Ditadura Militar no Brasil: História, Censura e Legado
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Introdução
Podemos definir a Ditadura Militar como o período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o Regime Militar.
A Ditadura Militar no Brasil (1964-1985)
O Regime Militar foi o período da política brasileira em que militares conduziram o país. Essa época ficou marcada na história do Brasil através da prática de vários Atos Institucionais que colocavam em prática a censura, a perseguição política, a supressão de direitos constitucionais, a falta total de democracia e a repressão àqueles que eram contrários ao Regime Militar.
A Ditadura Militar no Brasil teve seu início com o golpe militar de 31 de março de 1964, resultando no afastamento do Presidente da República, João Goulart, e tomando o poder o Marechal Castello Branco. Este golpe de Estado, caracterizado por personagens afinados com uma revolução, instituiu no país uma ditadura militar, que durou até a eleição de Tancredo Neves em 1985. Os militares na época justificaram o golpe sob a alegação de que havia uma ameaça comunista no país.
O Golpe Militar de 1964
O Golpe Militar de 1964 marca uma série de eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, e que culminaram em um golpe de Estado no dia 1 de abril de 1964. Esse golpe pôs fim ao governo do presidente João Goulart, também conhecido como Jango, que havia sido eleito democraticamente vice-presidente pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Imediatamente após a tomada de poder pelos militares, foi estabelecido o AI-1. Com 11 artigos, o mesmo dava ao governo militar o poder de modificar a Constituição, anular mandatos legislativos, interromper direitos políticos por 10 anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que fosse contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública, além de determinar eleições indiretas para a presidência da República.
Durante o Regime Militar, ocorreu um fortalecimento do poder central, sobretudo do poder Executivo, caracterizando um regime de exceção, pois o Executivo se atribuiu a função de legislar, em detrimento dos outros poderes estabelecidos pela Constituição de 1946. O Alto Comando das Forças Armadas passou a controlar a sucessão presidencial, indicando um candidato militar que era referendado pelo Congresso Nacional.
A liberdade de expressão e de organização era quase inexistente. Partidos políticos, sindicatos, agremiações estudantis e outras organizações representativas da sociedade foram suprimidas ou sofreram interferência do governo. Os meios de comunicação e as manifestações artísticas foram reprimidos pela censura. A década de 1960 iniciou também um período de grandes transformações na economia do Brasil, de modernização da indústria e dos serviços, de concentração de renda, de abertura ao capital estrangeiro e do endividamento externo.
Governo Castello Branco (1964-1967)
Castello Branco, general militar, foi eleito pelo Congresso Nacional presidente da República em 15 de abril de 1964. Em seu pronunciamento, declarou defender a democracia, porém, ao começar seu governo, assumiu uma posição autoritária.
Estabeleceu eleições indiretas para presidente, além de dissolver os partidos políticos. Vários parlamentares federais e estaduais tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos e constitucionais cancelados e os sindicatos receberam intervenção do governo militar.
Em seu governo, foi instituído o bipartidarismo. Só estavam autorizados o funcionamento de dois partidos: Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Enquanto o primeiro era de oposição, de certa forma controlada, o segundo representava os militares.
O governo militar impõe, em janeiro de 1967, uma nova Constituição para o país. Aprovada neste mesmo ano, a Constituição de 1967 confirma e institucionaliza o Regime Militar e suas formas de atuação.
Governo Costa e Silva (1967-1969)
Em 1967, assume a presidência o general Arthur da Costa e Silva, após ser eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. Seu governo é marcado por protestos e manifestações sociais. A oposição ao Regime Militar cresce no país. A UNE (União Nacional dos Estudantes) organiza, no Rio de Janeiro, a Passeata dos Cem Mil.
Em Contagem (MG) e Osasco (SP), greves de operários paralisam fábricas em protesto ao Regime Militar.
A guerrilha urbana começa a se organizar. Formada por jovens idealistas de esquerda, assaltam bancos e sequestram embaixadores para obterem fundos para o movimento de oposição armada.
No dia 13 de dezembro de 1968, o governo decreta o Ato Institucional Número 5 (AI-5). Este foi o mais duro do governo militar, pois aposentou juízes, cassou mandatos, acabou com as garantias do habeas-corpus e aumentou a repressão militar e policial.
Governo da Junta Militar (1969)
Doente, Costa e Silva foi substituído por uma junta militar formada pelos ministros Aurélio de Lira Tavares (Exército), Augusto Rademaker (Marinha) e Márcio de Sousa e Melo (Aeronáutica).
Dois grupos de esquerda, o MR-8 e a ALN, sequestram o embaixador dos EUA Charles Elbrick. Os guerrilheiros exigem a libertação de 15 presos políticos, exigência conseguida com sucesso. Porém, em 18 de setembro, o governo decreta a Lei de Segurança Nacional. Esta lei decretava o exílio e a pena de morte em casos de "guerra psicológica adversa, ou revolucionária, ou subversiva".
No final de 1969, o líder da ALN, Carlos Marighella, foi morto pelas forças de repressão em São Paulo.
Governo Médici (1969-1974)
Em 1969, a Junta Militar escolhe o novo presidente: o general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo é considerado o mais duro e repressivo do período, conhecido como “anos de chumbo”. A repressão à luta armada cresce e uma severa política de censura é colocada em execução. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística são censuradas. Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores são investigados, presos, torturados ou exilados do país. O DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna) atua como centro de investigação e repressão do governo militar.
Ganha força no campo a guerrilha rural, principalmente no Araguaia. A Guerrilha do Araguaia é fortemente reprimida pelas forças militares.
O Milagre Econômico
Na área econômica, o país crescia rapidamente. Este período, que vai de 1969 a 1973, ficou conhecido como a época do Milagre Econômico. O PIB brasileiro crescia a uma taxa de quase 12% ao ano, enquanto a inflação beirava os 18%. Com investimentos internos e empréstimos do exterior, o país avançou e estruturou uma base de infraestrutura. Todos estes investimentos geraram milhões de empregos pelo país. Algumas obras, consideradas faraônicas, foram executadas, como a Rodovia Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói.
Porém, todo esse crescimento teve um custo altíssimo e a conta deveria ser paga no futuro. Os empréstimos estrangeiros geraram uma dívida externa elevada para os padrões econômicos do Brasil.
