Elites, Constituição e Utopia: Reflexões sobre Poder e Direito
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RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar os seguintes temas: Teoria das Elites, a Essência da Constituição e Direito e Utopia.
A Teoria das Elites afirma que cada povo deve ser governado ou dirigido por uma minoria inteligente. Essa teoria não nega o direito da escolha de representantes pela maioria, de modo que não retira as bases da legitimidade política, mas tão somente exclui a população do debate direto sobre questões públicas. Faz-se mister reconhecer a desigualdade entre os homens, pois essa diferenciação favorece a harmonia social.
Segundo a concepção de Essência da Constituição, de Ferdinand Lassalle, há duas espécies de Constituição: a real (fatores reais de Poder) e a escrita (denominada de “folha de papel”). No entender do autor, toda nação sempre possuiu uma Constituição real, sendo a Constituição escrita apenas o resultado da luta de forças econômicas e sociais no Estado.
Direito e Utopia enuncia que estudiosos e operadores do Direito no Brasil buscaram métodos e caminhos para uma nova concepção de Direito, partindo do pressuposto de que os direitos são distribuídos desigualmente conforme costumes e culturas regionais. Busca-se, nesse sentido, libertar os povos menos favorecidos da opressão do Direito Positivo Estatal.
Palavras-Chave
Teoria das Elites. Essência da Constituição. Direito e Utopia.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo abordará sucintamente a Teoria das Elites, a Essência da Constituição e Direito e Utopia. A Teoria das Elites, desenvolvida por Cristina Buarque de Hollanda, traça um percurso das tendências elitistas dos chamados cânones do pensamento elitista moderno: Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels.
De acordo com Lassalle, uma Constituição escrita somente será boa e duradoura quando corresponder à Constituição real e tiver suas raízes nos fatores reais e efetivos do poder que regem o país. Na obra Direito e Utopia, o professor João Baptista Herkenhoff expôs a Teoria do Direito da Libertação, defendendo a ideia de uma justiça rotulada como utópica, mas que pode ser alcançada.
2. TEORIA DAS ELITES
Na antiguidade grega, a democracia era entendida como o pleno exercício da política, através da participação do cidadão sem a participação de mediadores, de modo que expressava legitimamente a organização da cidade de Atenas. De modo direto, os atenienses interferiam na vida pública, definindo a noção de liberdade, pois o envolvimento direto deles na política tornou-se a condição do exercício pleno da autonomia entre os indivíduos, enquanto vontade coletiva.
A igualdade presente nas assembleias públicas deliberativas foi objeto de crítica de alguns filósofos, como Platão, que afirmava ser fundamental reconhecer a desigualdade entre os homens, pois a harmonia social depende desse reconhecimento. Segundo ele, a igualdade da pólis tornara-se algo vazio, pois nega a diferença entre os grupos organizados.
No Século das Luzes, especialmente a partir da incorporação das ideias liberais, o modelo democrático, até então sob o espectro conceitual da pólis, conheceu sua versão representativa. Nesse paradigma, a vida privada sobrepõe-se à coletiva. Assim, o voto universal substitui a ação permanente dos indivíduos na atividade política, haja vista que os escolhidos irão representá-los em tais funções. Neste contexto, portanto, com a integração dos modelos liberal e democrático na formulação dos sistemas políticos modernos, particularmente após o século XIX, o princípio representativo encarregou-se de organizar a vida política na maioria dos países, especialmente no Ocidente.
Entretanto, tal concepção foi alvo de críticas. É neste cenário conflituoso que a obra Teoria das Elites, da cientista política e professora Cristina Buarque de Hollanda, pretende traçar um percurso das tendências elitistas que marcaram este período, apresentando um panorama dos principais pensadores da teoria elitista: Mosca, Pareto e Michels. Em sua investigação, a autora analisa as semelhanças e diferenças entre eles.
Neste sentido, a autora analisa o elitismo contemporâneo, expondo as principais ideias de Joseph Schumpeter e Robert Dahl. Por fim, explora as matrizes do pensamento republicano autoritário e liberal brasileiro, com vistas a apontar sinais do elitismo na formação da República, destacando as obras políticas de Oliveira Vianna e Assis Brasil.
