Édipo Rei: Análise Psicanalítica e a Estrutura da Tragédia

Classificado em Economia

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FACULDADE ESTÁCIO DA AMAZÔNIA

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

Turma: Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal

Disciplina: Justiça Penal Consensual e Justiça Restaurativa

Professor: Raimundo Gomes

Acadêmicos: Francisco Rogério Gomes da Silva

Resumo Analítico de "Rei Édipo": Crime ou Maldição na Tragédia de Sófocles?

A tragédia Rei Édipo, de Sófocles, é frequentemente abordada como porta-voz de um mito essencial, nele cifrado: como hospedeira de um significado que a precederia. Para quem a vê assim, ela se constitui numa forma fechada: tem de ser aberta por um conhecimento que a ultrapasse, que remova as capas do pano cintilante, em busca dos vestígios de um borbotão anterior, do mundo primário de onde lhe viria o significado.

Segundo se imagina rasgada sua epiderme, derrotada sua fronteira, revela-se o segredo da ficção trágica... e daí pode-se reverter ao conteúdo em segurança - para triunfar do mistério remoto, já dominado. É uma afirmação que muitos compartilham... Mas assemelha-se à fantasia de Édipo.

Uma coisa é certa: o modo como hoje, na visão de muitos intérpretes, a mais famosa tragédia de Sófocles contém o mito de Édipo não era sequer imaginável para o seu público original. Este tinha um contato direto com a diversidade da tradição, que as cenas trágicas não faziam sossegar-se, antes ampliavam e enriqueciam com variantes novas.

Logo, não se via a tragédia de Sófocles a fechar de ordem definitiva um longínquo conteúdo, oculto em sua brilhante fisionomia. Para os antigos, o conteúdo de Sófocles não era o representante e captor insidioso do mito que narra, ao mesmo tempo sua revelação e sua célere meditação acerca da tragédia SOFOCLEANA REI ÉDIPO.

Era um dos modos como ele se realizava - e como se interpretava, num significado mais numeroso da palavra (aquele cogitado quando se diz que um artista criativo interpreta uma melodia). Era uma sua reinvenção, necessariamente transformadora. Embora se suponha, a peça trágica o faça em termos transpostos, dando-lhe uma nova forma, distinta da original - e exclusivamente se pode conjeturar o que seria seu imaginado arquétipo, antes dessa transposição artística, por imaginário deformadora de sua natureza primeira.

Pensa-se, então, em uma forma concreta do mito - mais ou menos correspondente ao entrecho dos dramas sofocleanos e em uma sua forma já diretamente inacessível: aquela que Sófocles teria transmutado.

Essa fantasia é por vezes perturbada: sombras discrepantes emergem dos limiares de outros dramas e fragmentos, ou de uma referência homérica... contudo as diferenças que elas projetam acabam esquecidas, diluem-se na simulada transparência do esquema consagrado, superficialmente abstraído das criações clássicas mais conhecidas onde se trata de Édipo e configurado em arranjos que remontam às sinopses de mitógrafos antigos.

A Tragédia de Rei Édipo e a Tradição Mítica

Creio que a pergunta pode ser melhor colocada através da recordação de um comportamento aristotélico. Na Poética, Aristóteles usou o termo mito para escolher duas coisas bem diferentes: (1) o argumento dos dramas, das composições literárias, tal como é estruturado por seus autores; (2) a matéria de que eles se servem, ou seja, os relatos da lenda heroica utilizados pelos dramaturgos.

Ainda é tema de profundas análises, de árduas pesquisas e discussões dos helenistas o modo como se relacionam e interagem os dois tipos de mito, isto é, o modo como, nas obras conhecidas do teatro clássico helênico, o mito-argumento se funde (e se separa de, e reage) ao mito tradicional; neste caso, mito tradicional designa um fluido bloco de variantes para além da elaborada teia trovadora. Hoje, um assunto de consenso é o reconhecimento da originalidade que os grandes trágicos exerceram ao apoderar-se da lenda heroica: eles jamais se limitaram a copiar, dando-lhe uma nova forma estética, os antigos relatos que a tradição épica lhes punha ao alcance. Eles intervieram profundamente no seu material, de ordem refletida e inovadora.

Mais tarde, Eurípides também escreveu um Édipo, aparentemente influenciado pela peça Rei Édipo de Sófocles. O comportamento aristotélico, se pode desorientar quem lê superficialmente a Poética, tem a excelência de enfatizar a mitopoiese trágica, de apresentar que a ação dos mitos, seu fieri, seu empenhar-se, prossegue na descoberta dos poetas trágicos.

Um dos exemplos mais vigorosos de manufatura inovadora do mito a partir da tradição é precisamente o da tragédia sofocleana Rei Édipo. No âmbito da revolução trágica que deu à lenda do consternado herói de Tebas e à saga dos labdácidas uma outra biografia no teatro helênico da idade clássica é praticável confirmar um duplo deslocamento de alteração criativa.

Segundo o aludido helenista holandês, verifica-se na peça sofocleana uma reconciliação que não faz cogitar em tranquilidade idílica, antes sugere a virilidade de um espírito apto de recompor seu equilíbrio temperando-se dinamicamente, com o peculiar impulso da paixão.

É como se o douto quisesse suprir, com o conteúdo profético ampliado, uma comunicação - a seu pensamento necessária - que o poeta de Rei Édipo não deu. O oráculo oferecido a Laio, ela o faz brevemente, de modo que não autoriza a cogitar em esconjurar pretérita; e o faz com uma palavra empregada para apontar um oráculo não pretendido.

De forma novíssima, Sófocles concentrou no herói o mýthos de sua desgraça: desvinculou a paixão de Édipo de um perversão original alheia e distante; elevou a urgência interna de seu intercorrer a um futuro ontológico onde ela se prova absoluta, isto é, solta da rede dos liames morais tecidos, a priori, no entrelace de destinos postos em traço de consequência, intercomunicados pelo sangue.

Pode-se mesmo expressar que Sófocles inventou o mito de Édipo... Deu portanto nova autonomia à sua narrativa, referida ao jogo de uma identificação, possuída de uma identidade que a cristalizou - e escondeu de muitos olhos atentos a dança de suas variações.