Governo Geisel (1974-1979)
Em 1974, assume a presidência o general Ernesto Geisel, que começa um lento processo de transição rumo à democracia. Seu governo coincide com o fim do Milagre Econômico e com a insatisfação popular em altas taxas. A crise do petróleo e a recessão mundial interferem na economia brasileira, no momento em que os créditos e empréstimos internacionais diminuem.
Geisel anuncia a abertura política lenta, gradual e segura. A oposição política começa a ganhar espaço. Nas eleições de 1974, o MDB conquista 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e ganha a prefeitura da maioria das grandes cidades.
Os militares de linha dura, não contentes com os caminhos do governo Geisel, começam a promover ataques clandestinos aos membros da esquerda. Em 1975, o jornalista Vladimir Herzog é assassinado nas dependências do DOI-Codi em São Paulo. Em janeiro de 1976, o operário Manuel Fiel Filho aparece morto em situação semelhante.
Em 1978, Geisel acaba com o AI-5, restaura o habeas-corpus e abre caminho para a volta da democracia no Brasil.
Governo Figueiredo (1979-1985)
A vitória do MDB nas eleições em 1978 começa a acelerar o processo de redemocratização. O general João Baptista Figueiredo decreta a Lei da Anistia, concedendo o direito de retorno ao Brasil para os políticos, artistas e demais brasileiros exilados e condenados por crimes políticos. Os militares de linha dura continuam com a repressão clandestina. Cartas-bomba são colocadas em órgãos da imprensa e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). No dia 30 de abril de 1981, uma bomba explode durante um show no centro de convenções do Rio Centro. O atentado fora provavelmente promovido por militares de linha dura, embora até hoje nada tenha sido provado.
Em 1979, o governo aprova lei que restabelece o pluripartidarismo no país. Os partidos voltam a funcionar dentro da normalidade. A ARENA muda o nome e passa a ser PDS, enquanto o MDB passa a ser PMDB. Outros partidos são criados, como: Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
A Redemocratização e a Campanha Diretas Já
Nos últimos anos do governo militar, o Brasil apresenta vários problemas. A inflação é alta e a recessão também. Enquanto isso, a oposição ganha terreno com o surgimento de novos partidos e com o fortalecimento dos sindicatos.
Em 1984, políticos de oposição, artistas, jogadores de futebol e milhões de brasileiros participam do movimento das Diretas Já. O movimento era favorável à aprovação da Emenda Dante de Oliveira que garantiria eleições diretas para presidente naquele ano. Para a decepção do povo, a emenda não foi aprovada pela Câmara dos Deputados.
No dia 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolheria o deputado Tancredo Neves, que concorreu com Paulo Maluf, como novo presidente da República. Ele fazia parte da Aliança Democrática – o grupo de oposição formado pelo PMDB e pela Frente Liberal.
Era o fim do Regime Militar. Porém, Tancredo Neves fica doente antes de assumir e acaba falecendo. Assume o vice-presidente José Sarney. Em 1988 é aprovada uma nova Constituição para o Brasil. A Constituição de 1988 apagou os rastros da Ditadura Militar e estabeleceu princípios democráticos no país.
A Música Brasileira e a Censura Militar

Quando o golpe militar foi deflagrado, em 1964, ironicamente o Brasil tinha na época os movimentos de bases político-sociais mais organizados da sua história. Sindicatos, movimento estudantil, movimentos de trabalhadores do campo, movimentos de base dos militares de esquerda dentro das forças armadas, todos estavam engajados e articulados em entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes), o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), o PUA (Pacto da Unidade e Ação), etc., que tinham grande representatividade diante dos destinos políticos da nação. Com a implantação da ditadura, todas essas entidades foram asfixiadas, sendo extintas ou caindo na clandestinidade. Em 1968, os estudantes continuavam a ser os maiores inimigos do Regime Militar. Reprimidos em suas entidades, passaram a ter voz através da música. A Música Popular Brasileira (MPB) começa a atingir as grandes massas, ousando a falar o que não era permitido à nação. Diante da força dos festivais da MPB, no final da década de sessenta, o Regime Militar vê-se ameaçado. Movimentos como a Tropicália, com a sua irreverência mais de teor social-cultural do que político-engajado, passou a incomodar os militares. A censura passou a ser a melhor forma da ditadura combater as músicas de protesto e de cunho que pudesse extrapolar a moral da sociedade dominante e amiga do regime. Com a promulgação do AI-5, em 1968, esta censura à arte institucionalizou-se. A MPB sofreu amputações de versos em várias das suas canções, quando não eram totalmente censuradas.
Para censurar a arte e as suas vertentes, foi criada a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), por onde deveriam previamente passar todas as canções antes de serem executadas nos meios públicos. Esta censura prévia não obedecia a qualquer critério; os censores poderiam vetar tanto por motivos políticos, ou de proteção à moral vigente, como por simplesmente não perceberem o que o autor queria dizer com o conteúdo. A censura, além de cerceadora, era de uma imbecilidade jamais repetida na história cultural brasileira.
Os Perseguidos no Período Pré-AI-5

Antes mesmo de deflagrado o AI-5, alguns representantes incipientes da MPB já eram vistos pelos militares como inimigos do regime, entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara e Geraldo Vandré.
A intervenção de Caetano Veloso era mais no sentido da contracultura do que contra o Regime Militar. Os tropicalistas estavam mais próximos dos acontecimentos do Maio de 1968 em Paris, do que das doutrinas de esquerda que vigoravam na época, como o marxismo-leninismo soviético e o maoísmo chinês. Mas os militares não souberam identificar esta diferença, perseguindo Caetano Veloso e Gilberto Gil pela irreverência constrangedora que causavam. Na época da prisão dos dois cantores, em dezembro de 1968, os militares tinham de concreto contra eles a acusação de que tinham desrespeitado o Hino Nacional, cantando-o aos moldes do tropicalismo na boate Sucata, e uma ação que queria mover um grupo de católicos fervorosos, ofendidos pela gravação do Hino do Senhor do Bonfim (Petion de Vilar – João Antônio Wanderley), no álbum Tropicália ou Panis et Circenses (1968). Juntou-se a isto a provocação de Caetano Veloso na antevéspera do Natal de 1968, ao cantar Noite Feliz no programa de televisão Divino Maravilhoso, apontando uma arma na cabeça. O resultado foi a prisão e o exílio dos dois baianos em Londres, de 1969 a 1972.
