estado faz é reconhecer o direito. Não existem leis e códigos sem o Estado.

  • Norma Jurídica: Direito que vem da sociedade e não do Estado. Traduz uma ordem, uma determinação que existe transformada em ação, social e historicamente construída.
  • Direito Estatal: Abstrato e geral.

O Direito Vivo é a forma de conceituar o direito de normas que são resultados de normas concretas para relações empíricas. Elas decorrem de qualquer poder soberano e não do Estado; elas decorrem da sociedade para regular as suas organizações. Rompe com a ideia de que prescrição jurídica é só o direito, aquilo que é determinado pelas leis e códigos que independem da eficácia ou não destas.

A sociedade que revela apego ao passado e uma sociedade que rompe com o passado de forma racional. Nem todo o direito do povo se encontra positivado pelo Estado. A visão de Ehrlich é que o direito não está somente prescrito em leis e códigos. Para isso, qual vai ser o método de investigação? Analogias, práticas sociais, observação de onde as famílias existem, ou seja, pesquisas empíricas e de campo. É preciso ir para onde essas relações sociais se estabelecem.

Do ponto de vista metodológico, há a vantagem de se estudar o direito por leis e códigos, pois se parte do geral (método dedutivo): a existência de todo o direito está estabelecida. O outro método, decorrente de Ehrlich, é que o direito não é geral, ele é particular, específico, e somente com o estudo desses é possível conhecê-lo. Este é o método indutivo, que leva ao conhecimento pela observação empírica de alguns fatos concretos e, a partir dessa, há indução para depois generalizar para outros fatos não observados (estimativa feita pela pesquisa).

Por que os contratos são cumpridos? Por que há sanção? Do ponto de vista social, é porque ocorre a perda de crédito. Assim, o que leva a cumprir o direito não é o direito, mas sim a sociedade. O direito, do ponto de vista da prescrição jurídica, protege a sociedade. A ordem é dada por outros fatores/institutos (família, religião, economia, etc.), que constituem o chamado direito vivo. O direito consuetudinário é um conceito de direito vivo.

Pensar Pasárgada como direito vivo: Pasárgada é um exemplo do direito vivo. Em vez de usar os exemplos que estão no texto do direito vivo, pode-se usar Pasárgada para dar um exemplo do direito vivo. O direito vivo fala de um direito que ocorre na prática e não só na teoria jurídica, nas prescrições, mas sim nas normas jurídicas, que são o direito na prática. E Pasárgada mostra isso: um pluralismo jurídico, o uso de normas criadas por eles mesmos, normas extraestatais, demonstrando como o direito não se resume àquilo que está escrito em códigos e leis, mas deve abranger também aquilo que ocorre na realidade social.

Ambos (Boaventura e Ehrlich) revelam a preocupação com uma ordem jurídica fora do Estado, a societal. Ambos pensam o direito como norma existindo fora do Estado, aproximando-se no pluralismo jurídico, reconhecendo a existência de um direito fora do Estado. Os pontos de divergência entre eles existem por estarem pensando em situações históricas muito diferentes.

Boaventura pensa em questões referentes ao Brasil, anos 70, sob a influência do capitalismo, por isso o olhar sobre a modernidade. Ehrlich está preocupado com a questão que a modernidade busca destruir: a conservação de um passado, que deve ser respeitado, aquilo a que a sociedade se entrega, a tradição, os costumes. Respeito à história. A Alemanha não se ajusta tão facilmente às instituições modernas que se relacionam com a codificação (que supõe abstração). Um olha para o passado e outro para o futuro. São olhares diferentes sobre o direito.

