Direito Penal: Conceitos, Princípios e Leis

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Direito Penal: Conceito

Segmento do ordenamento jurídico que tem a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos, descrevê-los como infrações penais e cominar-lhes penas e regras para sua aplicação.

Objeto

O Direito Penal se funda na voluntariedade da conduta humana. Somente o ser humano é foco do Direito Penal, porque somente ele pode ter consciência das suas ações.

Princípios Limitadores

Princípio da Insignificância

O Direito Penal não deve se preocupar com bagatelas, não devendo existir pena para atos incapazes de gerar lesão relevante. É de muito rara aplicação.

Nota: Somente vão a júri popular crimes dolosos contra a vida.

Nota: Sem dolo ou culpa, não há Direito Penal.

Princípio da Alteridade

Proíbe a incriminação de atitude meramente interna, subjetiva do agente, posto que incapaz de lesar bem jurídico.

Princípio da Intervenção Mínima

Somente deve existir Direito Penal nos raros casos em que a situação social exige; existindo formas mais suaves de solução do conflito e que sejam eficazes, devem ser preferidas.

Princípio da Proporcionalidade

A pena deve guardar proporção com o mal praticado.

Princípio da Humanidade

É inconstitucional a integração de Tipo Penal que atente contra a incolumidade e dignidade da pessoa humana.

Princípio da Imputação Pessoal

O Direito Penal não pode castigar fato cometido por quem não tem compreensão do que fez.

Princípio da Personalidade

Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por outra pessoa.

Exemplo: O pai entrega o veículo ao filho menor e este comete um homicídio (culposo ou doloso) no trânsito. O pai não pode ser responsabilizado penalmente pelo homicídio, pois foi o filho quem o cometeu (embora possa haver outra responsabilidade, como civil ou administrativa).

Princípio da Responsabilidade Subjetiva

Não se impõe fato típico a quem não tenha agido com dolo ou culpa.

Fontes do Direito Penal

Conceito

É de onde o Direito provém.

Espécies

Fonte Material

Refere-se ao órgão incumbido da sua elaboração. No caso do Brasil, a competência para legislar sobre Direito Penal é da União (Congresso Nacional).

Fonte Formal

Refere-se ao modo pelo qual o Direito se exterioriza:

  1. Lei
  2. Costumes
1. Leis

Incriminadoras: São normas que descrevem crimes e definem suas penas. Na sua maioria, estão na parte especial do Código Penal (art. 121 e seguintes).

Não Incriminadoras: Não definem crimes e não estabelecem penas.

  • Explicativas: Esclarecem o conteúdo da lei e delimitam a sua aplicação.
  • Permissivas: Tornam lícitas condutas inicialmente previstas como crime (ex: legítima defesa).

Observação: Norma Penal em Branco

São normas cujo conteúdo está incompleto, necessitando ser aclarado por outra disposição legal ou normativa complementar.

A norma penal em branco pode ser:

  • Heterogênea: O complemento vem de norma diversa e, frequentemente, infralegal (abaixo da lei, como decreto, portaria). Ex: art. 33 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que não define o que é droga, remetendo a portaria da ANVISA.
  • Homogênea: O complemento provém da mesma fonte formal, isto é, lei completando lei. Ex: art. 237 do Código Penal (CP) complementado pelo Código Civil (CC) quanto ao impedimento para o casamento.
2. Costumes

Complexo de regras não escritas, seguidas de modo reiterado e uniforme pela coletividade. No Direito Penal, jamais revogam crimes ou criam novos tipos penais (devido ao Princípio da Legalidade), servindo, eventualmente, para interpretação ou valoração moral quando a própria lei o permitir.

Conflito de Leis no Tempo

Princípio da Legalidade / Anterioridade

Art. 1º do CP: “Nullum crime, nulla poena sine praevia lege” (Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal).

Reserva Legal: A definição de crimes e penas é matéria exclusiva de lei em sentido estrito (excluem-se medidas provisórias, resoluções, decretos, etc., para criar crimes ou cominar penas).

Taxatividade: O tipo penal deve descrever a conduta de forma clara e precisa (pormenorizada), para que o cidadão conheça o exato espaço da sua liberdade.

Analogia: Forma de integração da lei para suprir lacuna legal. Não se aplica a analogia no Direito Penal em prejuízo do réu (in malam partem).