Ainda do repertório do álbum mítico Tropicália ou Panis et Circenses, a música Geléia Geral (Gilberto Gil – Torquato Neto), sofreu o veto da censura por ser considerada de conteúdo político contestatório, além de, segundo os censores, fazer um retrato equivocado da situação pela qual passava o país.
Ao retornar do exílio, Caetano Veloso e Gilberto Gil sofreram com a perseguição da ditadura e da censura. Em 1973, Caetano Veloso teve a sua canção Deus e o Diabo vetada por causa do último verso “Dos bofes do meu Brasil”. Diante do veto, a gravadora solicitou recurso; foi sugerido pelo censor que o autor substituísse a palavra “bofes”. Mas um segundo censor menciona os versos “o carnaval é invenção do diabo que Deus abençoou” e “Cidade Maravilhosa/ Dos bofes do meu Brasil”, como ofensivos às tradições religiosas. Em 1975, o álbum Jóia trazia na sua capa Caetano Veloso, sua então mulher Dedé e o filho Moreno, completamente nus, com o desenho de algumas pombas a cobrir-lhes a genitália. Censurada, o álbum foi relançado com uma nova capa, onde restaram apenas as pombas.
Geraldo Vandré tornou-se o inimigo número um do Regime Militar. A sua canção Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores), que ficou com o polêmico segundo lugar no Festival Internacional da Canção, em 1968, tornou-se um hino contra a Ditadura Militar, cantado por toda a juventude engajada do Brasil de 1968. Esta canção, afirmam alguns analistas de história, foi uma das responsáveis pela promulgação do AI-5. Ficou proibida de ser cantada e executada em todo país. Só voltaria a ser ressuscitada em 1979, após a abertura política e a anistia, quando a cantora Simone a cantou em um show, no Canecão. Perseguido pelo regime, Geraldo Vandré esteve exilado de 1969 a 1973. Após o exílio, jamais conseguiu recuperar a carreira interrompida pela censura da Ditadura Militar. Calava-se uma expressiva carreira emprestada ao combate à ditadura.
Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da MPB, interpretou com maestria diversos gêneros musicais. Foi um dos cantores que mais se opôs contra a repressão da Ditadura Militar. Sua obra pagou o preço da perseguição e da censura. Deparou-se com a atenção da censura em 1971, que esteve atenta às canções do álbum Carne e Osso. Em 1973, teve 11 músicas proibidas. Perseguido pela censura, Taiguara teve muitas das suas músicas assinadas por Ge Chalar da Silva, sua esposa na época. Exilado em Londres, Taiguara gravou o álbum Let the Children Hear the Music, em inglês. O disco foi proibido de ser lançado pela EMI, por decisão da Polícia Federal brasileira. O compositor recorreu ao Conselho Superior de Censura, em 1982, tendo o disco finalmente liberado.
Chico Buarque: O Alvo Predileto da Censura

Tendo silenciado e asfixiado Geraldo Vandré, os militares elegeram o seu novo inimigo do regime: Chico Buarque de Hollanda. No período que durou a censura e o Regime Militar, Chico Buarque foi o compositor e cantor mais censurado. A sua obra sofreu respingos da censura em todas as vertentes, tanto nas canções de protesto, quanto nas que feriam os costumes morais da época.
Os problemas de Chico Buarque com a censura começaram junto com a sua carreira. Em 1966, a música Tamandaré, incluída no repertório do show Meu Refrão, com Odete Lara e MPB-4, é proibida após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas ofensivas ao patrono da Marinha. Era o começo de um longo namoro entre a censura e a obra de Chico Buarque.
Exilado na Itália, de 1969 a 1970, Chico Buarque sofreria com a perseguição da censura após o retorno ao Brasil. Em 1970, recém-chegado do exílio, o compositor enviou a música Apesar de Você para a aprovação da censura, tendo a certeza que a música seria vetada. Inesperadamente, a canção foi aprovada, sendo gravada imediatamente em compacto, tornando-se um sucesso instantâneo. Já se tinham vendido mais de 100 mil cópias, quando um jornal comentou que a música referia-se ao presidente Médici. Revelado o ardil, o Exército Brasileiro invadiu a fábrica da Philips, apreendendo todos os discos, destruindo-os. Na confusão, esqueceram de destruir a matriz.
Em 1973, Chico Buarque sofreria todas as censuras possíveis. A peça Calabar, ou o Elogio à Traição, escrita em parceria com Ruy Guerra, foi vetada pela censura. As consequências da proibição viriam no seu álbum, Calabar, também daquele ano. A capa do disco trazia a palavra “Calabar” pichada num muro. Os censores concluíram que aquela palavra pichada tinha um significado subversivo, o que resultou na proibição da capa. A resposta de Chico Buarque foi lançar o álbum com uma capa totalmente branca e sem título. O disco trazia o registro das canções da peça vetada, por isto teve várias músicas (todas elas em parceria com Ruy Guerra) que amargaram nas malhas da censura. Vence na Vida Quem Diz Sim teve a letra totalmente censurada, sendo gravada no disco uma versão instrumental; Ana de Amsterdam teve vários trechos censurados. Não Existe Pecado ao Sul do Equador, que fazia parte deste disco, alcançaria grande sucesso quando gravada por Ney Matogrosso, em 1978, quando foi escolhida como tema de abertura da novela da TV Globo Pecado Rasgado; na versão original da música o verso “Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor“, foi substituído por “Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor“. Fado Tropical teve proibido parte de um texto declamado por Ruy Guerra, além da frase “além da sífilis, é claro”, herança portuguesa, segundo a personagem Mathias, no sangue brasileiro. Bárbara, um dueto entre as personagens Ana de Amsterdam e Bárbara, teve cortada a palavra “duas”, por sugerir um relacionamento homossexual entre elas. Tanto Ana de Amsterdam quanto Bárbara, já tinham sofrido os mesmos cortes no álbum Caetano e Chico Juntos Ao Vivo, ali substituídos por palmas. Ainda no registro do encontro de Chico Buarque e Caetano Veloso, além da censura às duas canções citadas, Partido Alto (Chico Buarque), interpretada por Caetano Veloso, sofreu alterações na letra, sendo substituídas as palavras “brasileiro” por “batuqueiro” e “pouca titica” por “pobre coisica”.