. Segundo esse modo de ver, o fatalismo residiria, aí, no derrubar-se das determinações divinas a respeito do protagonista passivo, administrado pelo controle distante da potestade. Na ótica fatalista, as predições de Apolo condicionariam toda a conduta de Édipo...

Não há dúvidas de que Sófocles sublinha a iniciativa de seu personagem, seu caráter dinâmico, perseverante. O herói reflete, delibera e age com segura autonomia:

Édipo e o Inconsciente: Análise Psicanalítica

O Complexo de Édipo, noção central, é a estrutura de organização do psiquismo patriarcal, pois é através dele que o indivíduo se constitui. Nesse sentido, as primeiras relações travadas entre o indivíduo e aqueles que o rodeiam irão permitir a geração da realidade psíquica. Com isso, a linhagem preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico, transmitindo a estrutura do procedimento e das representações inconscientes.

Édipo realiza o desejo inconsciente de retornar à completude ilusória com a mãe. Da mesma forma que o personagem Édipo vive seus conflitos de saber a respeito de sua essência através das relações conflituosas que mantém com seus pais, o indivíduo, ao produzir seu romance familiar, utiliza a linhagem para vivenciar seus conflitos internos, de forma a estruturar a organização de seu aparelho mental.

Em confronto com seu desejo, permite abordar a possibilidade do indivíduo de apartar-se dos significantes que o aprisionam e entender a extensão trágica do psiquismo que produz um impasse quanto à ação do homem no mundo.

A construção da narrativa do herói remete ao âmbito de estudo onde o indivíduo igualmente cria uma fantasia edipiana relativa ao seu inconsciente e ao mundo do desejo. O âmbito de indivíduo desejante, que é desimpedido na possibilidade discursiva da peça artística trágica, evidencia a linguagem como operadora de surgimento do indivíduo do inconsciente.

A estrutura mítica represa um saber a respeito do inconsciente patriarcal, indo além de uma ficção e alcançando o tema de ignorância a respeito dos desejos que habitam o homem. Desta modo, os crimes de Édipo Rei expressam as fantasias criadas em torno do núcleo inconsciente.

Édipo, como representante do objeto desaparecido, apresenta o indivíduo em seu lugar no vácuo dos significantes, ao simbolizar o herói em seu estado de desgraça, produz a identificação da testemunha com seu drama inconsciente.

O público é conquistado por dois sentimentos descritos por Aristóteles, pânico e dó. Algo a respeito de sua verdade escapa ao indivíduo, o objeto incógnito é o que Édipo representa como metáfora do objeto causa de desejo. As interpretações permitem tornar o indivíduo apto de fabricar significantes novos, fazendo brotar seu desejo.

Esse percurso analítico leva em operação as fantasias do indivíduo, a partir de que elas sejam relatadas. Dessa forma, a verdade inconsciente é desvelada, remetendo ao material que está para além das palavras, o qual só pode alcançar significado por via de substitutos simbólicos. Neste sentido, o raciocínio patriarcal pode ser compreendido como uma noção que procura entre verdade e a fantasia.

A arte, sob esse prisma, torna-se vontade civilizatória, produtora de conhecimento e reveladora da essência mítica pulsional dos indivíduos. Sendo assim, a arte, por aduzir para o conhecimento o material inconsciente, transmite o conteúdo pulsional que está para além do conhecimento, o que a torna de reconciliação geral e atemporal.

Toma o lugar do irrepresentável do inconsciente, sendo seu representante. É em torno desse personagem, ao mesmo tempo mítico e fatal, que toda a rede de relações familiares irá se edificar na peça de Sófocles. O irrepresentável do inconsciente que se refere ao real traumático e sexual é expresso e elaborado pela via da fantasia artística, criada pelo poeta. Entretanto, como argumenta Didier Anzieu, quase todos os mitos gregos reproduziram, sob forma de variantes infinitas, o assunto da junção incestuosa com a mãe, de homicídio do pai. A resposta não recai a respeito do que se repete no mito de Édipo em relação aos demais mitos, mas sim no fato de Édipo tornar-se o representante daquilo que vai além da linguagem e transformado em herói fatal por vontade da representação artística realizada por Sófocles, ou seja, o representante do significante da falta. A obra de Sófocles é escrita e transmitida através dos tempos e das culturas, deixando o emissário universalizante do mito e apresentando toda uma construção a respeito da narrativa do herói através de uma linguagem dialética. A desgraça apresenta o conflito do herói diante de sua averiguação a respeito do assassino que descobriria ser ele peculiar por via de uma linguagem ambígua e interpretativa.

Édipo e o Matema da Falta (Objeto "a" de Lacan)