Regra Geral: Tempus Regit Actum

Aplica-se ao crime a lei vigente no dia de seu cometimento (“Tempus regit actum”).

Abolitio Criminis (Crime Abolido)

Lei nova suprime uma norma incriminadora existente (art. 2º, caput, CP). Retroage para beneficiar o réu, atingindo-o em qualquer fase do processo ou execução da pena.

Novatio Legis in Mellius (Lei Nova Mais Benéfica)

Lei nova que, sem excluir o crime, dá a ele tratamento mais brando, beneficiando o réu. Retroage, sendo aplicável ao réu em qualquer fase (art. 2º, parágrafo único, CP).

Nota: Exemplos de alterações legais incluem agravantes (art. 61 CP), causas de aumento de pena, qualificadoras, atenuantes (art. 65 CP), causas de diminuição de pena.

Novatio Legis Incriminadora

Lei nova que passa a descrever como crime um fato antes considerado atípico (não criminoso). A lei não retroage e não atinge fatos anteriores à sua vigência (Princípio da Anterioridade - Art. 1º, CP).

Observação: Se o fato ocorrer durante o período de vacatio legis (prazo entre a publicação da lei e sua entrada em vigor), ainda não há crime sob a nova lei.

Novatio Legis in Pejus (Lei Nova Mais Severa)

Lei nova que, sem incriminar nova conduta, passa a tratar crime já existente com maior rigor (ex: criando agravante, aumentando pena, piorando regime de cumprimento, criando causa de aumento).

Esta lei não retroage para prejudicar o réu.

Exemplo histórico (superado): A Lei 8.072/90 (Crimes Hediondos) originalmente vedava a progressão de regime. Esta disposição foi posteriormente declarada inconstitucional pelo STF.

Combinação de Leis

Discussão doutrinária sobre a possibilidade de combinar partes mais favoráveis de leis diferentes (a revogada e a nova) para beneficiar o réu.

  • A favor (minoritário): Fernando Capez, Damásio de Jesus, Mirabete.
  • Contra (majoritário): Nelson Hungria, Aníbal Bruno.

Nota: A jurisprudência majoritária (STF e STJ) não admite a combinação de leis. Aplica-se integralmente a lei mais benéfica (seja a anterior - ultratividade, ou a posterior - retroatividade).

Lei Penal Temporária ou Excepcional

São leis com vigência pré-fixada pelo legislador, criadas para vigorar durante situações específicas (ex: epidemia, calamidade pública, guerra, etc.).

Estas leis são ultrativas: aplicam-se aos fatos ocorridos durante sua vigência, mesmo após sua revogação (art. 3º, CP).

Tempo do Crime

Teorias para definir o momento em que o crime é considerado cometido:

  • Teoria da Atividade: Considera-se o crime cometido no momento da ação ou omissão, independentemente do resultado.
  • Teoria do Resultado: Considera-se o crime cometido no momento da produção do resultado.
  • Teoria Mista (Ubiquidade): Considera-se o crime cometido tanto no momento da ação/omissão quanto no momento do resultado.

O art. 4º do CP adota a Teoria da Atividade para definir o tempo do crime.

Crimes Permanentes

São aqueles cuja consumação se prolonga no tempo (ex: sequestro, cárcere privado). A atividade criminosa persiste enquanto durar a permanência. A lei penal aplicável é a vigente durante todo o período da permanência, inclusive se uma lei mais grave entrar em vigor nesse período (Súmula 711 do STF).

Conflito Aparente de Normas

Conceito

Ocorre quando há várias normas vigentes (ao mesmo tempo) que parecem regular o mesmo fato, mas apenas uma é aplicável.

Regras (Princípios para Solução)

Princípio da Especialidade

A norma especial prevalece sobre a norma geral (Lex specialis derogat legi generali).

Exemplos: Infanticídio (art. 123 CP) é especial em relação ao Homicídio (art. 121 CP).

Princípio da Subsidiariedade

A norma principal (mais grave) afasta a norma subsidiária (menos grave). A norma subsidiária só se aplica se a principal não incidir.