Ao conceber a opinião de autores como Mosca, Pareto e Michels, a autora afirma que, apesar do desacordo entre eles, todos se encaminham na descrição da democracia liberal como regime utópico, pois, nesta tríade, as ideias de soberania popular, igualdade política e representatividade por voto compõem um universo abstrato, sem sustentação real. Revela-se, desse modo, a oposição ao discurso pretensamente homogêneo, característico do sistema democrático-representativo, onde o sujeito eleito é fruto da vontade popular. A tese sobre o elitismo, ao contrário, constitui-se na base desigual da organização administrativa, instituindo uma relação de dominação entre os homens, haja vista que toda forma política produz distinção entre minorias dirigentes e maioria dirigida (HOLLANDA, 2001, p. 10).
Nesse sentido, a oratória popular, destituída de vínculos com a realidade social, serviria apenas à legitimação do poder de minorias que mobilizavam um discurso universalista com vistas a garantir seu próprio benefício (HOLLANDA, 2001, p. 10).
Diante disso, é possível afirmar que mesmo o Socialismo produziria grupos contrários, expostos na definição da elite condutora e dos grupos condicionados por suas decisões. Assim sendo, a subordinação da maior parte pela menor situa-se no seio dos regimes políticos, animado pela ficção igualitária, com a falsa inclusão dos povos no corpo do Estado. Volta-se aqui a crítica platônica à pólis, onde a desigualdade é condição necessária de toda sociedade, e a ideia de igualdade é inadequada para compreender os termos reais de funcionamento da política (HOLLANDA, 2001, p. 11).
Dessa maneira, tanto a mudança revolucionária como a permanência das estruturas dependem das habilidades do grupo dominante, seja pelo princípio da força ou da legitimidade do voto. E mesmo os membros das classes dominadas, ao fazerem parte do grupo dirigente, defenderão os princípios ideológicos da minoria elitizada da qual pertencem, mantendo-se, pois, um antagonismo perpétuo.
Diferentemente destas concepções, que tratam as elites como obstáculo para a realidade democrática, a obra do economista austríaco Joseph Schumpeter, esboçada por Cristina Buarque de Hollanda, supera esta visão, ao entender que os grupos dirigentes condicionam o entendimento usual do termo democracia. Isto é, as elites políticas, com diferentes estratégias, produzem um cenário a seu favor, criando uma suposta ficção que identifica os representantes diretamente vinculados ao povo. Significa que, ao invés de analisar as elites como produto falseador da realidade democrática, Schumpeter as vê como condição primordial para sua manutenção.
Nesse sentido, como não há consenso sobre o bem comum, diferentes grupos, indistintamente, produzirão entendimentos conflitantes. Nega-se, portanto, a suposição de que os homens possam representar acordos sobre um ideal político que inclua a todos. Logo, o princípio igualitário torna-se inacreditável. Nas palavras da autora, nesse paradigma, toda ação política resulta de estratégias de maximização do voto, e a competência política é definida pela maior ou menor capacidade de atender às expectativas dos eleitores e capturar adeptos, uma vez que, segundo Schumpeter, as elites induzem (e não expressam) as escolhas do povo (HOLLANDA, 2001, p. 40).
Na obra do americano Robert Dahl, no entanto, não se apresenta a condenação da democracia clássica. Assim, os termos da democracia possível não implicam ruptura com o ideal democrático original. Dessa forma, o entendimento usual a respeito desse regime de governo institui o possível no lugar do desejável. Entende-se, portanto, que a democracia foi ressignificada como competição entre elites.
Ao tratar da formação elitista na República brasileira, Cristina Buarque de Hollanda expõe um modelo muito próximo de análises políticas recentes. Embora as ideias autoritárias de Oliveira Vianna tenham servido, sobretudo, à política do Estado Novo (1937-1945), apresentam-se, sob vários aspectos, atuais.