2.2.1 Para comunicar desse elemento mínimo, que é passível de ser matematizado no inconsciente, Lacan desenvolve, a partir dos mitemas, os elementos do psiquismo, denominando-os de matemas, do quais surge a noção do objeto “a”. Nesse sentido, o objeto “a” representa algo impossível de ser significado linguisticamente, por não poder tornar à consciência, ou seja, representa a falta estrutural de inscrição do objeto de desejo no inconsciente. As fantasias produzidas pelos seres de linguagem contornarão esse objeto estruturante do inconsciente que não tem como ser significado, sendo compreendido como um significante cindido de interpretação. Ele é revestido de uma proliferação, imaginária, de fantasias sexuais. Assim, o indivíduo de linguagem é causado por esse objeto que falta. O Édipo está no meio da fala, apresentando-se como o objeto “a”, por via do qual o significante que falta à prisão linguística pode ser modificado por um objeto. É em torno do herói como significante que as séries linguísticas se estruturam, de modo que, através da forma simbólica, o indivíduo possa julgar o lugar que ocupa no desejo do Outro. Édipo vem conquistar o lugar de objeto 'a' e, em torno desse objeto, se pode edificar uma rede de significantes, a fim de se aproximar mais da verdade do indivíduo. Ele permitirá constituir o tema de incompreensibilidade em torno do qual a linguagem circula. Sendo assim, o herói fatal é uma estrutura que ordena o desejo como efeito da ligação do indivíduo com a linguagem. Ele inscreve a não-significação, pelo fato da estrutura ser necessariamente inconsciente (LACAN, 1974: p. A fantasia constrói a verdade psíquica em torno do conflito edípico. Édipo representa a profunda dor do homem diante de seus impasses e agruras, agindo por determinações divinas que desconhece e, assim, encenando a representação trágica do inconsciente. Diante da afirmação de ter cometido atos dos quais desconhecia, equipara-se ao indivíduo dividido por seu inconsciente, que igualmente age por forças e desejos que desconhece e que o habitam. O lugar fatal é, pois, estar vivendo sob o comando dessas forças ocultas do inconsciente, sem saber da verdade de conquistar o lugar de objeto no desejo do Outro. É exatamente por se sentir cindido em seu saber a respeito daquilo que lhe é origem, que o indivíduo, marcado pela barra do recalque, irá buscar no Outro da linguagem esse objeto que lhe falta, demandando respostas a respeito do mistério que lhe invade, a verdade enigmática a respeito de seu desejo. O objeto “a” abre a hiância entre o significante primevo e os demais significantes da linguagem, de onde advirá o saber a respeito do desejo. A linguagem é constantemente lacuna e as palavras nem tudo dizem. A história dos sonhos e do material inconsciente permite o contato com esse material místico e escondido, revelando a estrutura edípica a ser construída por via de uma ficção particular. Esse ato foi, segundo Aristóteles, a mais perfeita e essencial ação trágica apresentada no teatro helênico. É através da reconciliação de toda essa construção teórica que se pode comunicar da construção da fantasia indispensável do indivíduo em estudo. Lacan, em “A instância da letra no inconsciente ou a justificação a partir de Freud”, afirma que a pesquisa analítica descobre no inconsciente uma estrutura de linguagem preexistente à entrada de cada indivíduo na linguagem, num instante de seu desenvolvimento mental. É pela palavra que o indivíduo representa o real, que o acomete para além da linguagem. A partir da concepção do simbólico, Lacan pôde redefinir conceitos cruciais da doutrina freudiana e compreender a estrutura psíquica no entrelaçamento dos três registros, real, simbólico e imaginário, reinterpretando a noção de “Das Ding” em Freud como sendo a falta de um significante que possa definir o indivíduo para ele mesmo, o significante da falta no Outro visando ultrapassar a forma do pai. A estrutura linguística possibilita compreender os três registros, nos quais o indivíduo se constitui e pelos quais é representado. O simbólico se constituirá como rede da linguagem, onde as palavras substituem as coisas e dão significação à vida. É exatamente porque Sófocles utiliza os elementos míticos para edificar sua tragédia, que o mito ganha regimento de fantasia, conseguindo o efeito fatal da obra pela ligação com o arquivo do real que se estabelece.

A Origem Dionisíaca da Tragédia e a Fatalidade

2.3 A psicanálise utiliza o elemento fatal ausente de uma obra teatral para comunicar do traumatismo originário do indivíduo na linguagem, entende o traumatismo originário do indivíduo como a sua restrição à linguagem, que é constantemente incompleta para expressar tudo a respeito do ser. O indivíduo da linguagem torna-se desfragmentado entre a verdade inconsciente e a consciência o que produz uma desavença entre essas instâncias psíquicas. O inconsciente refere-se ao lado escondido, divino e terrível enquanto o psiquismo relaciona-se à consciência. Nesses contextos, alguns elementos cênicos merecem destaque por enfatizar a expressividade trágica. Um acessório essencial utilizado pelos atores eram as máscaras, que igualmente eram usadas durante o ritual crente, com o intuito de simbolizar uma potestade ou para cobrir o rosto dos participantes do rito. O teatro fatal surge a partir dos cultos dedicados ao deus Dioniso, que ocupa no panteão helênico o lugar de deus da disfarce, sendo o único deus representado de frente por uma classe de personagens trágicos bem definidos, os heróis. O olhar fatal da potestade apresenta a própria restrição do indivíduo em seu conhecimento do mundo e é essa alteridade radical que os artistas gregos expressam para torná-la evidente aos olhos humanos. No painel fatal que se apresenta na encenação teatral, o herói não é mais protótipo e sim um problema a ser discutido no cenário político de Atenas. Dessa forma, Dioniso representa a superação dos ditames da lei, retirando a ideia de Bem máximo que vigorava no panteão helênico. No tablado, o horror da morte é encenado em sua suprema formosura, permitindo, assim, que a testemunha se confronte com a origem indescritível de sua própria mortalidade. “Não existe bonito congênito”, preconizava o raciocínio helênico. Enthéos é o termo helênico utilizado para manifestar esse prazer de “estar em deus” e é esse prazer que Dioniso traz, manifestado sob a forma de uma possessão divina. Esse enlevo dirige-se ao desejo inconsciente que é vivenciado de forma velada pela formosura da encenação artística. É a partir de seu raciocínio, afligindo-se ou regozijando-se em todas estas circunstâncias (PLATÃO, 2005). A reprodução artística traria, segundo o filósofo, uma parcela perturbadora da conduta humana, forjando fantasias afastadas da verdade, o que seria danoso ao desenvolvimento da comunidade ateniense. A mímesis trágica produz a representação do herói em um estado de desgraça e angústia, em gemidos e gritos, o qual aproxima a testemunha do saber não conhecido de seu peculiar inconsciente. Nesse sentido, a testemunha se identifica com o herói no terror que lhe advém. A tragédia produz, então, um gozo, como o que se repete no inconsciente da testemunha. Esse saber fatal não apresenta garantias, mas traz a imprevisibilidade, a insegurança e, por isso, é eclipsado. Ao final da obra trágica, a testemunha sai com esses sentimentos depurados, pelo fato de o repugnante da existência ter sido mimetizado. A encenação da mímesis trágica, então, por fabricar um gozo estético naquilo que se repete do inconsciente, traz deleite. A testemunha é atingida por sentimentos de horror e ternura, podendo, portanto, dar vazão aos impulsos e desejos reprimidos pelo recalque em função das exigências culturais impostas na religião, política e sexualidade (FREUD, 1906: p. A falha trágica do herói, sua hamartia, apresenta a concepção grega de causa trágica. O herói fatal torna-se, então, o paradoxo do homem, pois representa o inconsciente acusado do homem urbano. A separação entre o psiquismo e o divino apresenta o divino como revelação do Grande Outro e o psiquismo como sendo o indivíduo desfragmentado, sendo deliberado pelo Grande Outro. A mimeses é uma noção de prestígio para a psicanálise, por entendê-la como forma de expor o raciocínio que acompanha esse real traumático. Como argumenta Lacan, a arte trágica não poupa a testemunha das mais dolorosas impressões, podendo levá-lo a um ressaltado grau de gozo. Desde o começo, a testemunha sabe do horror que sobrevirá e, mesmo assim, permanece para ser conquistada por um gozo contraditório, que deverá surgir sem rupturas entre alegria e dissabor.

