Direito Internacional: Conceitos, Tratados e Modelos Históricos

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Acordo Colateral e Princípio da Relatividade dos Tratados

Acordo Colateral

Sem o Art.º 35.º da CV (Convenção de Viena), admite-se a possibilidade de um tratado criar obrigações para um Estado terceiro. Vamos supor que A e B, partes num tratado inicial, pretendem criar uma obrigação para C – Estado terceiro que não participou nesse primeiro acordo. Tal intenção só logrará concretizar-se, caso C, expressamente e por escrito, aceite ser sujeito passivo da assunção de obrigações, ou seja, a assinatura do Estado terceiro terá de ser formalizada através de um segundo acordo – acordo colateral – entre este Estado e as partes no primitivo tratado (A e B). Daqui se conclui que as obrigações não se impõem a C por força da convenção A – B, mas sim em resultado de um acordo posterior em que serão intervenientes os três Estados considerados. É o acordo colateral que constitui o fundamento jurídico das obrigações que passam a vincular o Estado terceiro.

Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Tratados (Art.º 34.º da CV)

Conforme o disposto no Art.º 34.º da CV, um tratado não cria nem obrigações nem direitos para um Estado sem o consentimento deste último. Isto consiste no princípio da relatividade dos efeitos dos tratados ou da eficácia relativa.

Ratificação, Adesão e Reservas

A Ratificação

A ratificação é o ato solene pelo qual o órgão competente, à face do direito constitucional (PR), vincula o Estado ao tratado, tornando-o assim definitivo e comprometendo-se a cumpri-lo. A ratificação é um ato livre e discricionário, existindo o direito de recusa da ratificação. Em Portugal, é a cargo do Presidente da República que se vincula o Estado português aos atos solenes.

A separação de poderes no nosso ordenamento jurídico reflete-se também na conclusão das convenções internacionais:

  • Ao Governo compete: «condução da política geral do país» (Art.º 182.º da CRP) e «negociar e ajustar» os tratados (Art.º 197.º, n.º 1, al. b) da CRP).
  • Ao Presidente da República cabe a representação do Estado nas relações externas (Art.º 120.º da CRP) e correlativamente proceder à sua ratificação (Art.º 135.º, al. b) da CRP).

Adesão (Art.º 15.º da CV)

A adesão permite a um Estado não signatário de uma convenção internacional, que se encontra já em vigor, tornar-se parte nela, independentemente de ter ou não ter participado na negociação. A adesão serve para expressar o consentimento de um Estado para ficar sujeito a um contrato, pelo que, mais até do que a assinatura diferida, constitui um meio eficaz de aumentar o campo de aplicação do direito internacional convencional. Como a adesão não é precedida de um ato de autenticação, a aprovação do tratado deverá ser feita antecipadamente sem que a recuperação fosse feita numa situação idêntica às ratificações imperfeitas.

Assinatura Diferida

Só aos Estados participantes na negociação, e para quem o texto do projeto fosse considerado superior, era permitida a assinatura das convenções internacionais. Hoje, existe a possibilidade de aprovar um tratado, não só para os Estados que participaram na negociação, entendendo por bem diferir a sua assinatura para um momento subsequente à adoção do texto, mas também para aqueles que nela não participaram. Nisto consiste a assinatura diferida. Trata-se de um ato que os Estados podem realizar, durante um prazo estabelecido na própria convenção, ou até sem qualquer limite de tempo, tendo ou não participado na fase de negociação.

Reservas (Art.º 2.º, n.º 1, al. d) da CV)

Reserva designa uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua denominação, feita por um Estado quando este concorda globalmente com o objeto e o conteúdo essencial de um tratado, no qual está pronto a tornar-se parte, discordando, embora, de certas disposições desse tratado. Deste modo, o Estado ou recusa simplesmente vincular-se à convenção, ou pelo contrário, aceita fazer parte do tratado, declarando, todavia, ou que exclui essas cláusulas, que não lhe convêm, ou que pretende modificá-las, atribuindo-lhes um significado diverso, aceitável para si próprio, desde que essa reserva não contrarie o objeto e o fim da convenção.

Diferença entre Sociedade e Comunidade

Sociedade

É o resultado da vontade dos sujeitos de se unirem e colaborarem entre si para seguirem um objetivo comum, mas que se mantêm separados apesar de tudo o que fazem para se unirem.