Diante de tantas mutilações da censura, o álbum Calabar, com capa branca, de Chico Buarque, foi um fracasso de vendas. Após o fracasso comercial, a Philips decidiu recolher o disco com capa branca, relançando-o semanas depois, com uma nova capa, trazendo apenas uma fotografia do artista, de perfil, com o título Chico Canta.
Naquele ano de 1973, a música Cálice (Chico Buarque – Gilberto Gil), foi proibida de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a música em um show para os estudantes, na Politécnica, em homenagem ao estudante de geologia da USP Alexandre Vannucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura. Ainda naquele ano, no evento Phono 73, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar Cálice, por decisão da própria produção do show, que não quis criar problemas com a ditadura.
Em 1974, a censura não dá tréguas ao artista. Impedido de gravar a si mesmo, Chico Buarque lança um disco, Sinal Fechado (1974), com composições de outros autores. Diante de tantas canções vetadas, a sofrer uma perseguição acirrada, Chico Buarque cria os pseudônimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. É sob o heterônimo de Julinho da Adelaide que a censura deixa passar canções de críticas inteligentes à ditadura, lidas nas entrelinhas: Jorge Maravilha, que trazia o verso “Você não gosta de mim mas sua filha gosta”, que era lida como uma referência ao então presidente Geisel, cuja filha Amália Lucy, teria dito em entrevista, que admirava as canções do Chico Buarque. Acorda Amor, outra canção liberada do Julinho da Adelaide, era uma referência clara aos órgãos da repressão, que vinham buscar cidadãos suspeitos de subversivos em suas casas, levando-os em uma viatura, desaparecendo com eles. Diante da polícia repressiva, ele chamava pelo ladrão. Milagre Brasileiro também levou a assinatura de Julinho da Adelaide.
Outro clássico da MPB que sofreu uma censura moralista foi Atrás da Porta (Chico Buarque – Francis Hime), o verso original “E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pêlos”, seria substituído por “E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito”, a censura achava a palavra “pêlos” de caráter indecente.
Outra canção vetada de Chico Buarque foi Tanto Mar, uma homenagem do artista à Revolução dos Cravos em Portugal. Por ter sido uma revolução considerada socialista, a canção foi proibida. Seria gravada no álbum Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo (1975), numa versão instrumental. Mais tarde, em 1978, seria liberada com uma outra letra. Curiosamente, a versão original, sem cortes e cantada de Tanto Mar, consta no mesmo álbum Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo lançado em Portugal.
Quando o AI-5 foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura, gravou Cálice, regravou Apesar de Você, além de criar músicas provocantes, que afrontavam à moral da época, como Folhetim, que descrevia uma prostituta, ou Geni e o Zepelim e Não Sonho Mais, temas de dois travestis, Genivaldo da peça A Ópera do Malandro e Eloína, do filme A República dos Assassinos, respectivamente.
1973: O Ano Negro da Censura na MPB
Chico Buarque não teria sido o único cantor da MPB a sofrer mutilações na sua obra naquele opressivo ano de 1973. O endurecimento deveu-se à volta das manifestações estudantis, nos últimos anos bruscamente combalidas, resultado das perseguições aos líderes do movimento, que estavam em sua maioria presos, exilados ou desaparecidos. Outro disco mutilado pela censura naquele ano foi Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, lançado em LP e compacto simples. Do álbum seriam vetadas as canções: Hoje é Dia d’El Rey (Márcio Borges – Milton Nascimento), Os Escravos de Jó (Milton Nascimento – Fernando Brant) e Cadê (Milton Nascimento – Ruy Guerra). Uma das faixas proibidas teria a participação de Dorival Caymmi; com a sua exclusão, não aconteceu esta participação. Diálogo Entre Pai e Filho teve uma única frase que não foi proibida: “Meu filho”. Diante da censura, Milton Nascimento gravou apenas as melodias das canções vetadas.
Foi no tumultuado ano de 1973 que a banda Secos & Molhados explodiu, conquistando o país inteiro. O público dos Secos & Molhados, devido à proposta inovadora e ao seu carisma, era composto por todas as idades, inclusive por crianças e por adolescentes. Os três integrantes da banda eram Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo, que se apresentavam com os rostos pintados. Ney Matogrosso, além de trazer a cara pintada, tinha uma voz de timbre totalmente diferente da de um homem cantor, um aspecto andrógino e apresentava-se entre plumas, sem camisa. Os pelos do peito do cantor e os seus frenéticos rebolados incomodaram à censura, à moral e aos seus bons costumes vigentes, que proibiu que as câmeras da televisão focassem o cantor de perto, sendo permitido apenas aparecer o rosto em close. Assim apareceriam os Secos & Molhados em um clipe do recém-estreado Fantástico, programa da Rede Globo.
Além da capa de Calabar, também em 1973, Gal Costa teve censurada a capa do disco Índia, por trazer um close frontal da cantora vestida de uma tanga minúscula, e na contracapa fotografias da mesma de seios nus, vestida de índia. A gravadora Philips comercializou o álbum coberto por um envelope opaco, de plástico azul. Do mesmo álbum, a música Presente Cotidiano, de Luiz Melodia, foi proibida de tocar em rádios e locais públicos. Em 1984, já no fim da ditadura, pós-Diretas Já, Gal Costa teria outra canção proibida pela censura de ser tocada em público: Vaca Profana (Caetano Veloso), do álbum Profana.
Ainda naquele tenso 1973, uma reportagem da revista Veja dava conhecimento de que o álbum de Gonzaguinha, Luiz Gonzaga JR. (1973), era resultado do corte feito pela censura de 15 músicas.
Ainda em 1973, Raul Seixas teria 18 composições vetadas pela censura. Luiz Melodia, além de ter Presente Cotidiano proibida de ser executada nas rádios, teve várias palavras excluídas ou alteradas das canções do seu disco de estreia, e várias músicas vetadas na íntegra.
