Direito do Consumidor: Conceito, História e Princípios
Classificado em Outras materias
Escrito em em português com um tamanho de 17,31 KB.
1. Conceito e abrangência:
O Direito do Consumidor é o ramo da ciência jurídica que tem por finalidade disciplinar a relação jurídica que se estabelece entre o consumidor e o fornecedor, tendo por objeto um produto ou um serviço.
1.1 - Elementos da relação jurídica de consumo:
- Subjetiva: Os elementos subjetivos consistem nos sujeitos da relação de consumo, ou seja, o consumidor e o fornecedor.
- Objetiva: Os elementos objetivos são os objetos perante os quais recaem os interesses dos fornecedores em aliená-los e dos consumidores em adquiri-los ou contratá-los. São os produtos e os serviços.
2 - Histórico do direito consumerista:
A partir do final do século XVIII e do início do século XIX, ocorre uma substancial alteração no sistema produtivo. Tal alteração é denominada pelos historiadores de Revolução Industrial. A Revolução Industrial decorre basicamente de três fatores distintos:
- a) Ascensão da burguesia como nova classe dominante, em substituição à decadente nobreza;
- b) Surgimento da máquina a vapor;
- c) Acúmulo de capitais por parte da burguesia durante o curso da Idade Moderna e concentração da mão de obra abundante e barata nos centros urbanos.
3. Natureza jurídica:
Existem basicamente três correntes doutrinárias cujo objetivo consiste em estabelecer a natureza jurídica do direito do consumidor. São elas:
- Direito civil constitucional: O direito do consumidor é um ramo do direito civil constitucional, uma vez que ele versa sobre uma relação de cunho contratual e encontra fundamento no texto na Constituição da República.
- Direito misto: Há na doutrina quem entenda que o direito do consumidor é um direito misto, pois ele consagra normas de ordem pública e normas que visam o atendimento de interesses particulares.
- Direito privado: O direito do consumidor é um ramo do direito privado, porquanto sua categoria básica (relação de consumo) apresenta natureza contratual. Esta é a teoria mais aceita.
Direito fundamental: O direito do consumidor é um direito fundamental porque está elencado no rol do artigo 5º da CR/88 que dispõe que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."
Princípio de ordem econômica: Um dos princípios da ordem econômica é a defesa do consumidor. Conclui-se que todos são plenamente livres para explorar a atividade econômica em nosso país, desde que de forma lícita e que, para ganhar da concorrência, não poderá colocar um produto ou prestar um serviço no mercado de consumo com violação dos direitos do consumidor.
4.1. Objetivos do direito do consumidor:
O CDC tem o escopo de atender às necessidades dos consumidores, preocupando-se também com as relações de consumo de maneira a pacificar e compatibilizar interesses eventualmente em conflito.
4.2. Princípios do CDC:
- Vulnerabilidade do consumidor: É a espinha dorsal da proteção ao consumidor. É induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, apresentando sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico do fornecedor. Há reconhecimento universal no que tange à vulnerabilidade.
- Presença do Estado: O princípio da presença do Estado nas relações de consumo é, de certa forma, corolário do princípio da vulnerabilidade do consumidor, pois, se há reconhecimento da ação de hipossuficiência, de fragilidade e desigualdade de uma parte em relação à outra, está claro que o Estado deve ser chamado para proteger a parte mais fraca, por meios legislativos e administrativos, de sorte a garantir o respeito aos seus interesses.
- Harmonização de Interesses: O objeto da política nacional de relação de consumo deve ser a harmonização dos interesses envolvidos e não o confronto ou acirramento de ânimos. Interessa às partes, ou seja, aos consumidores e fornecedores, o implemento das relações de consumo, com o atendimento das necessidades dos primeiros e o cumprimento do objeto principal que justifica a existência do fornecedor: fornecer bens e serviços.
- Coibição de Abusos: A política de relações de consumo não será completa se não dispuser sobre a coibição dos abusos praticados no mercado de consumo. Deve-se garantir não só a repressão dos atos abusivos, como a punição de seus autores e o respectivo ressarcimento, senão também a atuação preventiva tendente a evitar a ocorrência de novas práticas abusivas, afastando-se aquelas que podem causar prejuízos aos consumidores, como concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais.
- Incentivo ao Autocontrole: Apesar de o Estado interpor-se como mediador nas relações de consumo, procurando evitar e solucionar os conflitos de consumo, não deve, por outro lado, deixar de incentivar que tais providências sejam tomadas pelos próprios fornecedores, mediante a utilização de mecanismos alternativos por eles próprios criados e custeados.
- Conscientização do Consumidor e do Fornecedor: Com a busca do equilíbrio das relações de consumo, para atender às necessidades do consumidor e interesses do fornecedor, sem grandes conflituosidades, é natural que haja uma maior conscientização das partes, no que toca aos seus direitos e deveres.