Comunidade

É um produto espontâneo da vida social que se estrutura naturalmente e que mantém os sujeitos unidos, apesar de tudo o que os separa. Assim, de acordo com as teorias sobre os termos «sociedade» e «comunidade», pode-se dizer que na comunidade os fatores de agregação prevalecem sobre os fatores de conflito ou afastamento, enquanto na sociedade ocorre exatamente o contrário.

Convenções Internacionais: Noção e Classificação

Noção de Convenções Internacionais

Manifestação de vontades concordantes, entre dois ou mais sujeitos de Direito Internacional, destinada a vincular juridicamente a conduta desses sujeitos, e regulada simultaneamente pelo direito interno e pelo direito internacional.

Classificação das Convenções Internacionais

Na análise à classificação das Convenções Internacionais, existem dois métodos de classificação de tratados: classificações formais, que atendem a determinadas variáveis exteriores às convenções, e classificações materiais, que têm em conta os aspetos intrínsecos de conteúdo ou função jurídica.

Classificações Formais

Critério da Qualidade das Partes:

  • Celebradas entre Estados.
  • Celebradas entre Estados e organizações internacionais.
  • Celebradas entre organizações internacionais.

Critério do Número de Partes:

  • Tratados Bilaterais: Duas partes.
  • Tratados Multilaterais: Mais de duas partes. Subdividem-se em:
    • Abertos/Gerais: Tendem para a universalidade, não estando limitado o número de partes.
    • Fechados/Restritos: Número de partes limitado.

Critério do Procedimento de Decisão:

  • Tratados Solenes: Carecem de ratificação.
  • Acordos de Forma Simplificada: Não carecem de ratificação, têm um procedimento de decisão mais simples e célere.

Procedimento de Conclusão das Convenções Internacionais

  1. Negociação (1.º Momento)

    Fase em que é discutido, redigido e adotado o texto da futura convenção.

    Em Portugal, a competência para negociar as convenções internacionais foi atribuída ao Governo (Art.º 197.º, n.º 1, al. b) da CRP), com a participação dos governos regionais sempre que a matéria seja de interesse específico para as Regiões Autónomas (Art.º 227.º, n.º 1, al. t) da CRP).

  2. Autenticação (2.º Momento)

    O 2.º momento da conclusão das convenções internacionais é o da sua autenticação ou assinatura pelos plenipotenciários.

    Efeitos da Autenticação (Art.º 10.º, 12.º, 18.º da CV)

    Os efeitos variam conforme se trate de tratados solenes ou acordos de forma simplificada:

    • Tratados Solenes: A mera assinatura/autenticação não vincula o Estado ao tratado. Tal só ocorrerá com a ratificação. No entanto, produz os seguintes efeitos:
      • Inalterabilidade do texto (depois de autenticado não se pode alterar mais o texto).
      • Criação de um dever de boa-fé (dever de abstenção de atos que atentem contra o objeto ou fim da Convenção Internacional).
      • Criação de um direito de defesa da integridade da convenção.
    • Acordos em Forma Simplificada: Mediante a assinatura, o Estado fica, desde então, internacionalmente vinculado ao acordo, não necessitando de ratificação. Para além deste, produz também os três efeitos acima referidos.
  3. Aprovação (3.º Momento)

    Todas as convenções têm de ser aprovadas. Após a revisão constitucional (1997): o Governo passou a aprovar apenas acordos de forma simplificada e a AR (Assembleia da República) aprova tratados solenes e alguns acordos de forma simplificada.

Ratificações Imperfeitas e Consequências Jurídicas

Ratificações Imperfeitas

As ratificações imperfeitas são as ratificações do Presidente da República a um tratado, sem que tenham sido cumpridas, ou tenham sido defeituosas, determinadas formalidades constitucionalmente previstas. Exemplos:

  1. Ratificações pelo PR sem aprovação prevista do tratado pela AR (permite a nulidade).
  2. Excesso de forma: aprovação por lei, em vez da simples resolução da AR como prevê a lei, com consequente ratificação pelo PR (não permite nulidade).
  3. Ratificação pelo PR com anterior desrespeito dos procedimentos de designação de Plenipotenciários (não permite nulidade).
  4. Ratificação pelo PR de uma convenção de matéria de interesse das regiões autónomas, sem a participação destas (permite a nulidade).