Linguagem Poética e Coloquial Censuradas
Na ignorância cega da censura, sem uma lógica que a sustentasse, até o poeta Mário de Andrade foi vetado. O fato inusitado aconteceu em 1970, quando a gravadora Festa decidiu homenagear os 25 anos da morte do poeta, preparando um disco com alguns dos seus mais conhecidos poemas. Após ser submetido à censura, o projeto teve seis poemas proibidos, entre eles Ode ao Burguês e Lira Paulistana. Os vetos foram justificados pelos censores como estéticos, “falta de gosto”. O que se concluía era que os censores jamais tinham ouvido falar em Mário de Andrade, confundindo-o com um autor vulgar do Brasil da época.
Outro exemplo eloquente da ignorância e do despreparo dos censores foi com o compositor e cantor Adoniran Barbosa. Conhecido como o mais paulistano dos compositores, Adoniran Barbosa usava em suas canções o jeito coloquial de falar dos paulistanos. Não querendo problemas com a censura, em 1973 o artista decidiu lançar um álbum com várias canções já gravadas na década de cinquenta. Inesperadamente, cinco das suas canções foram vetadas, mesmo não sendo inéditas. Diante da linguagem coloquial de Samba do Arnesto (Adoniran Barbosa – Alocin), que trazia nos seus versos “O Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brás/ Móis fumo/ Num encontremo ninguém/ Fiquemo cuma baita duma réiva/ Da outra veiz nóis num vai mais (Nóis num semo tatu)”, o censor só liberaria a música se ele regravasse cantando assim: “Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez nós não vamos mais (Nós não somos tatus)”. Na letra da música Tiro ao Álvaro (Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles), a censora faz um círculo nas palavras “tauba”, “revorve” e “artormove”, concluindo que a “falta de gosto impede a liberação da letra”. Para que pudessem ser aprovadas, Samba do Arnesto e Tiro ao Álvaro, teriam que virar “Samba do Ernesto” e “Tiro ao Alvo”. Tiveram o mesmo destino Já Fui uma Brasa (Adoniran Barbosa – Marcos César), “Eu também um dia fui uma brasa. E acendi muita lenha no fogão” e O Casamento do Moacir (Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles), “A turma da favela convidaram-nos para irmos assistir o casamento da Gabriela com o Moacir“. O Casamento do Moacir foi considerada de “péssimo gosto” pela censora Eugênia Costa Rodrigues. Diante da censura, Adoniran Barbosa não mudou a sua obra, deixou para gravar as músicas mais tarde, quando a burrice já tivesse passado.
Outro poeta que teve problemas com a censura foi Vinícius de Moraes. Sua música Paiol de Pólvora (Vinícius de Moraes – Toquinho), feita para a trilha sonora de O Bem-Amado, foi proibida de ser o tema de abertura da novela, em 1973, por causa do verso “estamos sentados em um paiol de pólvora”, sendo substituída na abertura pela música O Bem Amado (Vinícius de Moraes – Toquinho), interpretada pelo coral da Orquestra Som Livre. Também a belíssima canção Valsa do Bordel (Vinícius de Moraes – Toquinho), sobre a vida de uma velha prostituta, esteve proibida por dez anos. Vinícius cantava esta música em shows, ironicamente chamando-a de “A Valsa da Pura”, por causa da censura.
Paulinho da Viola, em 1971, teve no seu álbum Paulinho da Viola, duas canções proibidas: Chico Brito (Wilson Batista – Afonso Teixeira), música composta em 1949, e Um Barato, Meu Sapato (Paulinho da Viola – Milton Nascimento), ambas vetadas sob a alegação de que evidenciavam o clima marginal do samba.
Outros Casos de Censura na MPB
Vale registrar, ainda, que em 1972, Jards Macalé teria que reescrever sete vezes a letra de Revendo Amigos (Jards Macalé – Waly Sailormoon), do álbum Movimento dos Barcos.
Sérgio Bittencourt, jornalista e compositor, filho de Jacob do Bandolim, em 1970, teve a sua música Acorda, Alice, proibida pela censura da Ditadura Militar por causa do verso “Acorda, Alice/ Que o país das maravilhas acabou”. Esta canção seria gravada por Waleska já na época da abertura política.
Rita Lee teve as músicas Moleque Sacana (Rita Lee e Mu) e Gente Fina (Rita Lee) censuradas, a primeira por causa da palavra “sacana”, considerada obscena, a segunda porque poderia ferir os bons costumes da época.
Carlos Lyra sentiu o gosto da censura com a sua música Herói do Medo, proibida por causa dos versos “odeio a mãe por ter parido” e “o passatempo estéril dos covardes“. Carlos Lyra não alterou o conteúdo da letra, preferiu sair do país.
Belchior, que durante muito tempo foi considerado autor marginal, teve a música Os Doze Pares de França (Belchior – Toquinho) censurada, porque para os censores, os autores vangloriavam a França, fazendo dela um país melhor para se viver do que o Brasil. Também a canção Pequeno Mapa do Tempo (Belchior), de 1977, uma crítica implícita ao regime, por causa dos versos “eu tenho medo e medo está por fora” e “eu tenho medo em que chegue a hora, em que eu precise entrar no avião“, uma alusão ao exílio, os censores concluíram que a música trazia mensagem de protesto político.
Ao contrário do que se pensa, o cantor e compositor Luiz Ayrão foi um dos artistas brasileiros que mais contestou a Ditadura Militar. A sua música Quem Eu Devo é Que Deve Morrer, tem como tema uma dívida pessoal que só será paga se Deus quiser. Também a dívida externa brasileira encontrava-se nessas condições. Luiz Ayrão faz um samba provocativo. Diante da afirmação do verso “quem eu devo é que deve morrer“, a canção é vetada, sendo a proibição justificada pela censura porque a letra era um incentivo ao homicídio, com uma mensagem de caráter negativo.