A arte, então, produz um conforto catártico na tensão armazenada, isso porque o herói que se apresenta em uma cena trágica irá obedecer o desejo impossível. O que está para além da alegria e da verdade é o que o herói realiza. A instância psíquica denominada por Freud de supereu representa a herança no declínio do Complexo de Édipo. [...] na idade em que o desenvolvimento do senso de verdade se efetuou, essa província foi adrede isentada das exigências do teste de verdade e exposta de lado a fim de elaborar desejos difíceis de serem levados a termo (LACAN, 1960: p.

Édipo Rei e o Inconsciente

3.1 Édipo: Herói Patronímico do Complexo de Édipo

Freud confirma, através de sua pesquisa clínica, o fato dos pais possuírem um papel essencial na vida mental das crianças. Há, entretanto, uma capacidade de contestação quanto a esses conflitos, para elaborar acreditar que o ideal contribuído pela comunidade é atingido extraordinariamente mais frequentemente do que o é na verdade. Assim, o Inconsciente é deliberado por Freud, nesse momento de seu análise, como “um dos reinos da mente com seus próprios impulsos plenos de desejos, seu modo de palavra peculiar, e com seus mecanismos mentais específicos [...]” (FREUD, 1916: p. Em sua retomada da interrogação da sexualidade infantil, em 1923, Freud baliza um moderno período para a doutrina da sexualidade humana. A subjetivação do sexo de cada um se articula com a formação do inconsciente, trazendo os seus consequentes percalços. Freud chamou de verdade psíquica a alternativa do indivíduo diante do abalroamento traumático da diferença sexual. A ideia da castração apresenta um prejuízo narcísico, da mesma maneira da dano corporal originária ocorrida na tentativa de desmerecer o úbere da mãe depois o absorver, da entrega das borras ou da desagregação do matriz ao brotar. Apenas depois o desenvolvimento ter atingido seu complemento, na adolescência, que a polaridade sexual coincide com masculino e feminino” (FREUD, 1923: p. É como significante do desejo que o falo funciona no inconsciente na pesquisa. A interrogação dos sexos, do tema de aspecto psicanalítico, é averiguar a mudança de como cada um dos sexos é regido pela lei do falo, tendo em aspecto que o único representante do sexo no inconsciente é o falo, um representante masculino. Não há um órgão simbolicamente equivalente na mulher ao que o pênis representa para o homem. Essa pesquisa primitiva deixa marcas no inconsciente, que são revividas, de certa forma, ao longo da vida. É o que Freud nos ensina, ao expressar que o inconsciente se constitui pela composição de um recalque proveniente do qual só se conhecerão seus derivativos. Portanto, constantemente existirá uma falta no inconsciente, o que Lacan chamou de falta-a-ser. No entanto, a informação entre a mãe e o menino é intermediada pelo falo, representando o significante do desejo da mãe, o que impõe a lógica fálica na origem. O Complexo de Édipo vem, pois, simbolizar a solução dessa situação de conflito. Se o pai é representante dessa lei que proíbe a mãe de reintegrar seu resultado, igualmente une o desejo à Lei. O conflito edipiano ocorre no que Freud definiu como período fálico, que corresponde ao papel precípuo que o órgão genital assume, sendo o genital feminino “irrevelado”, como apresenta Freud (FREUD, 1924: p. Lacan diz que não existe maior dom executável, maior signo de apego, que o dom de dar o que não se tem, o que apresenta o ser desejante como aquele que aceita sua castração simbólica. Desse modo, Freud apresenta o Édipo como o pai da sexualidade e não como o pai da procriação, noção desenvolvida em seguida por Lacan. O desejo do pai pela mãe apresenta uma dicotomia entre a colocação materna e a feminina, que leva Lacan a igualmente apartar o pai do homem. São as fantasias inconscientes da cena primária (origem do sujeito), da castração (da diferença sexual) e da fascinação (da essência da sexualidade).

O inconsciente daquele que ainda encontra-se na resolução edipiana continua agindo mediante as forças ocultas que marcam a ambivalência de sentimentos que ele possui pelas pessoas amadas. Édipo Rei torna-se o pilar da teoria psicanalítica, por evidenciar que um gozo é revelado pelos desejos incestuosos e assassinos que habitam o inconsciente humano e representante do falo. Édipo apresenta tais desejos, que ficam submersos pelo recalque. Édipo, ao representar o saber não sabido próprio do inconsciente, desvela a verdade que nos habita e nos é oculta. Essa parte oculta de nossa história, que é relatada pelo Outro materno, é o que Édipo representa, como sendo o discurso fundamental do sujeito.

