Direito de Propriedade: Conceitos, Modos e Limitações
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Propriedade: Artigo 1305.º e seu Conteúdo
O legislador não arriscou uma definição, mas especifica o conteúdo do direito de propriedade no Artigo 1305.º: “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. Assim, o proprietário pode usar, fruir e dispor. O gozo exclusivo é certo, mas “de modo pleno” nem sempre o será, como nos casos de usufruto e servidão predial.
Isto levanta uma questão: o que é usar? É também não usar. Fruir pode ser também não fruir. Dispor pode ser também não dispor. O não uso é uma forma de uso, a não fruição é uma forma de fruição, e a não disposição é uma forma de disposição.
Características da Propriedade
- Indeterminação: O que é a propriedade? Rigorosamente não sabemos, mas apenas de modo aproximado. O Artigo 1439.º (“usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente de uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância”) estabelece uma limitação, sucedendo o mesmo no Artigo 1446.º. Há uma determinação noutros direitos reais que não existe no direito de propriedade.
- Exclusividade: Significa que não pode haver dois direitos de propriedade sobre uma mesma coisa, pois se destroem.
- Elasticidade: Quando comprimida pela coexistência de um direito real menor, a sua extinção implica uma recuperação plena e automática da propriedade.
Modalidades da Propriedade
- Plena (ou normal): Está referida no Artigo 1305.º, traduzindo-se na faculdade de usar, fruir e dispor.
- Limitada ou restrita: É aquela que está comprimida pela existência de um direito real menor. É limitada porque o proprietário pode ser obrigado a fazer algo. Devemos preferir esta designação em vez de “propriedade restritiva”.
- Perpétua: É aquela que não cessa nem pelo decurso de um prazo nem pela falta de uso. A manifestação desta modalidade está na imprescritibilidade da ação de reivindicação (Artigo 1313.º – “sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a ação de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo”).
- Temporária: A que se constitui para vigorar durante um certo lapso de tempo. O Artigo 1307.º, n.º 2, determina que esta só é admitida nos casos especialmente previstos na lei.
- Resolúvel: É aquela que se encontra sujeita a condição resolutiva. Esta é admitida sem reservas, já que não há qualquer restrição ou limitação legal, diferentemente do que sucede com a propriedade temporária (Artigo 1307.º, n.º 1 – “o direito de propriedade só pode constituir-se sob condição”).
Acessão Industrial Imobiliária: Artigo 1340.º
A acessão industrial imobiliária é regulada pelo Artigo 1340.º do Código Civil.
Artigo 1340.º, n.º 4: Definição de Boa-fé
O n.º 4 define a boa-fé: “entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno”. Prende-se, portanto, com o desconhecimento de que se trata de propriedade alheia ou quando há autorização do dono.
Assim, se o valor acrescentado for maior, adquire a propriedade o dono da obra. Se for menor, pertencem ao dono do terreno.
Artigo 1340.º, n.º 3: Valor Acrescentado Menor
O n.º 3 estabelece que “se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação”. O legislador utiliza, mais uma vez, o critério do valor.
Artigo 1340.º, n.º 2: Valor Acrescentado Igual
O n.º 2 determina que “se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no número 2 do artigo 1333.º”. Os verbos utilizados – “adquire” e “pertencem” – geram discordância na doutrina.
Artigo 1340.º, n.º 1: Divergência Doutrinária
Há quem entenda que, se o valor for maior, a aquisição é obrigatória, e se for menos valiosa, pertence imperativamente. Antunes Varela e Pires Lima afirmam que existe uma aquisição imperativa e automática, alegando que o Código não diz a quem pertenceria se não o fosse, ou seja, há uma ausência de norma que consagre a consequência caso ao dono da obra fosse permitido não adquirir.
Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro entendem que não é assim. Se adquire, pergunta-se: tem de pagar? Se não tiver condições para tal, como adquire? Sucede o mesmo com o dono do terreno. Pelo instituto da acessão, o Código permite sustentar a ideia de que esta é sempre facultativa. Estes autores entendem que se trata de um direito potestativo. Por esse motivo, propõem que se acrescente “pode” antes dos referidos verbos.
Modos de Aquisição da Propriedade
O Artigo 1316.º estabelece que “o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”. A aquisição pode ser derivada, se resulta de uma relação jurídica preexistente, ou originária, que advém de um contacto direto com a coisa.
Contrato
O contrato é um modo de aquisição derivado. Pode ser oneroso ou gratuito, nominado ou inominado. O contrato produz efeitos reais: basta a transferência da propriedade, conforme o Artigo 408.º, n.º 1.
