Direito de Família: Conceito, Princípios e Casamento
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Direito Civil VII - Direito de Família
Conceito de Direito de Família
É o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco, os institutos complementares da tutela, da curatela e da ausência, e as normas que regem a união estável e a família monoparental.
Família: Agrupamento Natural
A família nasceu do agrupamento natural, da necessidade de preservar e ampliar a espécie.
Auxílio Mútuo
A família proporciona auxílio mútuo em diversas esferas:
- Intelectual
- Econômica
- Espiritual
- Sexual
- Etc.
Princípios do Direito de Família
a) Princípio da Razão do Matrimônio/União Estável (Afetividade)
O fundamento básico é a afeição. Estabelecimento de estreita convivência entre pessoas, fundada na prole e/ou afeto entre seus membros. Casais homoafetivos podem converter a União Estável em casamento.
b) Igualdade Jurídica entre Cônjuges/Conviventes (Art. 226, §5º CF)
Superação do sistema patriarcal (pater familias) em favor da paridade (simetria) entre os cônjuges/companheiros.
Pater familias
Nesse sistema, filhos, esposa e companheira eram totalmente submissos ao chefe de família.
Estatuto da Mulher Casada
Este estatuto trouxe poucas mudanças, mantendo a mulher em posição de auxiliadora. A igualdade plena de direitos e obrigações entre homens e mulheres foi estabelecida pela Constituição Federal de 1988.
c) Princípio da Consagração do Poder Familiar
Reflexo do princípio da igualdade, tem origem na relação materno-paterno-filial. Ambos os genitores exercem o poder familiar.
Poder Familiar e Ausência de Casamento/União Estável
O poder familiar existe independentemente do estado civil dos pais.
Guarda vs. Poder Familiar
A guarda pode ser atribuída a um dos genitores, mas o poder familiar, em regra, permanece com ambos, mesmo que não residam com a criança.
d) Princípio da Liberdade (Pluralidade Familiar)
Assegura aos cônjuges e companheiros a liberdade de escolha em relação a:
- Regime de bens: Definir as regras patrimoniais da união.
- Espécie de Família: Formar famílias matrimoniais, extramatrimoniais (união estável), monoparentais, mosaico (recompostas), etc.
- Livre planejamento familiar: Decidir sobre ter filhos e quantos ter.
Este princípio também abrange o reconhecimento e a proteção das famílias homoafetivas.
e) Princípio da Igualdade entre Filhos (Art. 227, §6º CF)
Não se permite distinção entre filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção. É proibida qualquer discriminação ou menção à origem da filiação em documentos.
Filhos Antes da CF/88
Existiam classificações como:
- Legítimos
- Legitimados
- Adulterinos
- Naturais
- Incestuosos
Observações:
- Até 1988, era proibido o reconhecimento de parentesco entre genitores e filhos adulterinos.
- Até 1988, o filho adotivo era preterido em relação a direitos sucessórios (herança).
Pensão Alimentícia (Cálculo)
Para calcular a pensão, o Juiz analisa o binômio Necessidade-Possibilidade. Não existe um percentual fixo (como 30%); o Juiz analisa caso a caso. Em situações de dificuldade financeira comprovada do alimentante, a jurisprudência pode fixar um valor com base em percentual do salário mínimo.
Natureza Jurídica do Direito de Família (Direito Extrapatrimonial)
Embora inserido no rol de direito privado, possui regras próprias, e grande parte de suas normas são:
- De ordem pública
- Cogentes
- Inderrogáveis pela vontade das partes
Casamento
Conceito de Casamento
Evolução do conceito ao longo do tempo:
- Antes do CC/1916
- Na vigência do CC/1916
- Na vigência do CC/2002 (Art. 1511)
Natureza Jurídica do Casamento
Existem diferentes concepções:
1. Teoria Contratualista
- a) Pura: Considera o casamento um contrato civil comum, consumado pelo consentimento.
- b) Mista: Vê o casamento como um contrato sui generis, pois não versa apenas sobre questões patrimoniais, tem características peculiares e traz consequências para terceiros.
2. Teoria Institucionalista
O casamento é uma instituição civil. Ao se casarem, os cônjuges se subordinam a regras pré-determinadas pelo Estado, sobre as quais a vontade das partes não pode prevalecer. Há uma adesão dos nubentes às normas institucionais.
