Dogmática Jurídico-Canônica Medieval: Controle e Legado
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Rogério Dultra dos Santos
O Legado da Igreja Católica para o Direito Ocidental
Este capítulo busca identificar no período medieval a evolução do direito canônico como construção dogmática, levando em conta que os dois máximos legados da Igreja Católica para a construção do direito ocidental moderno foram a dogmática e o inquérito.
“De forma condensada, poder-se-ia dizer que dois foram os institutos máximos legados pela Igreja Católica para a constituição do direito ocidental moderno: a dogmática e o inquérito”.
Objetiva-se perceber, de forma evidentemente introdutória, como o direito canônico medieval, no seu estado de topos privilegiado, serviu de ‘celeiro’ para a instituição da dogmática como elemento discursivo de controle e manipulação social, principalmente através do sistema jurídico.
Sendo assim, a institucionalização dogmática será encarada como elemento de construção, manutenção e manipulação da verdade, que legitimou a postura autoritária imposta pela Igreja Católica na Idade Média. Deste modo, vê-se que a dogmática foi utilizada como mecanismo de controle e manipulação social, essencialmente mediante o sistema jurídico.
Contexto Histórico: Declínio de Roma e Ascensão do Feudalismo
Roma se sustentava politicamente em três pilares:
- A proteção militar da população;
- O incentivo ao comércio;
- A facilidade de comunicação com os outros lugares.
Tal trama encontrava-se abalada pelo modo de produção escravocrata e pelo cristianismo como religião oficial. O primeiro deixava os homens livres sem trabalho, enquanto o segundo fazia aparecer seitas heréticas que traduziam o descontentamento da plebe. Como ápice do declínio desses pilares, tem-se a invasão dos bárbaros.
As invasões germânicas originaram numerosos sistemas de governo menores e autônomos, organizados através dos vínculos de subordinação. O chamado regime feudal, então, veio como uma junção das características do regime escravocrata e do regime comunitário primitivo das tribos nórdicas. O responsável político por essa junção foi a Igreja Católica Romana. O direito derivado da Igreja serviu para sedimentar o poder institucional através de fundamentações “racionais” na interpretação da verdade.
A relação feudal traz um caráter ambíguo na questão da fidelidade, uma vez que os deveres de tal relação não são obrigatórios e arbitrários. No entanto, os deveres contratuais entre senhor e vassalos são fixos, bilaterais e obrigatórios.
O Direito Germânico e a Autoridade Carismática
Na Idade Média, o direito germânico foi usado para resolver conflitos, marcado pela ausência de um poder judicial organizado. Desse modo, o processo penal consistia numa “forma ritual de guerra” entre o ofendido e o acusado.
O direito germânico trouxe uma característica ao feudalismo: uma autoridade baseada no carisma de um líder guerreiro. Segundo a tipologia de Max Weber, tal carisma estava ligado à qualidade de uma personalidade e apresentava um certo caráter “mágico”. Para o autor, “o fundamento de toda dominação, e, por conseguinte de toda obediência, é uma crença: crença no prestígio do que manda e dos que mandam”.
A Jurisdição Eclesiástica e o Monopólio da Verdade
A Igreja se consolidou, certamente, como única instituição sólida da época medieval. Ela despontou como se fosse um grande senhor feudal, maior latifundiário, proprietária de muitas terras e detentora do poder espiritual e temporal em toda Europa.
Do ponto de vista jurídico, tem-se a descentralização da justiça. A jurisdição eclesiástica passou a julgar, mediante os tribunais canônicos, principalmente, os casos envolvendo o direito de família e os casos relativos ao casamento.
As regras jurídico-sagradas que determinavam a maneira correta de interpretação e resolução dos litígios eram representadas pelos cânones. Os cânones eram como verdades reveladas por um ser superior, e a sua desobediência, um pecado. Utilizando esses mecanismos, a Igreja passou a monopolizar a produção intelectual judiciária.
Diante disso, vê-se que o texto sistematizado na Idade Média se apresenta como discurso dogmático que busca construir a verdade, censurando a realidade. Em um aspecto superior ao da legitimidade, o direito canônico se levanta como um objeto de amor daqueles que estão subordinados às suas regras.