Sueli Costa deu a canção Cordilheira (Sueli Costa – Paulo César Pinheiro) para Erasmo Carlos gravar. Feito o registro, a canção jamais saiu, sendo proibida. Os autores chegaram a ir a Brasília em busca de uma explicação para o veto. Encontraram o silêncio dos censores, sem nenhuma justificativa. Mas os versos falavam por si: “Eu quero ver a procissão dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas”. Cordilheira é uma das mais belas canções de teor contestatório já feita no Brasil. Quando liberada, seria gravada por Simone, em 1979, no álbum Pedaços. O registro de Erasmo Carlos só saiu em uma caixa de CDs comemorativos à carreira do cantor. Outra canção censurada de Sueli Costa foi Altos e Baixos (Sueli Costa – Aldir Blanc), que cantava de forma densa uma cena de agressão entre um casal, que trazia um casamento desgastado. A música falava de uísque, Dietil, Diempax, e foi justamente por ter citado o nome do ansiolítico Diempax, que a canção foi censurada. Elis Regina conseguiria a liberação da música, gravando-a no seu álbum Essa Mulher (1979).
Música "Brega" e Popular: Nada Escapa à Censura
Como já se pôde observar, a censura da Ditadura Militar não obedecia a nenhum critério. Qualquer ameaça não só ao regime por ela imposto ao país, como à sociedade conservadora que a ajudou a ascender ao poder e nele continuar por mais de duas décadas. Vestido de uma moral hipócrita, o Regime Militar barrava qualquer obra que suspeitasse ofender à moral, ou que se mostrasse obscena a essa moral. Em um mesmo contexto, tanto Chico Buarque, quanto Odair José, um cantor e compositor de sucessos popularescos, sem vínculos com qualquer militância política, ou mesmo o genial e popular Genival Lacerda, sofriam os reveses da censura. Tanto Mar (Chico Buarque), Pare de Tomar a Pílula (Odair José) e Severina Xique Xique, apesar de canções antagônicas, de vertentes diversas dentro da música brasileira, oscilando entre a canção política e a considerada “brega” ou “pimba”, eram consideradas pela censura um perigo latente ao regime e à moral que se construía naquela época. Em 1975, já Genival Lacerda tinha transformado a sua música Severina Xique Xique (Genival Lacerda – João Gonçalves) em um grande sucesso de público no Nordeste brasileiro, quando foi vítima do preconceito das famílias do Ceará, que acusavam a palavra “boutique” de ter duplo sentido, ofendendo os bons costumes do lugar. Diante do protesto, o departamento regional da Polícia Federal do Ceará encaminhou a letra à Divisão de Censura de Brasília. Surpreendentemente, o técnico de censura de Brasília mantém a liberação da música e afirma que a canção “é um veículo de integração da nacionalidade“. Este fato prova que a censura não vinha só do Regime Militar, mas da sociedade que apoiava este regime, e que muitas vezes, era mais repressiva e conservadora do que ele.
Dentro do popularesco da canção brasileira, Odair José foi um dos compositores que mais sofreu com a censura. O Motel (Odair José), teve só pelo seu título, o veto da censura. Revelar a intimidade de um casal naqueles preconceituosos anos setenta era inconcebível para a censura militar. Outra música de Odair José vetada pela censura foi A Primeira Noite, considerada inconveniente para ser consumida pelo público jovem e adolescente da época. O autor mudou o título da canção para Noite de Desejos, conseguindo liberá-la e gravá-la. A mais polêmica música de Odair José foi Pare de Tomar a Pílula, onde ele pedia para a namorada deixar de usar anticoncepcionais para que pudesse engravidá-la. Vista à ótica do tempo, a canção chega a ser ingênua, de uma simplicidade quase grotesca, absolutamente inofensiva para um público atual, mas aviltante para as velhas senhoras que em 1964, saíram às ruas de rosários nas mãos, saudando, em nome da família brasileira, os golpistas militares.
Dentro da corrente popularesca, a censura não poupou nem mesmo a dupla Dom e Ravel, que em 1970, tornara-se a menina dos olhos da repressão, com uma música que exaltava a nação, tornando-se o hino da ditadura: Eu Te Amo, Meu Brasil. O motivo que levou o regime a interrogar Dom e Ravel, foi quando eles apresentaram, em 1972, a canção A Árvore; os censores desconfiaram do trecho “venha, vamos penetrar”. Além de imaginar que o tema que falava de árvores, seria supostamente sobre a cannabis (planta da maconha). A música foi proibida, apesar de ter uma gravação da banda Os Incríveis, nunca foi lançada. A esta altura, a incoerência da censura já dava passagem para uma certa esquizofrenia social e política, sem ideologia ou razão.
Dentro de um processo repressivo, todos os argumentos tornam-se incoerentes, a razão é substituída pela força bruta. A censura não constrói uma lógica, muitas vezes ela percorre movida pelas decisões pessoais dos censores. Para manter as necessidades de uma ditadura, a censura fazia parte da arma de propaganda do Estado repressivo, podava a liberdade de expressão, principalmente as que feriam os princípios que justificam um governo ilegítimo, emanado da força, da opressão e da traição aos princípios da democracia.
Cronologia do Regime Militar e Desdobramentos
- 1961
- 25/08: Renúncia de Jânio Quadros.
- 30/08: Ministros militares declaram-se contrários à posse de João Goulart.
- 02/09: Instituído o sistema parlamentar de governo como resultado do acordo que possibilitaria a posse do vice-presidente João Goulart.
- 07/09: Posse de João Goulart.
- 1962
- 02/02: Criação oficial do Instituto de Pesquisas Sociais (IPES), que conspiraria contra o governo Goulart.
- 1963
- 24/01: Retorno ao sistema presidencialista de governo, após plebiscito realizado no dia 6, que não referendou o parlamentarismo.
- 07/08: Projeto de Milton Campos sobre a reforma agrária é rejeitado.
- 23/08: Comício do CGT pelo aniversário da morte de Getúlio Vargas com a presença de Goulart. Presentes exigem definição do presidente durante seu discurso. Goulart promete que reformas serão implementadas.
- 12/09: Revolta de sargentos da Aeronáutica e da Marinha em Brasília.
- 07/10: Goulart retira o pedido de decretação de estado de sítio em função da ampla oposição que gerou.
- 17/10: Rejeitada emenda do PTB sobre reforma agrária na Câmara dos Deputados.
- Novembro: Greve dos cortadores de cana em Pernambuco e parte da Paraíba.
- 1964
- 17/01: Regulamentação da lei de remessa de lucros.