Fundamentos:
- Contrato visa especulação; instituição visa outros fins (sociais, familiares).
- Contrato produz efeitos entre as partes; instituição produz efeitos erga omnes (contra terceiros).
- Contrato permite distrato; casamento não (exige divórcio/anulação).
- Contrato tem regras estabelecidas pelas partes; instituição tem regras estabelecidas pelo Estado.
3. Teoria Eclética
O casamento é um ato complexo, mesclando elementos das teorias contratualista (na formação, pelo consentimento) e institucionalista (nos efeitos e regras impostas).
Características do Casamento
- Liberdade de escolha dos nubentes: A coação pode levar à anulação.
- Solenidade do ato nupcial: Exige formalidades legais.
- União Permanente: Intenção de durabilidade (embora dissolúvel).
- União Exclusiva (Monogamia): Proibição da poligamia.
Poligamia
- Poliginia: Um homem casado com várias mulheres.
- Poliandria: Uma mulher casada com vários homens.
Definição Conceitual (Doutrina)
Conceito Geral
Casamento é o ato solene pelo qual duas pessoas se unem sob promessa recíproca de fidelidade, no amor e na mais estreita comunhão de vida.
Definição (Maria Helena Diniz)
Casamento é o vínculo jurídico entre homem e mulher (observação: conceito tradicional, hoje estendido a casais homoafetivos pela jurisprudência) estabelecido de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência.
Casamento Inexistente
É diferente de nulo e anulável. Ocorre quando há ausência de elementos essenciais à sua formação, significando que o ato sequer existiu juridicamente. Falta:
- a) Diversidade de sexo (Observações): Tradicionalmente exigida, mas a jurisprudência do STF e STJ reconhece a união estável e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
- b) Celebração: Ausência de celebração perante autoridade competente prevista em lei.
- c) Consentimento: Ausência total de consentimento (diferente de consentimento viciado por coação ou erro, que torna o casamento anulável).
Consequências:
- A inexistência deve ser declarada em ação de rito ordinário.
- Uma vez declarado inexistente, não há impedimento para novas núpcias.
- Questões patrimoniais podem ser discutidas (ex: sociedade de fato).
Esponsais (Promessa de Casamento)
Compromisso levado a efeito por duas pessoas desimpedidas, com o objetivo de, após avaliarem suas afinidades, se casarem.
Noivado
Marco inicial dos preparativos para o casamento.
Natureza Jurídica dos Esponsais
- Pré-contrato: Para contratualistas e ecléticos.
- Não é pré-contrato: Para institucionalistas.
Indenização por Desfazimento do Compromisso
- a) Legislação específica: Alguns países (ex: Peru) preveem indenização pela quebra da promessa.
- b) Exclusão de responsabilidade: Outros países não preveem indenização específica.
- c) Omissão - Direito brasileiro: O Brasil é omisso. Aplica-se a regra geral de responsabilidade civil (Art. 186 CC - ato ilícito).
Rompimento por Mero Desamor ou Incompatibilidades
Em regra, não gera dever de indenizar, salvo circunstâncias específicas.
Requisitos para Indenização (Responsabilidade Civil)
- a) Promessa livremente feita pelos noivos.
- b) Recusa em cumprir a promessa.
- c) Ausência de justo motivo para o rompimento.
- d) Existência de dano (material e/ou moral).
Entendimento Jurisprudencial
A jurisprudência tem sido favorável à indenização por danos materiais (despesas com casamento) e, em casos específicos, por danos morais, quando o rompimento se dá de forma abusiva ou vexatória, sem justo motivo.
Impedimentos Matrimoniais (Art. 1521 CC)
Constituem barreiras impostas pela lei à realização do casamento e que, uma vez desprezadas pelos nubentes, podem conduzir à sua nulidade.
Classificação
Impedimentos Propriamente Ditos (Art. 1521)
Proibições absolutas baseadas em:
- Parentesco natural e civil (adoção).
- Vínculo matrimonial anterior não dissolvido.
- Crime (homicídio doloso do cônjuge do outro).