- Melhoria dos Serviços Públicos: Não apenas a área privada está obrigada a prestar serviços eficientes e seguros aos seus usuários. Também a área pública, oficial, deve ter o compromisso de prestar serviços públicos igualmente seguros e eficientes, que não atentem contra a vida, a saúde e a segurança do consumidor.
5. O direito do consumidor enquanto direito fundamental
5.1. Eficácia vertical (entre o Estado e as partes) e Eficácia horizontal (entre as partes):
No contexto do constitucionalismo primitivo, os direitos fundamentais foram concebidos como uma forma de proteger o indivíduo do abuso do Estado. Em consequência, os direitos fundamentais eram dotados, inicialmente, de uma eficácia meramente vertical. Nesse sentido, os direitos fundamentais redundavam em uma obrigatória abstenção do Estado no tocante à esfera individual de integrantes da sociedade. Surge, então, o paradigma do Estado Liberal de Direito, que preconizava a existência de uma igualdade meramente formal entre os integrantes do corpo social.
No vigente texto constitucional, o direito do consumidor foi consagrado como direito fundamental, ao qual devemos atribuir, conforme amplamente exposto alhures, uma eficácia horizontal. Isso porque os fornecedores de produtos e serviços devem observar os direitos fundamentais nas relações que estes entabulam junto aos consumidores.
6. Relação de consumo:
É a relação que se estabelece entre consumidor e fornecedor, tendo por objeto um produto ou a prestação de um serviço. Desse modo, a relação de consumo, dotada de natureza contratual, é a categoria básica objeto de estudo do Direito do Consumidor.
- Contrato: É um negócio bilateral ou plurilateral que tem por objetivo criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações de caráter patrimonial.
- Negócio jurídico: É toda declaração de vontade emitida em consonância à ordem legal e produtora dos efeitos jurídicos pretendidos pelo agente.
- Elementos da relação de consumo: São os objetivos (produto e serviço) e os subjetivos (consumidor e fornecedor).
6.2. Elementos:
As relações de consumo possuem dois elementos principais, quais sejam:
- Subjetivos: consumidor e fornecedor.
- Objetivos: produto e serviço.
6.3. Consumidor:
Existem duas vertentes doutrinárias que objetivam fixar o verdadeiro sentido e alcance da expressão mencionada. São elas:
- Teoria maximalista: A expressão "destinatário final" é ampliada, contemplando e ampliando o conceito de consumidor, abrangendo qualquer tipo de transações comerciais. Pouco importa, para os maximalistas, se o produto ou serviço será reempregado no ciclo produtivo do agente, bastando que este retire o produto do mercado de consumo. EXEMPLO: Vamos supor que a FIAT Automóveis retira um conjunto de freios de um de seus fornecedores e coloca em seus veículos. Aí o cliente compra o carro e, graças ao conjunto de freios estar com defeito, não pode sair de casa. De acordo com a teoria maximalista, o cliente é consumidor da FIAT e a montadora é consumidora da fornecedora. Assim, caso fosse necessário, o cliente teria que ajuizar ação contra a FIAT e esta contra a fornecedora, o que causaria um tumulto muito grande em torno de um único fato.
- Teoria finalista: Para os finalistas, a expressão "destinatário final" deve ser interpretada como "destinatário fático e econômico". Desta forma, se o agente retira o produto ou serviço do mercado de consumo e o utiliza em seu ciclo produtivo, ele não poderá ser considerado como um consumidor. Assim, a teoria finalista restringe o conceito de consumidor.
Supondo o mesmo caso demonstrado anteriormente, para a teoria finalista, o consumidor final seria apenas o consumidor, já que a FIAT apenas usou a peça para montar o carro. Na teoria finalista, deve-se observar quem será o destinatário fático e econômico do produto final. No caso, apenas o consumidor.
- Teoria adotada pelo STJ: A teoria adotada pelo STJ é uma terceira vertente desta teoria, a teoria finalista mitigada (restrita). Isso porque a pessoa jurídica que pretenda se enquadrar como consumidor deve demonstrar, além dos requisitos genéricos da teoria finalista (destinatário fático e econômico), sua vulnerabilidade em qualquer de suas modalidades.
Teoria Maximalista | Teoria Finalista |
Destinatário final = Destinatário fático | Destinatário final= Destinatário Fático = Destinatário Econômico |
Amplia o conceito de consumidor | Restringe o conceito de consumidor |
Teoria do bystander: Tal figura, muito embora esteja fora da relação de consumo, pode se valer da incidência do CDC para a tutela de seus direitos ou interesses. Tal situação ocorre, por exemplo, no chamado acidente de consumo. A vítima não precisa ser consumidora efetivamente, mas será equiparada a consumidora não pelo fato de ser destinatária final de produto ou serviço, mas pela condição de estar no local dos fatos quanto da ocorrência do acidente de consumo.