Um pensa em uma Alemanha do século passado, e o outro em um Brasil que se moderniza. Tem-se, por um lado, o Brasil do século XX, sendo o direito pensado como mudanças que o próprio sistema capitalista produz na sociedade, embora não seja um direito que se volte para todos, mas tenha a preocupação de modernamente organizar as relações futuras. Boaventura, então, trabalha com a modernidade, preocupação com a modernidade que organiza o mundo. Inscreve-se no campo de um Estado moderno e um direito moderno, que não contempla a todos, mas há preocupação com a modernidade que organiza as relações humanas no mundo. Ehrlich está preocupado com a conservação/preservação daquilo que a modernidade não conseguiu destruir ainda, pois a Alemanha não realizou revolução liberal burguesa, ou seja, não se adaptou rapidamente às instituições modernas, como, por exemplo, a codificação do direito. A Alemanha busca, então, consagrar os costumes, as tradições. O passado deve ser respeitado. Deve-se ter amor à tradição. Ehrlich tem um olhar para o passado; Boaventura tem um olhar para o futuro. Inscrevem-se em mundos que fizeram revolução liberal burguesa ou procuram modernizar à luz daquilo que é fundamental para a modernidade: direito legal, economia capitalista. Já na Alemanha, houve processo de resistência quanto à codificação, o que mostra hostilidade à modernidade e a uma forma de olhar o futuro desprezando o passado.

Embora cada autor esteja pensando em direitos produzidos pela sociedade, ou seja, em uma segunda ordem jurídica (pluralismo jurídico), o que os afasta são os olhares diferentes para o direito: passado x futuro; tradição x modernidade; conservação x mudança.

Segundo Modelo: Alternatividade Jurídica Intraestatal

Este modelo compara França e Brasil quanto a alguns elementos. O poder político do Estado também é denominado poder soberano, é aquele concentrado, monopólio da força física por parte do Estado. Há separação do Estado e sociedade. O Estado central detém certos serviços, pois com a separação entre direito e sociedade, esta perde força e o Estado exerce o poder. Modernamente, o Judiciário é um órgão do Estado, cabendo a ele administrar o serviço. Na modernidade, o Estado cria o direito. A justiça conhece um conflito por meio de um processo, que é regulado por uma lei do Estado. O acesso à justiça se dá por meio de um processo regulamentado pelo Estado, prescrição jurídica. Processo de conhecimento. A lei vai estabelecer o que é legítimo. É o próprio direito do Estado garantindo, portanto, o acesso à justiça por esse direito, mas segundo um direito que o próprio Estado estabelece. Direito, sociedade, justiça modernos, universalidade da igualdade.

Litigiosidade Social e Crise do Estado

A sociedade que não soluciona os seus conflitos é marcada por um alto grau de litigiosidade, sendo potencialmente violenta. Com a dificuldade de acesso à justiça e com a não-resolução dos conflitos, ocorre o fenômeno chamado de litigiosidade social, criando, assim, o esgarçamento do tecido social, devido à crise do Estado de não conseguir contentar todos indistintamente. A litigiosidade social, além de ser efeito da crise do Estado, é também causa da criação do direito alternativo e dos espaços autônomos/privados (fora do Estado) para resolver esses conflitos. A violência cresce e a sociedade busca, ela própria, encontrar a solução para seus conflitos, ampliando sua atuação.

A sociedade, portanto, é marcada por conflitos permanentes. É preciso buscar de forma alternativa, fora do Estado, a solução desses conflitos, criando um espaço autônomo, privado. O Estado e o direito estatal se mostram incapazes de garantir que todos tenham acesso ao mecanismo de solução de conflitos, o que potencialmente define esse grau de litigiosidade, criando espaços privados para solucioná-los.

O Estado francês, sendo incapaz, vai desregulamentar o acesso à justiça, diminuindo sua esfera de atuação e ampliando o espaço de atuação da sociedade (movimento de refluxo do Estado e ampliação da sociedade), que cria espaço para realizar o que o Estado não realiza. O movimento de refluxo do Estado traduz o movimento de ampliação da sociedade (fluxo). Se o Estado não confere justiça a todos, a sociedade vai criar um espaço para isso. A justiça torna-se privatizada, mas não absolutamente. O Estado atua apenas como mediador (alguém que aproxima as partes em conflito), gerenciando os espaços autônomos e mantendo-se afastado dos conflitos; justiça societal. Crise do século XX, Estado mínimo. O Estado atua à distância, apenas como um gerente, para que a sociedade mais autônoma e privada avance. Justiça socialmente administrada através de um espaço autônomo particular. Sistema da mediação, alguém que aproxima as partes de um conflito, que faz a mediação.