Causas Suspensivas (Art. 1523 CC)
Conceito: São obstáculos estabelecidos pelo legislador tendentes a evitar a confusão patrimonial do casamento anterior, a confusão sanguínea (turbatio sanguinis) e a proteger interesses de incapazes.
Consequência: O casamento realizado sob causa suspensiva é válido, mas impõe o regime da separação obrigatória de bens (Art. 1641, I CC).
Autorização Judicial: É possível pedir autorização judicial para afastar a causa suspensiva (Art. 1523, parágrafo único).
Legitimidade para Arguir: Parentes em linha reta, colaterais até 2º grau (Art. 1524). Interpretação doutrinária estende a ex-cônjuge/convivente.
Causas de Anulação (Art. 1550 CC)
Situações que tornam o casamento anulável (ver adiante).
Distinção: Impedimento vs. Incapacidade
Incapacidade é genérica e obsta a pessoa de se casar com quem quer que seja (ex: menoridade absoluta sem suprimento). Impedimento é circunstancial e obsta o casamento com determinadas pessoas.
Razões dos Impedimentos (Art. 1521)
- a) Preservar a monogamia: Inciso VI (pessoas casadas).
- b) Preservar a moral social e familiar: Incisos III (afinidade - sogro/genro/nora), V (adotante/adotado, cônjuge do adotante/adotado), VII (crime).
- c) Impedir núpcias incestuosas e evitar problemas eugênicos: Incisos I (ascendentes/descendentes), II (afins em linha reta), IV (irmãos, tios/sobrinhos - estes últimos com restrições).
Observações sobre os Incisos do Art. 1521
- I - Parentesco civil (adoção): Equiparado ao natural para fins de impedimento.
- II - Afinidade em linha reta (genro/sogra, nora/sogro): O vínculo persiste mesmo após dissolução do casamento que o originou. E se for união estável? A doutrina majoritária (ex: Pontes de Miranda) entende que o impedimento se aplica por analogia.
- IV - Irmãos (unilaterais ou bilaterais) e demais colaterais até o 3º grau (tios/sobrinhos): Casamento entre tios e sobrinhos é permitido mediante exame médico pré-nupcial que ateste ausência de risco eugênico (Decreto-Lei nº 3.200/41).
- VII - Cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio (ou tentativa) contra o seu consorte: Refere-se a crime doloso. Homicídio culposo não gera impedimento.
Casos Específicos:
- Casamento entre enteados: Permitido (não há parentesco ou afinidade entre eles).
- Casamento com ex-enteado: Permitido (afinidade em linha colateral se extingue com a dissolução do casamento).
- Casamento com ex-cunhado: Permitido (afinidade em linha colateral se extingue com a dissolução do casamento).
Observações sobre Causas de Anulação (Art. 1550 CC)
O casamento pode ser anulado por:
- I - Idade núbil não completada (Art. 1517): Menos de 16 anos, salvo exceções do Art. 1520 (gravidez - lei controversa após proibição do casamento infantil pela Lei 13.811/19) e Art. 1551 (confirmação pelo menor após completar idade).
- II - Menor em idade núbil (16-18 anos) sem autorização do representante legal: Pode ser suprida judicialmente em caso de divergência ou recusa injusta. Nomeia-se curador especial se houver conflito de interesses (Art. 72 CPC, antigo Art. 9º).
- III - Vício de vontade (erro essencial ou coação - Arts. 1556 a 1559):
Anulação Por Erro Essencial - Requisitos:
- Anterioridade do vício ao ato nupcial.
- Desconhecimento do fato pelo cônjuge enganado.
- Insuportabilidade da vida em comum decorrente do erro.
Exemplos de erro essencial (Art. 1557): identidade, honra e boa fama; ignorância de crime; ignorância de defeito físico irremediável ou moléstia grave transmissível.
Casos específicos mencionados:
- Vaginismo: Pode configurar defeito físico irremediável se desconhecido e tornar a vida comum insuportável.
- Infantilismo (parafilia): Pode configurar erro quanto à identidade psíquica/sexual se desconhecido e tornar a vida comum insuportável.
Efeitos do Casamento
Conceito
São as consequências jurídicas que se projetam no ambiente social, nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges, e nas relações entre pais e filhos, dando origem a direitos e deveres.
Espécies de Efeitos
A) Sociais
- Constituição da Família Matrimonial.