Nesse cenário, os brasileiros seriam incapazes de participar da política de maneira efetiva (pelo voto), e tenderiam à desordem, ao motim, por sua inadaptação à República. Sendo assim, apenas a formação de elites ajustadas às necessidades específicas do país faria do governo uma entidade viva, atuante, orgânica, circulada da seiva das necessidades coletivas (HOLLANDA, 2001, p. 46).
O pensamento elitista no início da República, contudo, não se limitou apenas à visão autoritária. Assis Brasil, político de tendências liberais, observou no exercício representativo da política um instrumento necessário à democracia. De acordo com Cristina Buarque de Hollanda, para Assis Brasil, cada povo deve ser governado ou dirigido por uma minoria inteligente. Para isso, não nega a escolha dos representantes pela maioria. Portanto, diferentemente de Oliveira Vianna, para Assis Brasil, o princípio elitista não retira as bases da legitimidade política (o voto), mas exclui apenas o povo do debate direto sobre as agendas públicas.
Ao final da obra de Cristina Buarque de Hollanda, podemos compreender as diversas vertentes em relação ao pensamento elitista moderno, contemporâneo e brasileiro pós-república. Obviamente que a autora apresentou apenas alguns teóricos escolhidos pela contribuição no campo de estudos sobre a temática. Contudo, percorreu um caminho seguro, tratando do tema com profundidade e, ao mesmo tempo, com uma linguagem agradável, inclusive com dicas de leitura sobre o assunto e textos avulsos de alguns dos teóricos analisados. Certamente este livro contribui para quem pretende compreender as diferentes teorias que fundamentam a concepção elitista, bem como sua função social, fugindo, por fim, de possíveis estereótipos partidários e classistas, comuns em análises deste tema (HOLLANDA, 2001, p. 50).
A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO
Em sua obra, Lassalle busca definir o que é uma Constituição e como encontrar sua essência. Para responder a tal intento, o autor discorreu sobre a Constituição como uma lei fundamental.
A primeira indagação feita por Lassalle, ao iniciar sua exposição, foi: "O que é uma Constituição? Onde encontrar a verdadeira essência, o verdadeiro conceito de uma Constituição?". Ele discorreu sobre a Constituição como uma lei fundamental que deveria apresentar as seguintes características:
- Ser uma lei básica, porém mais sagrada e firme do que as leis comuns;
- Constituir o verdadeiro fundamento das outras leis, devendo atuar e irradiar-se através das leis comuns dela originadas;
- Existir porque necessariamente deve existir, e ter força de eficácia para que seu conteúdo seja assim (LASSALLE, 2001, p. 5-10).
Em sua concepção, entende-se que a Constituição é uma lei mais estável e imóvel que uma lei ordinária, e que proporciona as diretrizes para o funcionamento desta, sendo a principal lei de uma nação. A norma legal vigora e é respeitada devido ao fato de haver uma coação geradora da noção de obrigatoriedade. Esta coação é oriunda dos fatores reais de poder, existentes em cada sociedade (LASSALLE, 2001, p. 10).
Em seu entender, as constituições são feitas “em” e “para” certa sociedade. Sociedade esta que já existe e que conta com determinado número de indivíduos; que é dotada de certa organização econômica e política, de distribuição de riqueza e poder. Dessa forma, a Constituição revela o contexto em que ela é inserida, o que significa dizer que ela ratifica uma situação de distribuição de riqueza e de poder que já existe.
E indaga, ademais, se o legislador estaria completamente livre para elaborar a Constituição de acordo com o seu modo de pensar, caso um incêndio destruísse todos os arquivos, depósitos e bibliotecas públicas, e todos os originais e cópias impressas de todas as leis de um país?
Para Lassalle, a resposta negativa se impõe, pois existem fatores reais de poder que influenciam de forma decisiva a implementação de uma Constituição. Isso significa que as relações de força não se alterariam ainda que o legislador elaborasse uma Constituição que dispusesse de forma diversa.