O Caso Brasileiro

O Brasil não cria espaços societais para resolver os seus problemas. Via de regra, a sociedade ocupa a máquina do Estado, criando agências alternativas, mas no Brasil estas são criadas pelo próprio Estado através de um direito em situação de desregulamentação da justiça, não sendo a sociedade a criar as suas normas, nem fazendo a administração da justiça de forma popular. Os intelectuais que constituem esses órgãos são os responsáveis por fazer a mediação, sendo o Estado o custeador desse processo. A lógica jurídica não desaparece. Embora funcione na figura do presidente, a associação de moradores tem a linguagem jurídica predominante, como testemunha, réu, ou seja, linguagem do direito dominante. É o Estado que financia o lugar e tem o direito como sua referência. Justiça informal, oral, sendo a sociedade que deveria trazer as normas como resolução. Ou seja, este é um processo em contraditório.

Assim, o segundo modelo se refere ao reconhecimento de um direito estatal e um alternativo dentro do próprio Estado, como exemplo os Juizados Especiais de Pequenas Causas. Ao contrário do texto de Boaventura, em que o alternativo está em paralelo com o Estado. Caracteriza-se pelo fato de que, por dentro do ordenamento jurídico do Estado, há um movimento dos juristas que promovem a subversão da ordem estatal. Tradicionalmente, o Judiciário não é o poder encarregado de promover o direito. O Judiciário é responsável por positivar e formalizar as demandas do direito, dessa forma o Estado é transformado. A justiça é obrigada a conhecer e decidir; ela se materializa e se divide, não nega a existência da Constituição, que não especifica o direito. Ela nada mais é do que um dever ser do direito, aquilo que o legislador deve reconhecer como direito, com a presença de leis e códigos que especificam o direito (positivados pelo poder público).

Existem leis criadas por legisladores, porém existem casos que não são pleiteados por estas, que ainda não foram reconhecidos pelo legislador. Estes são regulamentados por leis genéricas, é a chamada situação de lacuna. No direito moderno, é preciso que respostas sejam tomadas. Assim, é possível decidir sem norma? É necessária, dessa forma, a construção de uma nova norma por meio de analogia, por juízes orgânicos e antenados com o mundo que estabeleçam relação do caso concreto com o que existe no mundo. A jurisprudência positiva tais fatos, ela não é vinculante. O direito positivado pode ser usado como forma alternativa onde não existe o direito. A justiça orgânica é diferente da tradicional, pois ela não é geral nem obrigatória, sendo particular e aberta.

A justiça tradicional funciona mediante prévia provocação, por meio de uma ação. A ação é apresentada de forma escrita, sendo assim formal, dependendo de personagens-chave e custosa. Justiça de combate que cabe recurso, tornando-se lenta. Surge, assim, para desafogar a justiça tradicional, a justiça alternativa, marcada não pelo embate das partes, mas pela conciliação e negociação. Assim, não há a figura do juiz, mas sim de um árbitro, que tem como objetivo que a própria sociedade resolva seus conflitos. Oralidade e sumariedade. A conciliação tem problemas, pois a própria agência reguladora produz desigualdade, já que para iguais o efeito produzido é um e para desiguais é outro.

Qual é a diferença da norma nova que surge pela analogia e a norma que surge pela criação do legislador? A norma nova é particular e com validade para o caso concreto. A sua origem é uma norma que especifica o direito, mas é genérica. É nesse sentido que se reconhece o poder criativo e criador da justiça, quando, através da constatação da existência de uma lacuna real, o juiz preenche a lacuna recorrendo à analogia, criando um direito novo. Aqui não há interpretação extensiva, não se está estendendo o direito da mulher casada à mulher não casada, está criando-se uma nova norma particular e concreta a partir de uma norma genérica e abstrata.

A justiça pode positivar, pela via da jurisprudência, demandas sociais de camadas populares que o legislador ainda não reconhecera como direito. Isso pode se chamar função corretiva do direito, antecipando o legislador. A jurisprudência é fonte de um tipo especial de direito, quanto à sua concretude e particularidade. O direito reconhece formas de existência diversas, não há só uma única via de produção do direito. Socialmente, o direito não se manifesta de uma única forma o tempo todo. Uma das formas de existência é a lei, outra forma é a jurisprudência. Em Pasárgada, por exemplo, tem-se a arbitragem.