O Nome-do-Pai e a Herança Arcaica do Sujeito

3.2 O Nome-do-Pai

Por entender o assassinato do Pai como forma de incorporar a Lei paterna, Lacan denomina a metáfora paterna como operação significante. Isso porque o enredo trágico evidencia ser o crime de Édipo a reedição do assassinato primevo e dos desejos inconscientes do homem. A função paterna permite a entrada do ser na linguagem, por meio do recalque originário, inscrevendo sua marca a partir do momento em que é morto. A morte do pai mítico realça o entendimento sobre o significante que falta e pode ser simbolizado através das leis que aplacam a culpa dos filhos, marcados pela oposição entre amor e ódio (LACAN, 15/junho/1967). Com o mito de Totem e Tabu, Freud apresenta o crime primordial da raça humana no assassinato do pai absoluto da horda cometido pelos filhos. O resultado do assassinato é o remorso pelo ato praticado intensificando o respeito à “vontade paterna”. Com seu assassinato, os seres entram na lei da linguagem, estabelecendo-se a diferença entre eles e o limite entre as gerações, exatamente por haver um significante correspondente ao pai primevo, que falta à cadeia linguística. É no entanto que faz o sofrimento neurótico. É para explicá-la que Freud constrói o mito do assassinato do pai. Em torno desse significante, tudo se irradia e tudo se organiza na superfície da trama. - se não é porque a noção do pai, muito próxima daquela de temor a Deus, lhe dá o elemento mais sensível na experiência do que chamei o ponto de basta entre o significante e o significado (LACAN, 1955: p. O mito de Édipo, ao ser representado artisticamente por Sófocles, apresenta toda essa relação conflituosa do homem com seu desejo, através das relações familiares ambíguas que o herói possui e que se manifestam em sua linguagem. Édipo representa o momento mais desejado no inconsciente de retornar à completude ilusória de se deixar gozar pelo Outro materno. O Complexo de Édipo apresenta o percurso do sujeito se posicionar diante da diferença sexual e passar a desejar para além das relações primeiras de parentesco. O momento traumático do inconsciente está, portanto, na descoberta sobre a diferença sexual. Freud permite compreender o efeito trágico do assassinato do pai, revelando poderosas forças inconscientes e inconfessáveis, relativas à relação do sujeito com o próximo e marcando a paixão do significante primevo. O assassinato do pai, no entanto, marca o inconsciente com o crime, que se torna tabu na cultura. Dessa forma, o inconsciente possui um aspecto mortífero em sua relação indissociável com a pulsão de morte. Freud diz, então, que é esse caráter pulsional que leva à compulsão de repetição: No inconsciente psíquico, pode-se reconhecer a supremacia de uma compulsão à repetição proveniente das moções pulsionais e dependente da verossimilhança da natureza mais íntima das pulsões, suficientemente poderosa para situar-se acima do princípio do prazer, atribuindo a certos aspectos da vida psíquica o seu caráter demoníaco...(FREUD, 1939: p. Em termos linguísticos, a morte do pai corresponde à “paixão do significante”, o significante que marca uma falta na cadeia linguística. É o significante ausente que faz surgir a falta, com a qual terá que bordejar no processo analítico através da fala, de modo a incorporar um traço desse pai. O mito de Édipo traz a chave do gozo e, no nível trágico em que Freud se apropria dele, mostra precisamente que o assassinato do pai é a condição do gozo. É também, se olharmos de esguelha esse mito, é assim como se nos apresenta nesse enunciado de que eu disse que conviesse tratar como o que é, a saber um conteúdo manifesto e pelo mesmo começar a articulá-lo bem. O mito de Édipo, no nível trágico em que Freud se apropria, mostra que o assassinato do pai é a condição do gozo. É o preço desse assassinato que ele o obtém? É precisamente o que Freud descreve com o mito de Édipo no assassinato do pai. A castração só pode ser transmitida em ato. “A castração é a operação real introduzida pela incidência do significante, seja ele qual for, na relação do sexo.