- 13/03: Comício da Central do Brasil ou “das reformas”.
- 19/03: Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo (SP), espécie de resposta ao Comício da Central.
- 20/03: O chefe do Estado-Maior do Exército, general Castello Branco, divulga circular reservada entre seus subordinados contra João Goulart.
- 21 a 29/03: 9 “Marchas” da Família com Deus pela Liberdade, em diversas cidades de São Paulo.
- 31/03: Inicia-se o movimento militar em Minas Gerais com deslocamento de tropas comandadas pelo general Mourão Filho.
- 01/04 a 08/06: 42 “Marchas” da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, Piauí, Paraná e Goiás.
- 02/04: João Goulart segue de Brasília para Porto Alegre. De lá, sairia do Brasil.
- 02/04: General Costa e Silva autoproclama-se comandante-em-chefe do Exército Nacional e organiza o “Comando Supremo da Revolução”.
- 04/04: O nome do general Castello Branco é indicado para a Presidência da República pelos líderes do Golpe.
- 09/04: Decretado o Ato Institucional que confere ao presidente da República poderes para cassar mandatos eletivos e suspender direitos políticos até 15 de junho de 1964, entre outros poderes discricionários.
- 10/04: A sede da UNE é incendiada por participantes do movimento político militar.
- 13/04: O Diário Oficial publica decreto que extingue o mandato de todos os membros do conselho diretor da Universidade de Brasília. Ocorre uma invasão policial e a intervenção na UnB.
- 13/06: Criado o Serviço Nacional de Investigações (SNI).
- 27/10: Declarada a extinção da União Nacional dos Estudantes (UNE).
- 09/11: Sancionada a Lei nº 4.464 (Lei Suplicy) proibindo atividades políticas estudantis. A Lei Suplicy de Lacerda coloca na ilegalidade a UNE e as UEEs, que passam a atuar na clandestinidade. Todas as instâncias da representação estudantil ficam submetidas ao MEC.
- 1965
- Ato Institucional N.2 extingue os partidos existentes, atribui à Justiça Militar o julgamento de civis acusados de crimes contra a segurança nacional e confere ao presidente da República poderes para cassar mandatos eletivos e suspender direitos políticos até 15 de março de 1967, entre outros dispositivos.
- Início: A UNE convoca um conselho para eleger, com mandato-tampão, o presidente que a chefiará até o 27º Congresso, em julho. Alberto Abissâmara, de tendências progressistas, é escolhido.
- 05/02: Ato Institucional N.3 estabelece eleição indireta para governadores.
- 01/04: No dia 1º, o Conselho Universitário, presidido pelo reitor Pedro Calmon, dissolve a diretoria do CACO – Centro Acadêmico de Direito UFRJ.
- 12/04: No dia 12, agentes do DOPS e a Polícia Militar impedem com violência uma reunião do CACO – Centro Acadêmico de Direito UFRJ. As aulas são suspensas.
- Agosto: Surgem os Diretórios Acadêmicos Livres.
- 23/09: São feitas manifestações contra a Lei Suplicy, no Rio de Janeiro.
- 03/10: O general Costa e Silva é eleito presidente da República pelo Congresso Nacional.
- 20/10: O general Castello Branco decreta o recesso do Congresso Nacional até 22 de novembro em função da não aceitação de cassações.
- 1966
- 1966 a 1973: É o período da ilegalidade da UNE.
- Março: Uma passeata em Belo Horizonte contra o Regime Militar é brutalmente reprimida. A violência desencadeia passeatas estudantis em outros estados.
- 28/07 a 02/08: Mesmo na ilegalidade, é realizado o 28º Congresso da UNE, em Belo Horizonte, que marca a oposição da entidade ao Acordo MEC-USAID. O congresso acontece no porão da Igreja de São Francisco de Assis. O mineiro José Luís Moreira Guedes é eleito presidente da UNE.
- Setembro: As aulas na Faculdade Nacional de Direito são suspensas e 178 estudantes paulistas são presos durante um congresso realizado pela UNE-UEE, em São Bernardo do Campo.
- O General Castello Branco cria o Movimento Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social (MUDES).
- 14/09: Alunos da Faculdade Nacional de Odontologia entram em greve de protesto e colocam cartazes nas imediações da faculdade. Há choque entre os estudantes e policiais do DOPS.
- 18/09: A UNE decreta greve geral.
- 22/09: A UNE elege o dia 22 como o Dia Nacional de Luta contra a Ditadura.
- 23/09: A polícia invade a Faculdade de Medicina da UFRJ e expulsa estudantes com violência. O episódio ficou conhecido como o Massacre da Praia Vermelha.
- 1967
- 24/01: Promulgada a nova Constituição do Brasil.
- 11/03: O general Castello Branco edita nova Lei de Segurança Nacional.
- 15/03: O general Costa e Silva é empossado na Presidência da República.
- Agosto: É realizado o 29º Congresso da UNE, em Valinhos (SP), na clandestinidade. Luís Travassos é eleito presidente da entidade.
- 1968
- 28/03: O estudante Edson Luís de Lima Souto é morto durante conflito com a PM no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro (RJ).
- 29/03: Marcha de 50 mil pessoas repudia o assassinato de Edson Luís de Lima Souto.
- 29/03: A UNE decreta greve geral dos estudantes.
- 30/03: O ministro da Justiça, Gama e Silva, determina a repressão das passeatas estudantis.
- 01/04: Inúmeras passeatas estudantis irrompem em várias capitais brasileiras.
- 22/05: Lei nº 5.439 estabelece responsabilidade criminal para menores de 18 anos envolvidos em ações contra a segurança nacional.
- 04/06: Sessenta e oito cidades são declaradas áreas de segurança nacional e, por isso, seus eleitores ficam impedidos de escolher pelo voto direto os respectivos prefeitos.
- 21/06: Prisão de trezentas pessoas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. As aulas são suspensas.
- 25/06: O ministro da Justiça, Gama e Silva, proíbe passeatas e comícios-relâmpago.
- 26/06: Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro.
- 16/07: Greve de Osasco (SP) inicia-se com a ocupação da Cobrasma.
- 29/08: Invasão do campus da Universidade Federal de Minas Gerais por tropas federais.