Terceiro Modelo: A Justiça Complementar (Juizados Especiais)

O uso da justiça deveria se encarregar da resolução de conflitos e da criação de normas que resolvam tais conflitos. O direito é um vínculo entre lei e sociedade.

Esse último modelo de alternatividade prevê a existência da Justiça tradicional mais um complemento. A justiça tradicional é incapaz e insuficiente, não consegue conhecer e resolver os conflitos; ela funciona mediante provocação, devendo ser acionada. Os casos chegam até a justiça através de uma lei processual. Por esses motivos, a justiça é lenta. A justiça tradicional promove o maniqueísmo, ou seja, apenas o rico ou o pobre têm acesso a ela. A classe média, que cresce cada vez mais, esbarra com os obstáculos judiciais (crise). A sociedade democrática exige que isso seja levado também para a justiça, alegando que o Estado precisa se democratizar. Assim, o Estado brasileiro criou os Juizados Especiais (direito alternativo) através de um processo de desregulamentação. A justiça alternativa surge para ser informal, oral, sem depender de advogados ou de recursos. Foi uma iniciativa do Executivo para fazer a sociedade avançar. Essas justiças alternativas são caracterizadas pela conciliação, ambas as partes ganham e perdem em uma negociação.

No Brasil, a justiça alternativa, apesar de tudo, se assemelha à justiça tradicional, já que continua baseando-se em códigos e leis estatais e os árbitros são os juízes. Além disso, a justiça alternativa está tão congestionada quanto a tradicional. A sociedade brasileira não conseguiu se organizar para dar uma resposta aos conflitos; ela sempre se volta para o Estado em busca de solução. A única administração popular brasileira é o júri popular (apenas em caso de atentado contra a vida).

Teorias Sociológicas do Desvio

Niklas Luhmann e a Função do Direito

Luhmann oferece bases de uma teoria sociológica para explicar como o direito se forma. Ele define o que é a sociedade para dizer a função do direito. Ele reconhece que os agentes determinam suas condutas com base nas suas interpretações do mundo. Reconhecem o outro. Do ponto de vista concreto, nossas ações são múltiplas, diversas, mas nós agimos de acordo com o esperado. Caso o comportamento adotado não seja aquele esperado, há o desapontamento. Parte-se do princípio que o direito produz consenso, assim há a proteção das normas contra as críticas. A norma permanece norma, não é coativa, ele independe da expectativa dos destinatários. Assim, o desapontamento é efeito do comportamento desviante e não a satisfação de expectativas.

Howard Becker: O Desvio como Construção Social

É possível definir universalmente o desvio? O desviante é definido como tal por determinadas características homogêneas que possui; o desviante não nasce desviante, ele torna-se ao longo da vida. Todo o saber da sociedade vai ensejar uma ação; a formação para saber como agir. Para agir, é preciso definir. Nós definimos o outro para saber como agir. Não há ação se não há saber.

Ao atribuir algumas características desviantes, provocam-se consequências de ação, como, por exemplo, a exclusão. Só existe crime porque há uma lei anterior. Não há nenhuma propriedade no ato de transgredir que seja desviante, a não ser que uma norma anterior defina isso. Exemplo: bigamia. No Brasil é desviante e no Oriente Médio é a norma. O desvio é uma construção histórico-social, por isso pode mudar; não há como defini-lo universalmente. O senso comum traduz, então, uma visão bastante limitada, já que ninguém nasce desviante, pois o desvio é relativo.

Todos aqueles que se afastam da média ou do ideal são considerados desviantes, mas como definir a média? Quem a define? O desviante é visto como doente. Exemplo: homossexual. O que seria um comportamento considerado saudável? O desviante é aquele que não produz a estabilidade do grupo (disfuncional); funcional e disfuncional é uma questão político-social (várias funções regendo os interesses de cada grupo). O desvio traduz o fracasso das pessoas em reconhecerem e obedecerem às regras, em relação às quais há aceitação. A regra é imposta por um grupo. De onde vem o consenso? Quem é o desviante, quem desobedece à regra ou quem a impõe?