- Exemplo 01: Isaías compra uma televisão na Ricardo Eletro e dá de presente para Renato que, no momento de ligá-la, explode em seu rosto, causando ferimentos na face (embora sejam apenas ferimentos estéticos). Nesse caso, Renato se equiparará ao consumidor, tendo direito de ajuizar ação contra a Ricardo Eletro por este motivo.
- Exemplo 02: O avião da companhia aérea GOL cai sobre a casa de Marta, causando sua total destruição. Configurou-se, portanto, o dano material em sua modalidade dano emergente. Nesta hipótese, muito embora Maria não se vincule contratualmente à GOL, poderá invocar em seu favor as disposições inseridas no CDC.
6.4. Fornecedor: É qualquer pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que oferte produto ou serviço no mercado de consumo.
- Associações recreativas: O STJ entende que não há relação de consumo entre associação recreativa e o associado. Tal vertente jurisprudencial se fundamenta no caráter comunitário do vínculo existente entre o associado e a associação. Para reforçar o referido entendimento a mencionada corte superior ainda traz à baila outro fundamento, qual seja, o caráter não lucrativo das atividades desenvolvidas pela associação.
- Condomínio e condômino: Inexiste relação de consumo entre o condomínio (ente despersonificado) e os condôminos, devendo eventuais controvérsias entre eles serem solucionadas através da incidência do Código Civil.
Embora os condomínios não possam ser considerados fornecedores, estes podem, todavia, ser contemplados no âmbito de consumidores.
7. Princípios do direito do consumidor
7.1. Teoria geral dos princípios
7.1.1. Conceito: Princípios são proposições fundamentais que se colocam na base de uma determinada ciência, informando-a. Seriam, portanto, enunciados genéricos que conferem coerência a um determinado seguimento do direito.
7.1.2. Fonte do direito: Fonte do direito é a expressão metafórica utilizada para designar a origem das normas jurídicas. As fontes do direito apresentam uma classificação muito importante, a saber:
- Fontes Materiais do Direito: São movimentos jurídicos, políticos, sociais e econômicos que conduzem ao surgimento da norma jurídica. Exemplo: Greve.
- Fontes Formais do Direito: São os instrumentos estilizados pelos quais se manifestam as normas jurídicas. Exemplo: Constituição da República, Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, etc.
- Fontes formais autônomas: São aquelas que contam com a participação direta de seus destinatários finais no processo de sua elaboração. Exemplo: Convenções Coletivas de Trabalhos, Acordos Coletivos de Trabalho e a Convenção Coletiva de Consumo.
- Fontes formais heterônimas: São aquelas que não contam com a participação direta de seus destinatários finais, e que se originam de um terceiro, geralmente o ESTADO. Exemplo: Constituição da República, Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, etc.
- Fonte Integrativa (ou normativa subsidiária): Como é cediço, a atividade legiferante do ESTADO não é capaz de antever todas as situações de fato passíveis de ocorrência no campo das relações sociais. Deste modo, o nosso ordenamento jurídico encontra-se repleto de lacunas normativas, situações de anomias.
7.1.3. Funções:
- Função Informativa: Os princípios se constituem em meios auxiliares para que os julgadores promovam a interpretação da norma jurídica. Interpretar é estabelecer o sentido e o alcance da norma.
- Função Normativa Concorrente: Traduz a ideia de que os princípios são dotados de um caráter vinculante. A partir de tal concepção surge a seguinte classificação das normas jurídicas: Normas jurídicas enquanto Gênero: em espécie as Regras e os Princípios.
7.2. Princípios do direito do consumidor:
A. Princípio da vulnerabilidade: É a espinha dorsal da proteção ao consumidor. É induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, apresentando sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico do fornecedor. Há reconhecimento universal no que tange à vulnerabilidade.
Vulnerabilidade é qualquer situação, permanente ou transitória, individual ou coletiva, que coloque o consumidor em situação de desvantagem em relação ao fornecedor.
- Vulnerabilidade técnica: Consiste no fato de que o consumidor não detém conhecimentos técnicos acerca do produto ou serviço objeto da relação de consumo.
- Vulnerabilidade jurídica: Consiste na circunstância de que o consumidor desconhece as regras e institutos que compõem o direito do consumidor.
- Vulnerabilidade econômica: Consiste no fato de que o consumidor ostenta, em regra, uma capacidade financeira inferior à do fornecedor.
OBS: Basta a presença de apenas um dos tipos de vulnerabilidade para que a parte possa se valer da incidência do CDC.
B. Princípio da defesa do consumidor pelo Estado: O princípio da presença do Estado nas relações de consumo é, de certa forma, corolário do princípio da vulnerabilidade do consumidor, pois, se há reconhecimento da ação de hipossuficiência, de fragilidade e desigualdade de uma parte em relação à outra, está claro que o Estado deve ser chamado para proteger a parte mais fraca, por meios legislativos e administrativos, de sorte a garantir o respeito aos seus interesses.