- 30/08: Invasão do campus da Universidade de Brasília por tropas policiais resulta em violência.
- 02/10: Invasão do prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) pelo Comando de Caça aos Comunistas e outros grupos.
- Outubro: É realizado clandestinamente o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP).
- 12/10: Prisão de estudantes em Ibiúna durante congresso da UNE. São presas mais de 700 pessoas, entre elas as principais lideranças do movimento estudantil: Luís Travassos (presidente eleito), Vladimir Palmeira, José Dirceu, Franklin Martins e Jean Marc Von Der Weid.
- 13/12: Ato Institucional N. 5 torna perenes os poderes discricionários que atribui ao presidente da República. O Congresso Nacional é posto em recesso. Com o decretado AI-5, Centros Cívicos substituem os grêmios estudantis.
- 1969
- Início: A UNE tenta manter uma direção com a eleição de Jean Marc Von Der Weid através dos Congressinhos Regionais.
- 26/02: Decreto-Lei nº 477 dispõe sobre infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino, penalizando professores, alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino público (até 1973, esse decreto atingiria 263 pessoas, a maioria estudantes).
- 16/05: O Ato Institucional N. 10, dentre outros efeitos, levaria centenas de professores universitários à aposentadoria.
- 01/07: Criação da Operação Bandeirantes (OBAN), embrião da polícia política conhecida como “sistema Codi-Doi” que seria implantada em todo o país nos moldes da OBAN.
- 31/08: Junta Militar, formada pelos ministros militares, assume o poder em função da doença de Costa e Silva, impedindo a posse do vice-presidente da República, que não concordara com o Ato Institucional N.5.
- Setembro: O presidente da UNE, Jean Marc Von Der Weid, é preso.
- 05/09: O Ato Institucional N. 14 estabelece a pena de morte.
- 30/10: Posse do general Emílio Garrastazu Médici na presidência da República, já que fora caracterizada a incapacitação definitiva do general Costa e Silva.
- 1970
- Início: Com quase todas as lideranças presas ou exiladas, o movimento estudantil realiza atos isolados, dentre eles uma missa pelo segundo aniversário da morte de Edson Luís.
- 10/02: Estabelecimento da censura prévia de livros e revistas pelo Decreto-Lei nº 1.077.
- 20/05: Início das operações oficiais do CIE.
- 20/05: Decreto nº 66.608 cria o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA).
- 1971
- 30/03: Decreto nº 68.447 reorganiza o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR).
- Setembro: Honestino Guimarães, vice de Jean Marc Von Der Weid, é efetivado presidente da UNE, em micro congresso.
- 07/09: Morte de Carlos Lamarca.
- Novembro: O governo passa a editar “decretos reservados”.
- 1972
- Início: A AP passa a denominar-se Ação Popular Marxista-Leninista (APML).
- O presidente da UNE, Honestino Guimarães, desaparece.
- Março: Inaugurada a Escola Nacional de Informações.
- 12/04: O Exército inicia o combate à guerrilha comandado pelo PC do B na região do Araguaia.
- 1973
- 30/03: Alexandre Vannucchi Leme, aluno da Universidade de São Paulo (USP), é preso e morto pelos militares. A missa em sua memória, realizada em 30 de março na Catedral da Sé, em São Paulo, é o primeiro grande movimento de massa desde 1968.
- 14/09: A ARENA homologa o nome do general Ernesto Geisel como candidato à presidência da República.
- 07/10: Início de nova tentativa, pelo Exército, de combate à Guerrilha do Araguaia.
- Dezembro: O Exército derrota a Guerrilha do Araguaia.
- 1974
- Início: O Colégio Eleitoral homologa o nome do general Ernesto Geisel para a presidência da República.
- É criado o Comitê de Defesa dos Presos Políticos na Universidade de São Paulo (USP).
- 1975
- 30/01: O ministro da Justiça anuncia que continuam as atividades de repressão ao comunismo e à subversão.
- 26/10: Anunciada a morte do Jornalista Vladimir Herzog em dependências do II Exército (SP).
- 1976
- 17/01: Morte do operário Manuel Fiel Filho em dependências do II Exército (SP). O general Geisel exonera o general Ednardo Dávila Melo do comando do II Exército em função das mortes de Vladimir Herzog e de Manuel Fiel Filho.
- 19/08: Bombas explodem na ABI e na OAB.
- 1977
- 01/04: Decretado o recesso do Congresso Nacional por 14 dias. Durante o período, o gen. Geisel edita uma série de medidas conhecidas como “pacote de abril”.
- 1978
- Maio: Greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
- 15/10: O Colégio Eleitoral referenda o nome do general João Figueiredo para presidente da República.
- 1979
- 01/01: Extinção do AI-5.
- 15/03: Posse do general João Baptista de Oliveira Figueiredo como presidente.
- 28/08: Decretada a Anistia pelo governo Figueiredo.
- 29/11: Fim do bipartidarismo.
- 1980
- 27/08: Carta-bomba explode na sede da OAB e mata a secretária Lydia Monteiro. Desde janeiro, diversas bombas explodiram ou foram encontradas no país.
- 1981
- 30/04: Integrantes do DOI do I Exército explodem acidentalmente uma bomba que planejam usar num atentado durante show de música no Rio Centro (RJ).
- 1982
- 15/11: A oposição, em conjunto, conquista maioria na Câmara dos Deputados.
- 1983
- Inicia-se uma campanha pelas eleições diretas para a Presidência da República.
- 1984
- 25/04: A emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas para presidente da República é derrotada no Congresso Nacional.
- 1985
- 15/01: Tancredo Neves e José Sarney vencem no Colégio Eleitoral a disputa com Paulo Maluf pela Presidência da República.
- 15/03: Posse do vice-presidente José Sarney na presidência da República em função de doença de Tancredo Neves.
- 21/04: Morte de Tancredo Neves.
- 1988
- 05/10: Promulgada nova Constituição da República definida pelo Congresso Nacional, mantendo no Título V e Capítulo I o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, com restrições aos direitos de reunião, sigilo de correspondência e de comunicação, além de manter a proibição de sindicalização e greve aos militares.
- 2005
- 04/07: Criado pelo Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC o Memorial dos Direitos Humanos.