Consequências Jurídicas de uma Ratificação Imperfeita

O Estado não pode invocar uma ratificação imperfeita (violação de um preceito do seu direito interno respeitante à competência para a conclusão de tratados) como meio de se eximir ao cumprimento dos seus compromissos internacionais, exceto em situações de conformidade e desde que tenha sido manifestada a violação da norma de direito interno relativa à conclusão dos tratados e que aquela norma seja considerada de importância fundamental. Só assim, a ratificação imperfeita será um vício relevante, dando origem à invalidade (nulidade relativa) da convenção (Art.º 46.º da CV e Art.º 277.º, n.º 2, CRP).

Entrada em Vigor e Publicação (4.º e 5.º Momento)

O procedimento de formação das convenções internacionais termina com a entrada em vigor (Art.º 24.º e 25.º da CV), o seu registo (Art.º 102.º da CNU e Art.º 80.º da CV) e publicação.

Aplicação das Convenções Internacionais a Estados Terceiros

Regra geral, os tratados não impõem obrigações nem atribuem direitos a Estados terceiros. No entanto, poderão produzir efeitos de acordo com o previsto na Convenção de Viena do Art.º 34.º ao Art.º 38.º.

Estipulação em Favor de Outrem (Art.º 36.º da CV)

Outra técnica contratual, prevista no Art.º 36.º e 37.º da CV, que se traduz no facto de Estados partes numa convenção internacional criarem um direito cujo destinatário é um terceiro. Este tipo de contrato também não dispensa o consentimento de terceiros, sendo tal consentimento presumido. Se houver um direito ou vantagem para esse Estado terceiro, então presumir-se-á o seu consentimento e, por isso, dispensa-se a forma expressa ou escrita. No caso de o terceiro Estado querer renunciar a esse benefício (não há consentimento), terá então de existir uma forma expressa ou escrita.

Cláusula da Nação Mais Favorecida

A cláusula da nação mais favorecida é um expediente técnico destinado à criação de direitos em benefício de um terceiro. Se um contrato inicial entre A e B, sobre determinada matéria, constar esta cláusula, e se a parte A celebrar um novo contrato com C, sobre a mesma matéria, as disposições mais favoráveis aplicar-se-ão automaticamente a B e, portanto, irá beneficiar o Estado parte nesse tratado inicial que não participou no segundo. Este mecanismo é muito utilizado em tratados de caráter económico (taxas aduaneiras).

Direito Internacional Geral e Particular

Direito Internacional Geral

A existência de uma verdadeira comunidade jurídica leva todos os Estados a estarem submetidos ao mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo direito. Fala-se em Direito Internacional Geral para significar o direito que se aplica à comunidade internacional universal. Numa palavra, o Direito Internacional Geral consubstancia-se num conjunto de normas aceites pela comunidade de Estados no seu conjunto.

Direito Internacional Particular

Integra-se no âmbito das sociedades internacionais particulares, composto por pelo menos dois Estados que, na defesa de interesses comuns, estabelecem entendimentos que ganham formas e que, por vezes, se materializam em organizações internacionais, regidas por normas próprias de cariz regional e local, bem como pelas constantes na maioria dos Tratados Internacionais.

Funções do Direito Internacional

As raízes do Direito Internacional moderno revelam as duas principais funções que ele é chamado a desempenhar: Coexistência e Cooperação.

  • Coexistência: Permitir a coexistência entre Estados heterogéneos e juridicamente iguais, num clima de paz.
  • Cooperação: Satisfazer necessidades e interesses comuns que surgem entre os membros da comunidade internacional.

Tratados Abertos vs. Tratados Fechados

  • Abertos: Admitem a vinculação de outros estados que não participaram na sua negociação.
  • Fechados: Só se podem vincular os estados que participaram na negociação.

Fontes do Direito Internacional

Fontes Materiais

As fontes materiais são o conteúdo de uma norma jurídica; elas determinam como uma norma jurídica será elaborada. Fatores sociológicos, económicos, psicológicos e culturais levam a uma tomada de decisão que depois poderá ser formalizada nas outras fontes do Direito Internacional. As fontes materiais referem-se a essas decisões.