3.2.1 A Herança Arcaica do Sujeito e a Maldição Familiar de Édipo

Para ampliar o entendimento sobre a tragédia de Édipo Rei e o inconsciente é preciso rever a herança de Édipo, que marcou sua busca pela verdade, e as relações possíveis com as determinações inconscientes que marcam o ser de linguagem. Fora da linguagem ela nem mesmo poderia ser concebida, e o ser daquele que viveu não poderia ser assim destacado de tudo o que ele veiculou como bem e como mal, como destino, como consequência para os outros, e como sentimentos para si mesmo. Nada mais é do que o corte que a própria presença da linguagem instaura na vida do homem (LACAN, 1960: p.338). Lacan apresenta o corte em sua manifestação linguística, que escande tudo o que ocorre no movimento da vida. Antígona se apresenta como autônoma pura e simples relação do ser humano com aquilo que ocorre de ele ser miraculosamente portador, ou seja, do corte significante, que lhe confere o poder intransponível de ser o que é, contra tudo e contra todos. Ela encarna o desejo de morte, o desejo fundador de toda a estrutura, aquele que fez vir à luz os filhos, Eteocles, Polinices, Antígona e Ismene e que, ao mesmo tempo, é um desejo criminoso. A descendência incestuosa de Édipo se desdobrou em dois irmãos, onde um representa o poder e o outro o crime. Essa hereditariedade inconsciente é onde encontramos o Complexo de Édipo. O erro traz a culpa inconsciente, uma dívida simbólica. A psicanálise é uma prática que vai contra o destino desse sujeito determinado pelo Outro, que deve carregar a culpa como herança, pois entende o sujeito em relação ao inconsciente, de forma a poder posicionar-se diante do que herdou simbolicamente. Ele fica aprisionado a significantes que não são seus significantes do Outro. Essa é a importância apresentada na tragédia de Édipo, ao apresentá-lo como aquele que apresenta um traço comum passado através das gerações. É exatamente aí, onde o Outro perde sua consistência, onde não existe mais o significante do Outro, onde não tem nada, onde o Isso comparece como reservatório das pulsões, do ex nihilo, que o sujeito emerge. Édipo como herói patronímico recapitula o assassinato do pai primevo, passando a ter de sofrer por estar no lugar deste pai primevo. Ao assumir a culpa trágica que perpassa pelo inconsciente da plateia, Édipo alivia a culpa de todos. Entretanto, não percebeu que, cada vez mais, foi sendo enredado por seu desconhecimento e por sua hybris. Nesse sentido, a figura emblemática da Esfinge, que surge para Édipo em seu caminho, apresenta uma questão a ser respondida pelo herói. Os que sabem interpretar os mitos e as lendas podem identificá-lo no enigma que a Esfinge de Tebas apresenta a Édipo”. Freud chama esse enigma de Enigma da Esfinge, porque a questão que se apresenta por trás da descoberta anatômica da diferença sexual, o que a criança busca é o enigma do desejo do Outro, com o qual o sujeito se confronta. Lacan salienta que essa pergunta foi oferecida a Édipo pelo fato dele ser o representante da relação do homem com seu saber inconsciente, com o núcleo e sua neurose. Lévi-Strauss, em seu trabalho Leçon inaugurale du College, trabalhou a questão do enigma como enunciado, estabelecendo a cisão entre enunciado e enunciação, entendendo haver uma impossibilidade de comunicação na união linguística entre eles (VERNANT, 2003: p. Édipo, entretanto, desconsiderou os significantes contidos em seu próprio nome, quais sejam: 'inchado' Oidí, 'dois' di e 'pés' pous. O enigma, portanto, referia-se ao significante “pés”, pous, inscrito no radical de seu nome. Ele tornou-se, então, rei do significante, aquele que, aos olhos dos tebanos, tudo sabia. Essa é a singularidade deixada pelo inconsciente, que faz de cada um ser único, constituído através da rede de significantes que herda. Além de todas essas possibilidades trazidas na análise do significante do nome de Édipo, o prefixo Oidí aproxima-se também do verbo oîda, que significa 'ver' usado no sentido de 'saber'. Para Freud, o que se passa com Édipo situa-se no nível inconsciente, do desejo inconsciente de matar o pai e unir-se à mãe. Édipo apresenta dessa forma a oportunidade que o sujeito tem de investigar sobre o seu sintoma em análise, ao poder questionar sobre sua história e poder recontá-la. A entrada em análise é, portanto, poder olhar para si mesmo, deixando a arrogância das interpretações racionais dadas pelo indivíduo sobre seu drama pessoal e encontrar na temida verdade inconsciente a possibilidade de escolher para além dos destinos divinos, as determinações inconscientes que o regem sem que ele saiba. O inconsciente é o capítulo de minha história que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado. Qual seja: nos monumentos e esse é meu corpo, isto é, o núcleo histérico da neurose em que o sintoma histérico mostra a estrutura de uma linguagem e se decifra como uma inscrição que, uma vez recolhida, pode ser destruída sem perda grave. Além do corpo, o inconsciente se revela como documento de arquivo, nas impenetráveis lembranças da infância, no estoque do vocabulário particular que apresenta, o estilo de vida e o caráter. Mensageiro: Desamarrei teus tornozelos transpassados... Isto porque, como afirma Lacan, “O neurótico também é uma testemunha da existência do inconsciente, ele dá um testemunho encoberto que é preciso decifrar”. Édipo tornou-se uma impossibilidade lógica na rede de “relações elementares de parentesco”, como apresenta Levi-Strauss. Por essa razão, é possível relacionar a Maldição familiar, ou seja, a maldição que recai sobre Édipo e que perpassa várias gerações, ao que, no inconsciente, se herda como marca. No declínio do Complexo de Édipo, o sujeito aceita a castração do pai e incorpora esse significante faltoso. É pela incorporação desse significante faltoso, pela aceitação da própria falta, que Lacan diz: tudo o que existe não vive senão na falta-a-ser (LACAN, 1960: p. Ainda que o significante dos significantes, ou seja, o falo, se encontrasse oculto sob a letra, Édipo nada mais era do que a marca de um gozo que resiste à significação. Nesse sentido, todos os sujeitos são coxos, por possuírem o traço amaldiçoado deixado pela sua entrada na linguagem, que os torna sempre incompletos e trôpegos. A falha de comunicação aparece no corpo de Édipo, em seu andar desequilibrado e coxo, ele encarna a falha que faz toda linguagem ser cambaleante. Ao dar um único significado possível, unindo enunciado à enunciação o sujeito reduziu o Real ao mutismo, não reconhecendo sua implicação no sintoma. Pois onde situar, por gentileza, e a nenhuma outra, que pertence o fenômeno do inconsciente senão nos quadros nominais em que se baseiam desde sempre, no ser falante que somos, a aliança e o parentesco, nas leis da fala em que as linhagens fundamentam seu direito, no universo de discurso em que elas misturam suas tradições? E como apreender os conflitos analíticos e seu protótipo edipiano fora dos compromissos que fixaram, muito antes de o sujeito vir ao mundo, não apenas seu destino, mas sua própria identidade? Admitindo-se como o ser que carrega em si o traço, fazendo cair o véu opaco da verdade inconsciente, de forma a deixar o olhar livre da visão míope da ignorância. Isso vem mostrar como o neurótico é inibido em suas ações, sendo o pensamento, para ele, um substituto do ato, ao contrário do homem primitivo e mítico, descrito em Totem e Tabu, para quem o ato era o substituto do pensamento. O mito, portanto, possui exatamente o papel de apresentar, para o homem civilizado, a ação desse homem primitivo, que o sujeito neurótico desconhece. É importante ressaltar, que toda essa construção freudiana é por ele ressaltada como não sendo de cunho cronológico ou causal (FREUD, 1924: p. Na peça de Édipo-Rei, ao herói cumprir os desejos inconscientes descritos no romance familiar, não passa impune por eles. A marca do assassinato do pai clama por respostas e é esse enigma o propulsor da busca pela verdade, essa é a via de acesso do sujeito ao seu inconsciente, manifestada em uma análise. Édipo então é posto a questionar: “Quem é o assassino de Laio?”. É isso o que a peste exigiu com a revelação do criminoso, porque é, a partir da dimensão do gozo que está na verdade inconsciente, que se torna possível haver o reconhecimento daquilo que se é. É aí que vemos que não é possível abordar seriamente esta referência, a referência freudiana, sem haver intervindo entre o assassinato e o gozo esta dimensão da verdade (LACAN, 1970: p. Na análise, o sujeito também passa por suas peripécias ao investigar suas questões, na busca de elementos externos a si que expliquem suas mazelas, indo em direção a sua própria questão. O analisante, como Édipo, ao construir sua fantasia, vê seus desejos espelhados no outro. O inconsciente abre e fecha, marcando esse tempo pelo qual, por nascer com o significante, o sujeito nasce dividido.

3.3.3 O Saber Inconsciente

Se, ao longo da peça trágica, Édipo agiu por ignorar sua origem, Lacan lança a questão de saber até que ponto Jocasta tornara-se conivente com esse gozo desmedido de ser possuída pelo próprio filho. Está aí todo o drama do Complexo de Édipo, desejar entrar no lugar do significante que falta ao Outro materno. Isto teria produzido um resultado distinto! (SÓFOCLES, 2006, p.73 ) Édipo, ao buscar a resposta sobre o autor do crime contra o rei, apresenta a busca do sujeito em direção à verdade sobre sua origem, o real que marca a diferença sexual, apontada pela Esfinge em suas palavras ambíguas. Cada vez mais os psicanalistas, entretanto, em algo que efetivamente é muito importante, a saber, o desejo da mãe. Édipo, no lugar de falo de Jocasta, não sabia sobre sua posição e Jocasta também não queria que ele soubesse, para que dela não abdicasse: De sorte que vocês alcançassem aí, que na origem, o que nutre a emergência do significante é uma visada do que o Outro, o Outro real não sabe. O significante sem dúvida revela o sujeito, mas apagando seu traço (LACAN, 12/dez/1962). Édipo funda em sua estrutura essencial o início da verdade freudiana, na qual todo desejo possível circula. A paternidade é apresentada como significante no registro simbólico fálico, a partir do pai morto, como passagem da natureza à cultura. O simbólico é a herança transmitida pela cultura que estrutura o sujeito nos laços sociais. Édipo, por não ter passado pelo Complexo de Édipo, não possuía a lei como herança, tornando-se o objeto que representa a marca do crime cometido. Dessa forma, Édipo representa o sujeito em sua alienação ao significante do Outro, submetido ao gozo da mãe.