  • Expressa: A própria lei ressalva a aplicação de crime mais grave (ex: art. 132 CP - Perigo para a vida ou saúde de outrem: "Salvo crime mais grave").
  • Tácita: A subsidiariedade decorre da natureza das normas. A infração menos grave é uma etapa ou forma menos intensa da mais grave (ex: Ameaça (art. 147 CP) é subsidiária em relação ao Constrangimento Ilegal (art. 146 CP)).
Princípio da Consunção (Absorção)

O crime-fim absorve o crime-meio. Ocorre quando um crime menos grave é etapa necessária ou fase normal de preparação/execução de um crime mais grave (crime progressivo ou progressão criminosa).

Exemplos: O porte ilegal de arma de fogo (crime-meio) pode ser absorvido pelo homicídio (crime-fim) cometido com essa arma. A falsificação de documento (crime-meio) pode ser absorvida pelo estelionato (crime-fim) se utilizada exclusivamente para este. A violação de domicílio (crime-meio) pode ser absorvida pelo furto (crime-fim) praticado na residência.

Alternatividade

Ocorre quando o tipo penal descreve várias condutas (verbos nucleares) e a prática de qualquer uma delas configura um único crime. Não se trata de conflito aparente, mas de um tipo penal misto alternativo (ex: art. 33 da Lei de Drogas - importar, exportar, vender, etc.).

Lei Penal no Espaço

Princípio da Territorialidade

A lei penal brasileira aplica-se aos crimes cometidos no território nacional, independentemente da nacionalidade do agente ou da vítima (Art. 5º, CP). Esta é a regra.

Território Brasileiro (Conceito para Fins Penais)
  • Território Físico: Solo, rios, lagos, mar territorial (12 milhas náuticas - Lei 8.617/93), espaço aéreo correspondente.
  • Território por Extensão (ou Ficção Jurídica):
    • Embarcações e aeronaves brasileiras públicas ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem.
    • Embarcações e aeronaves brasileiras privadas, quando em alto-mar ou espaço aéreo correspondente.
    • Embarcações e aeronaves estrangeiras privadas, quando em território nacional (mar territorial, espaço aéreo, portos, aeroportos).

Nota: Embarcações e aeronaves estrangeiras públicas em território brasileiro seguem a lei de sua bandeira (princípio da representação ou bandeira).

Lugar do Crime

Adota-se a Teoria da Ubiquidade (ou Mista) (art. 6º, CP).

Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão (total ou parcialmente), bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Basta que qualquer um desses eventos ocorra no Brasil para que a lei brasileira seja aplicável.

Mnemônico: LUTA (Lugar = Ubiquidade; Tempo = Atividade)

Princípio da Passagem Inocente

Embarcações estrangeiras (e, por analogia, aeronaves) que estejam apenas atravessando o mar territorial brasileiro sem intenção de parada (passagem inocente) podem não sujeitar os crimes ocorridos a bordo à jurisdição brasileira, a menos que o crime perturbe a paz do país ou a ordem no mar territorial, ou que a assistência das autoridades locais seja solicitada.

Princípio da Extraterritorialidade

Casos excepcionais em que a lei brasileira se aplica a crimes ocorridos fora do território nacional (art. 7º, CP).

  • Extraterritorialidade Incondicionada (Inciso I): Aplica-se a lei brasileira independentemente de qualquer condição (ex: crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República, contra o patrimônio ou fé pública da União/Estados/DF/Municípios/Empresas Públicas, genocídio quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil).
  • Extraterritorialidade Condicionada (Inciso II e § 3º): Aplica-se a lei brasileira se atendidas certas condições (ex: agente entrar no território nacional, ser o fato punível também no país onde foi praticado, não ter sido o agente absolvido ou cumprido pena no estrangeiro, etc.).

Teoria do Crime (ou Teoria do Delito)

Conceito de Crime

  • Conceito Material: É todo fato humano que, propositada (dolo) ou descuidadamente (culpa), lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a vida em sociedade.
  • Conceito Formal: É toda conduta proibida por lei sob ameaça de pena. Crime é aquilo que o legislador define como tal.
  • Conceito Analítico: Busca os elementos estruturais do crime. Principais correntes:
    • Teoria Tripartida (Majoritária no Brasil): Crime é todo fato típico, ilícito (ou antijurídico) e culpável.
    • Teoria Bipartida: Crime é todo fato típico e ilícito. A culpabilidade seria pressuposto para aplicação da pena, não elemento do crime.

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