Ocupação (Art. 1318.º)
O Artigo 1318.º refere a ocupação, um modo de aquisição originária que consiste na apreensão material de coisas móveis sem dono com a intenção de se tornarem propriedade do ocupante.
Res Nullius
A coisa que não tem dono, porque nunca o teve ou deixou de ter, designa-se de res nullius.
Imóveis e Ocupação (Art. 1345.º)
Pelo contrário, os imóveis não se ocupam – têm sempre dono. É o que estabelece o Artigo 1345.º, ao determinar que “as coisas imóveis sem dono conhecido se consideram do património do Estado”.
Acessão (Art. 1325.º e 1326.º)
O Artigo 1325.º apresenta a noção de acessão, dizendo que essa ocorre “quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia”.
O Artigo 1326.º estabelece as espécies de acessão: “a acessão diz-se natural, quando resulta exclusivamente das forças da natureza; dá-se a acessão industrial, quando, por facto do homem, se confundem objetos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia”. O n.º 2 determina que “a acessão industrial é mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas”.
Usucapião
A usucapião é o modo de aquisição que tem por base a posse não oculta nem violenta durante o tempo que a lei consagrar.
Aquisição dos Frutos (Art. 1270.º, n.º 1)
O Artigo 1270.º, n.º 1, refere a aquisição dos frutos.
Expropriação por Utilidade Particular
Temos também a expropriação por utilidade particular.
Aquisição do Prédio Encravado (Art. 1551.º)
O Artigo 1551.º refere a aquisição do prédio encravado. Por exemplo, o prédio B está encravado pelo prédio A. A pode comprar o prédio em vez de constituir servidão.
Limitações ao Direito de Propriedade
Escavação (Art. 1348.º, n.º 1)
O Artigo 1348.º, n.º 1, refere a escavação: “o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamento ou deslocações de terra”.
Limitações Convencionais e Princípio da Tipicidade (Art. 1306.º)
Pode haver limitações convencionais? Isto choca com o Artigo 1306.º (princípio da tipicidade ou do numerus clausus), pelo que as partes não podem criar restrições ao direito de propriedade, exceto nos casos previstos no Código.
Limitações por Interesse Público
Por interesse público (Artigo 1308.º), o proprietário está sujeito a uma eventual expropriação porque o direito público é superior ao direito privado. A expropriação deve obedecer a princípios:
- Publicitar o interesse público da expropriação, justificando as suas causas.
- Convocar o proprietário e indemnizá-lo do prejuízo causado.
- Afetar o prédio à causa justificada, pois o Estado está vinculado ao fim que publicitou.
Requisições (Art. 1309.º)
O Artigo 1309.º refere as requisições, onde o Estado pode requisitar alguma coisa, mas não há transferência da propriedade.
Fracionamento (Art. 1376.º)
O Artigo 1376.º trata do fracionamento, onde os prédios não podem ser divididos em partes pequenas se não tiverem a superfície mínima exigida, de forma a evitar conflitualidades. Em vez de acabar com o minifúndio, o legislador tolerou-o, mas deixou uma marca no Código que, ao longo do tempo, fará com que o minifúndio vá acabando (Artigo 1380.º - direito de preferência).
Limitações por Interesse Particular
As limitações por interesse particular surgem no âmbito das relações de vizinhança, que chegam a ser um foco de conflito (“se queres um inimigo, faz-te vizinho”).
Emissões (Art. 1346.º)
O Artigo 1346.º estabelece que o proprietário só deve poder reagir se a emissão lhe causar danos e, simultaneamente, não resultar da utilização normal do prédio, ou seja, a conjunção “ou” deve substituir-se por “e”. Quando causar prejuízos ao outro imóvel e não resultar da utilização normal do prédio (requisitos cumulativos), o vizinho pode opor-se.
Obras Perigosas (Art. 1347.º)
O Artigo 1347.º determina que o proprietário não pode construir ou manter obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas.
Situações Específicas na Propriedade
Prolongamento de Edifício por Terreno Alheio (Art. 1343.º)
O Artigo 1343.º refere-se ao prolongamento de edifício por terreno alheio. O proprietário tem o prazo de 3 meses para reagir, exigindo a destruição. Se nada fizer nesse prazo, adquire o terreno ocupado, indemnizando o proprietário. Trata-se indubitavelmente de um direito potestativo.
Construtor de Má-fé (Art. 1341.º)
Pode dar-se o caso de o construtor estar de má-fé. O Artigo 1341.º prevê que o proprietário pode exigir que a obra seja desfeita – sanção reconstitutiva in natura – ou pode ficar com a obra, mas é obrigado a indemnizar segundo as regras do enriquecimento sem causa, o que significa que a despesa pode não ser paga na sua integridade.