Tragédia e Psicanálise

4.1 A Fantasia

A tragédia não desvela a realidade, mas a imita, dispondo dos olhos do público para que as figuras lendárias da idade heroica falem e ajam diante dos espectadores em sua vertente metafórica, reveladora dos mais profundos conflitos humanos travados em seu inconsciente. O espectador é conclamado a compreender o que é dado no palco com um plano diferente do real e que se deve definir como o da ilusão teatral. Sendo assim, a tragédia não é lendária, mas reveladora de uma verdade do sujeito do inconsciente que relembra o espectador de suas próprias infelicidades proibidas de serem representadas. Esse é fundamento do efeito trágico, defendido por Lacan, de forma que ele apresenta uma purificação que vai além do puro imaginário, atingindo o real. Os heróis trágicos tornam-se, no espelho da ficção trágica, objetos de compreensão do jogo de forças contrárias a que o homem está submetido, colocando o espectador em uma interrogação de alcance geral da condição humana, de seu limite e finitude. A psicanálise constata que a cena trágica traz as lembranças arcaicas do inconsciente, evento que teria acontecido, mas como algo da ordem da fantasia. A realidade psíquica é marcada pela escolha do sujeito diante do momento em que constata a diferença sexual. Assim, essa fixação libidinal à qual o sujeito se encontra regredido no nível do significante é o que dá origem à escolha do sintoma e da neurose. A impossibilidade de escolher leva ao conflito neurótico. Freud salienta que o espetáculo apresenta, pois, o olhar amargo da criancinha que olha seu irmão pendurado no seio de sua mãe, como representado na pintura de Da Vinci “Sant’Ana, a virgem e a criança” (FREUD, 1910: p.53-136). O quadro deixa estática a cena da fantasia, cuja estrutura pode reduzir a um só golpe os três tempos da fantasia. A fantasia, via de regra, permanece inconsciente e só pode ser reconstruída no decorrer de uma análise. A fantasia é uma imagem com determinação significante, uma cena imaginária construída sobre uma frase que, como tal, tem estrutura de linguagem. Por ser inconsciente, a fantasia é estruturada como uma linguagem da pulsão. Ele é o mestre que criará a estrutura da imagem e irá mascarar o real do olhar para cada indivíduo. A imagem torna-se, assim, estável, correspondendo a uma crença na realidade do que se vê e se conhece. O espelho é, portanto, o que vela a falta, puro espaço reflexivo em que não há distância entre o sujeito e o objeto, enquanto que o quadro é construído com as tintas da linguagem, formando a fantasia. O teatro trágico apresenta exatamente a possibilidade de desestabilizar o mundo da razão, tão bem alicerçado na completude ilusória da imagem, porque retira no instante da tragédia o sujeito dessa relação do estágio do espelho em que olhar e ser olhado estão sempre juntos. Nesse estágio dual, o eu e o outro aparecem em uma relação puramente imaginária que une a estrutura pulsional do desejo de ver e de ser visto. Tal qual a histérica em seus ataques, deixando ver a ‘Outra cena do inconsciente’, o ato de Édipo desmascara a completude de seu reinado sobre o objeto que cai, apresentando a falta desse significante primordial. O movimento da peça até a cena catastrófica que se apresenta é uma sequência de imagens em busca de outra coisa que não está lá. As imagens da peça atuam, como Freud faz com as lembranças encobridoras, sendo o oposto de um instante estático, de forma que a imagem em movimento apresenta a incerteza do visível. O momento catártico, entretanto, surge no momento em que os olhos são arrancados. Freud evidencia essa relação entre a fantasia e o tempo, dizendo ser um fato muito importante para a psicanálise. Uma impressão ocorrida no presente desperta desejos do sujeito que fazem com que ele retroceda a lembranças do passado, criando uma situação referente ao futuro que representa a realização do desejo (FREUD, 1908: p. O tempo estanca diante da cena que representa a estática fantasia fundamental do sujeito. No momento da catástrofe, o sujeito surge enquanto dividido pela linguagem nas hiâncias de sua própria fala. Ele próprio se faz o representante da queda do objeto “a”. O sujeito, no percurso trágico de uma análise, deve poder apreender-se como sujeito e como objeto separado do Outro, tal como na cena emblemática em que Édipo se apresenta como objeto. É, pois, a fantasia que confronta o sujeito ao seu objeto agalmático tomado pelo seu valor de significante, de forma a entronizar o sujeito na cadeia de significações. Na medida em que o sujeito quer obter do Outro o significante que lhe diga o que o Outro deseja dele, o Che Vuoi, “que queres de mim?” é que constrói sua história, até que o Outro possa caia desse lugar de Objeto de amor. A palavra torna-se sua principal inimiga, apresentando a amarga experiência do não reconhecimento da verdade que o pré-existia. A ironia trágica apresenta esse jogo de forças contrárias na fala do herói, que é traído por suas próprias palavras, em um jogo que causa uma tensão constante entre o saber e o não-saber. O percurso de uma análise permite ampliar as trocas discursivas entre a linguagem consciente e a inconsciente. Tal qual o herói trágico, é na linguagem que se encontra a revelação da verdade. A relação estabelecida em Édipo entre os dois discursos, consciente e inconsciente, mostra que a linguagem inconsciente, aquela trazida pelos deuses, é oculta ao sujeito na entrada em análise e, através da interpretação, vai se atando à linguagem consciente. Tal mudança da situação em seu contrário mostra como a linguagem possui seu valor de ambiguidade, como Freud constatou ao pesquisar as significações duplas antitéticas. O inconsciente, segundo Freud constatou, também possui esse tipo de articulação. Dessa forma, a relatividade essencial de todo conhecimento, pensamento ou consciência, não se pode mostrar a não ser na linguagem. Os sonhos tomam a liberdade de representar qualquer elemento por seu contrário de desejo. Não há uma maneira de decidir, num primeiro relance, se determinado elemento que se apresenta por seu