Fontes Formais

As fontes formais são os métodos e processos de criação de normas jurídicas. Estão citadas no Art.º 38.º do Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

No seu Art.º 38.º estão discriminadas as várias fontes formais de Direito Internacional:

  • As convenções internacionais;
  • O costume internacional;
  • Os princípios gerais de direito.

A alínea d) do Art.º 38.º faz ainda referência a dois modos auxiliares de determinação das regras jurídicas: a jurisprudência e a doutrina.

Modelos Históricos do Direito Internacional

Modelo Clássico ou de Vestefália (1648–1945)

Compreende o lapso temporal que medeia entre 1648 – ano da Paz de Vestefália, que pôs fim à Guerra religiosa dos Trinta Anos e abriu caminho ao surgimento do Estado Moderno – e 1945, que marcou o fim da 2.ª Grande Guerra.

Características do Modelo Clássico

  • Sujeitos: A personalidade jurídica praticamente circunscrevia-se aos Estados soberanos. A sua liberdade era irrestrita, já que não existiam, na sociedade internacional, órgãos superiores a esses Estados, que estivessem habilitados a limitar tal liberdade.
  • Natureza do DI: O Direito Internacional clássico é encarado como um direito de “laisser faire” que não impõe nenhuma barreira ao princípio da autonomia da vontade dos Estados. Por isso, a eficácia das normas e princípios do Direito Internacional era limitada.
  • Fontes: As fontes seriam apenas o costume e os tratados bilaterais. O costume tende a assumir uma importância acrescida, já que estamos perante uma sociedade descentralizada.
  • Produção Normativa (Voluntarismo): As obrigações internacionais derivam, em último lugar, da vontade dos Estados (autolimitação). A cominação de sanções é efetuada em regime de autotutela.
  • Recurso à Força: Os Estados tinham plena liberdade de fazer a guerra, de acordo com os fins (dos quais eram únicos juízes) que com ela visassem alcançar.
  • Responsabilidade: Era um assunto privado e de caráter bilateral entre o Estado vítima e o Estado autor do ilícito. Era uma responsabilidade coletiva, responsabilizando apenas os Estados e nunca os indivíduos.
  • Axiologia: Era um direito axiologicamente neutro. A normatividade era horizontal (todas as normas tinham idêntico valor).

Modelo Moderno ou da Carta das Nações Unidas (Pós-1945)

O fim da 2.ª Grande Guerra Mundial teve como consequência o desenvolvimento de um sistema jurídico internacional de características diferentes, passando a assumir determinadas características do Direito Interno e tornando-se num “modelo de subordinação”.

Características do Modelo Moderno

  • Sujeitos: O Direito Internacional universalizou-se. Para além dos Estados, passaram a ser sujeitos de Direito Internacional:
    • Organizações Internacionais: Associações voluntárias de Estados, criadas através de tratado, com personalidade jurídica internacional.
    • Povos Não Autónomos: Povos com direito à autodeterminação (submetidos a regimes coloniais, racistas ou sob ocupação estrangeira).
    • Indivíduo: Pessoas físicas ou singulares, pessoas coletivas, minorias.
  • Fontes: Mantêm-se as fontes do modelo clássico, mas surgem:
    • Costumes Selvagens: Inversão no processo formativo (regra da precedência do elemento moral ao material) com vista a acelerar a produção de normas.
    • Tratados Multilaterais: Tornam-se frequentes, muitos deles abertos, com vocação universal (tratados-lei).
  • Recurso à Força: Adota o princípio da proibição do recurso à força nas relações internacionais (Art.º 2.º, n.º 4 da CNU). O recurso à força constitui uma ultima ratio, centralizada no Conselho de Segurança. Perde-se o princípio da efetividade.
  • Novos Domínios: Lançou novos ramos do DI, como o Direito Ambiental.
  • Hierarquia Normativa: Surge um conjunto de princípios jurídicos fundamentais e universais (Jus Cogens), que se tornaram hierarquicamente superiores aos restantes.
  • Responsabilidade: Deixa de ser um assunto privado. A responsabilidade universaliza-se, convertendo-se em assunto público, e passa a comportar uma dimensão sancionatória. A responsabilidade por factos ilícitos foi individualizada, responsabilizando o próprio indivíduo infrator em certos casos.

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