- Presunção de paternidade dos filhos nascidos na constância do casamento (Art. 1597 CC).
- Vínculo de afinidade com os parentes do consorte (Art. 1595 CC).
- Constituição do estado civil de casado.
B) Pessoais
- Emancipação do menor (Art. 5º, parágrafo único, II CC).
- Dever de fidelidade recíproca.
- Dever de coabitação (vida em comum no domicílio conjugal).
- Co-gestão da sociedade conjugal (direção conjunta - Art. 1567 CC).
- Dever de mútua assistência.
- Representação legal da família (exercida por ambos).
- Dever de respeito e consideração mútuos.
C) Patrimoniais
- Estabelecimento de um regime de bens.
- Administração do patrimônio comum (e particular).
- Direito sucessório entre os cônjuges.
Regime de Bens
Conceito
É o conjunto de regras jurídicas que disciplina as relações econômicas entre marido e mulher. Representa o estatuto patrimonial do matrimônio, regulando os interesses pecuniários dos cônjuges entre si e perante terceiros.
Princípios do Regime de Bens
1. Quanto à Origem
- Legal: Imposto pela lei.
- Supletivo ou Subsidiário: Aplicado quando os nubentes não escolhem outro (Comunhão Parcial - Art. 1640 CC).
- Obrigatório: Imposto em certas hipóteses (Art. 1641 CC - Separação Obrigatória de Bens).
- Convencional: Escolhido pelos nubentes mediante pacto antenupcial (Comunhão Universal, Separação Convencional, Participação Final nos Aquestos).
2. Quanto à Espécie
- Comunhão Universal: Comunicação de todos os bens presentes e futuros, salvo exceções legais (Art. 1668 CC).
- Comunhão Parcial: Comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento (aquestos) (Art. 1658 CC).
- Separação de Bens: Incomunicabilidade total dos bens.
- Legal (Obrigatória - Art. 1641 CC).
- Convencional (Escolhida por pacto - Art. 1687 CC).
- Participação Final nos Aquestos: Regime híbrido; durante o casamento funciona como separação, na dissolução apuram-se os aquestos e divide-se (Art. 1672 CC).
Dívidas
- Contraídas ANTES do casamento: Respondem os bens particulares do devedor e, se insuficientes, a sua meação nos bens comuns.
- Contraídas NA CONSTÂNCIA do casamento:
- A) Em benefício da administração de um bem particular: Só o patrimônio particular do proprietário responde.
- B) Em benefício dos encargos da família: Bens comuns respondem; subsidiariamente, os particulares.
- C) Decorrentes da administração de bens comuns: Bens comuns respondem (Ex: despesas com maquinários, combustível - Art. 1663, §1º CC).
- D) Imposição Legal (Obrigações propter rem): Ex: IPVA, IPTU de bem comum - bens comuns respondem.
Regime da Comunhão Parcial de Bens (Legal Supletivo)
Conceito
É aquele que exclui da comunhão os bens que cada cônjuge já possuía antes do matrimônio (bens particulares) ou que venha a adquirir na constância deste por causa alheia (doação, herança) ou anterior ao casamento. Incluem-se na comunhão apenas os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento (aquestos).
- Bens anteriores ao casamento = particulares.
- Bens adquiridos onerosamente na constância do casamento = comuns (aquestos).
- Após o casamento, há presunção de contribuição de ambos os cônjuges para a aquisição dos aquestos, ainda que não tenha havido colaboração pecuniária direta.
- A partilha em caso de eventual dissolução deve ser feita meio a meio sobre os bens comuns, independentemente de culpa ou do motivo da dissolução.
Patrimônio
Neste regime, em regra, existem 3 massas patrimoniais:
- A) Patrimônio Particular do Cônjuge 1
- B) Patrimônio Particular do Cônjuge 2
- C) Patrimônio Comum (Aquestos)
Características
- Não exige pacto antenupcial (é o regime padrão).
- Excluem-se da comunhão bens anteriores ao casamento, ou posteriores (durante o casamento) desde que adquiridos por causa anterior ou alheia ao casamento (Ex: Doações, herança).
- Bens excluídos da comunhão: Art. 1659 CC.
- Bens que se comunicam: Art. 1660 CC.