contrário está presente nos pensamentos do sonho como positivo ou negativo. Se o inconsciente e a linguagem primitiva apresentam a falta de ambiguidades, encontramos na trama de Édipo Rei exatamente o conflito psíquico que ocorre por uma “incoerência”, evidenciada entre a razão e a verdade inconsciente que comanda desejos ocultos ao pensamento. Os sonhos tomam, além disso, a liberdade de representar qualquer elemento, por seu contrário de desejo” (FREUD, 1910: p. O entendimento sobre as palavras antitéticas em Freud faz Lacan reforçar que o mais importante na tragédia de Édipo Rei, para a psicanálise, é o fato dela apresentar a passagem do não-saber ao saber. Em seu primoroso texto “A direção do tratamento e os princípios de seu poder” (1969/70), Lacan descreve o que vem a ser o desejo que percorre toda a análise através da estrutura de linguagem própria do inconsciente. Definiu o desejo inconsciente pelo termo alemão Wunsch, utilizado para expressar um voto, uma aspiração sem cunho sexual. O desejo do qual se quer falar é aquele que é recalcado no inconsciente e que comporta um saber não sabido, um desejo enigmático. Quando ele responde ser “o homem” a solução do enigma, apresenta a ambiguidade, por excluir a verdade do sujeito Édipo. Édipo é antitético, o rei do significante e, ao mesmo tempo, um objeto que não representa nada no desejo do Outro. É por meio do plano imaginário que ocorre uma articulação simbólica e inconsciente, onde se vincula o desejo ao desejo do Outro. A falta-a-ser, remete a uma identificação com o falo, o significante da falta do objeto primitivo. Articulando a estrutura do desejo temos que: o desejo é aquilo que se manifesta no intervalo da demanda aquém dela mesma, na medida em que o sujeito, articulando a cadeia significante, traz à luz a falta-a-ser como um apelo de receber seu complemento do Outro, se o Outro, lugar da fala, é também o lugar da falta. O desejo do analista é, pois, esse lugar sem sentido, fora da cadeia significante, no ato analítico. Como falta, o desejo do analista equivale ao 'não-saber' do inconsciente definido como rede de saber. É nesta situação de objeto causa de desejo, por ser barrado pela linguagem, que o analista pode sustentar seu lugar, pois possui um saber que é desejante. Lacan ao falar que o analisante vela um saber inconsciente está expondo de maneira contumaz o conflito travado por Édipo. Essa cena em que ele arranca os olhos ocorre atrás da grande porta do palácio, escondida da visão do espectador, representando aquilo que está aquém do simbólico. A imagem diante do espectador torna-se sem garantias, pois o olhar torna-se oscilante e não mais fixo diante do objeto. Leva o espectador ao encontro de seu tempo a-histórico, local onde o olhar preexiste à visão. Édipo representa a saída do sujeito do drama contido na superfície representacional do espelho, do engodo de sua identificação alienante ao Outro. Esse é o momento em que o sujeito vê sua incompletude, deixando cair o objeto que Édipo representa em sua passagem da condição de rei do significante a resto dessa operação. No nível escópico, não estamos mais no nível do pedido, mas do desejo, do desejo do Outro... o sujeito se apresenta como o que ele não é e o que se dá para ver não é o que ele quer ver. Esse momento, portanto, permite a revelação trágica, a transmissão trágica que leva a uma comunicação do espetáculo com o saber inconsciente, naquilo que se opera entre o saber e a castração. Por isso, o ato trágico leva necessariamente ao êxtase catártico do espectador, como diz o próprio Édipo: “Vereis um espetáculo que excitaria piedade até num inimigo sem entranhas!” (SÓFOCLES, 2006, p. Sua queda do lugar de exceção leva a um profundo desamparo social e confronta o espectador com seu próprio exílio. Só que Édipo, embora seja seu representante, é imputado pelo Coro de ter cometido grande insolência aos deuses, uma falta trágica, correspondendo a essa expectativa do Coro. A pulsão de morte deve estar para além da tendência ao retorno ao inanimado, fazendo surgir à vontade de Outra-coisa, para além do significante, de vontade de criação a partir do nada, vontade de recomeçar. Como em Sade, a noção da pulsão de morte é uma sublimação criacionista, ligada a esse elemento estrutural que faz com que, desde que lidamos com o que quer que seja no mundo que se apresenta sob a forma da cadeia significante, haja a uma certa altura, mas certamente fora do mundo da natureza, o para-além dessa cadeia, o “ex nihilo” sobre o qual ela se funda e se articula como tal (QUINET 2006, p. Resposta- pela virtude do significante e sob a forma radical. É no significante, e como o sujeito articula uma cadeia significante que ele sente de perto, que ele pode faltar à cadeia do que ele é (Ibid). refere-se ao fato de que é a partir da morte do significante que a pulsão passa a demandar satisfação, só assim o desejo pode existir.

Conclusão: Tragédia, Direito e Psicanálise

Em resumo, As tragédias edipianas de Sófocles se situam em uma fronteira especulativa em que o direito é mimetizado e empresta figura e determinação a um método criminal; situam-se em uma sala de espelhos da história e da sociedade em que se veem imagens da história do direito ateniense, seus vocabulários e protocolos; nesta sala, deságuam tradições multisseculares do direito e da história do indivíduo e da cidade; situam-se também junto a uma ágora em que transpiram discussões sobre culpa, responsabilidade e vontade, às quais Sófocles responde enfaticamente.

A solução argumentativa, porém, não se prende à história política ou jurídica da cidade, mas vai buscar amparo em concepções sobre herói e heroísmo e vai também levar impasses para as definições e estatutos da humanidade.

Édipo aceita sua condição de paciente de um destino terrível; é responsável, sem ser culpado. Esta é a forma com que se define sua relação com os deuses e o destino, e ele corajosamente assume sua parte nesta trama. A consciência olha com temor mas com suspeição o império do nume e prepara-se para se

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