Todas essas visões veem a sociedade como um grupo só, homogêneo e com apenas uma regra. Quando se diz que existem sociedades (no plural), reconhece-se que há mais de um direito como regra e mais de uma definição de desvio. Algumas vezes, a transgressão se dá pela obediência à regra (choque de normas). Exemplo: pessoa falta ao culto da sua religião para ir ao trabalho. Diante de normas em conflito, qual delas obedecer?

Anomia é a falta de normas; quando o Direito não proíbe, a conduta é permitida. Se não houvesse as regras, não haveria o desvio. Só existe o desvio porque existem grupos que criam as regras. Para o desvio se aperfeiçoar, após a quebra da regra (primeiro passo do desvio), precisa-se de uma publicidade do desvio e do desviante, se não a denúncia não ocorre. Necessidade de um público para ver a quebra da norma. Sem publicidade não há desvio; este necessita da resposta do outro à transgressão. Se não houver processo punitivo, o desvio não se aperfeiçoa; é como se o desvio fosse a regra.

Gilberto Velho: Desvio e Divergência

O desvio não é um dado natural, depende da realidade histórico-social, portanto, é variável. Se hoje uma pessoa tem um comportamento considerado desviante, amanhã esse comportamento pode ser avaliado de outra maneira e a pessoa pode ser considerada um herói. Gilberto conhece o desviante ou o desvio do ponto de vista histórico, levando em conta a mudança no comportamento das pessoas, ou até mesmo a mudança da visão que se tem das pessoas e dos comportamentos. Ou seja, pode ocorrer mudança da realidade ou da visão que se tem da realidade. Não se pode voltar atrás de um comportamento ou atitude (exemplo: matar uma pessoa), mas a visão e a interpretação que se tem de um comportamento podem ser mudadas.

Tudo aquilo que é pensado como sendo abstrato e universal sempre é concreto e relativo. Pelo universal, abstrai-se e tira-se do contexto. Pelo histórico, concretiza-se e insere-se no contexto. De acordo com o direito, o desvio é um problema. Mas o desvio é de fato uma ameaça ou pode ser uma redenção? Para Gilberto, o desvio possibilita que a sociedade passe a repensar sobre seus valores, ou seja, ocorre uma redenção. O desvio dá a condição de questionamento. Quando se pensa a razão do desvio, ele mesmo passa a ser questionado. Os desvios podem significar crise (a sociedade do ponto de vista valorativo pode estar em crise), como, por exemplo, crise de valores, crise ética. Mas os desvios também podem significar mudança (o descumprimento de regras para mostrar à sociedade que ela mudou, houve mudança de valores). O desvio, portanto, não é de todo mal, ele gera condição de pensamento acerca da posição da sociedade. Exemplo: descriminalização de determinada conduta. O Estado está em crise e não tem mais condições de impor certa conduta, ou o Estado mudou (repensou seus valores devido aos desvios). O desvio revela um aspecto positivo: problematizar.

O desviante não é aquele marginal como diz o senso comum (marginal é aquele que está à margem da sociedade), já que isso não é coerente, visto que todas as pessoas se encontram dentro da sociedade. O que pode ocorrer são divergências de pensamentos e opiniões, ocasionando os chamados marginais. Na visão em que o desvio é social (produto da sociedade), todos os desviantes seriam vistos como iguais, assim como seus crimes.

Se reconhecermos o desviante como produto do meio e o desvio como produção social, todos deveriam ser absolvidos. Mas se reconhecermos que as sociedades não têm responsabilidade nos comportamentos de indivíduos, os desviantes deveriam ser condenados.

Robert Merton: Anomia e Anomie

Os meios para atendimento das metas e objetivos dos indivíduos nem sempre são oferecidos. Do ponto de vista social e cultural, há uma pressão sobre os membros da sociedade para que eles desviem. Toda a teoria de Merton serve para mostrar o desvio de conduta, sobretudo de crianças e adolescentes.

  • O individual produz a ideia de ANOMIA.
  • O sócio-cultural produz a ideia de ANOMIE (pressão sobre os indivíduos).

Essa teoria (de Merton) não questiona a estrutura da sociedade, preocupa-se apenas em desenvolver mais meios para resolver determinados objetivos dos indivíduos.

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