A essência de uma Constituição consiste, portanto, na soma entre os fatores reais do poder e o que vai ser escrito. “Colhem-se estes fatores reais de poder, registram-se em uma folha de papel, (...) e, a partir desse momento, incorporados a um papel, já não são simples fatores reais do poder, mas que se erigiram em direito, em instituições jurídicas, e quem atentar contra eles atentará contra a lei e será castigado” (LASSALLE, 2001, p. 17-18).
Em seu entender, todos os países possuem ou possuíram sempre e em todos os momentos da sua história uma "Constituição real e verdadeira", que foi resultado dos fatores reais do poder que regiam em cada país. A Constituição escrita é somente um produto da luta das forças econômicas resultante da estrutura do Estado (LASSALLE, 2001, p. 27).
Os fatores reais de poder, todavia, não aparecem de forma explícita na Constituição. A Lei Maior é redigida de forma a aparentar que beneficiará igualmente a todos os indivíduos, porém os interesses das classes mais favorecidas indiretamente são defendidos por órgãos como o exército e o Senado. Logo, o que se escreve em uma folha de papel não terá nenhum valor se o seu conteúdo não se justificar pelos fatos reais e efetivos do poder (LASSALLE, 2001, p. 30-33).
Pois uma Constituição escrita somente será boa e duradoura quando corresponder à Constituição real e tiver suas raízes nos fatores reais e efetivos do poder que regem o país. Onde a Constituição escrita não se submeter a essas condições, irrompe inevitavelmente um conflito, onde, mais dia menos dia, a Constituição escrita, a “folha de papel”, sucumbirá necessariamente, perante as forças vigentes no país. Em outras palavras, a Constituição formal seria revogada pela Constituição real, pois, “de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder" (LASSALLE, 2001, p. 68).
A tese defendida por Lassalle afirma que os fatos têm mais peso que as normas. Para ele, as normas se apoiam nos fatos, enunciando-os como eles já são, e, por conseguinte, adquirem força de realidade. Quando as normas ignoram os fatos, estabelecendo uma situação ideal que ainda não existe, tornam-se um documento ineficaz, apenas uma "folha de papel", sem qualquer poder normativo. Acreditar que a Constituição pode mudar a realidade é um equívoco.
Desse modo, conclui-se que, de acordo com o autor, podem existir em um país dois tipos de Constituição: a real e efetiva, formada pela soma dos fatores reais que regem a sociedade, e a escrita, que ele chama de “folha de papel”.
Lassalle com isso procura demonstrar que o poder de intervenção e transformação sobre uma sociedade não pode, de nenhuma maneira, ser conferido à Constituição, pois para ele “os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar” (LASSALLE, 2001, p. 40).
Uma Constituição representa apenas uma norma, e normas não mudam fatos. Apenas fatos mudam fatos. A Constituição seria um documento impotente diante da realidade: ou a retrata como ela é, ou se torna mera "folha de papel".
Neste sentido, a Constituição formal seria determinada pela Constituição real, resultante dos fatores reais do poder que imperaram na sociedade, em uma determinada época. Para Lassalle, portanto, as Constituições escritas não seriam dotadas de valor, nem seriam eficazes, se não expressassem fielmente os fatores reais do poder, determinantes da realidade social (p. 42).
DIREITO E UTOPIA
Direito e Utopia trata-se de celebrada obra do Professor João Baptista Herkenhoff, onde ele aborda o Direito numa ótica emancipadora, relacionando-o em certo aspecto com a Teologia da Libertação.
Inicialmente, em seu livro, o autor diferencia utopia do mito. O mito busca esconder a verdade dos homens, alienando e iludindo, enquanto a utopia é algo que ainda não existe, mas que poderá realizar-se pela luta do homem (HERKENHOFF, 2004, p. 13).
Herkenhoff entende que a utopia foi essencial para o desenvolvimento dos povos, pois serviu como meio de libertação das sociedades oprimidas por ditaduras. Foi a utopia que influenciou a insurreição da maioria em prol do bem de todos, o que transformou a realidade social de muitas comunidades. A função da utopia é favorecer a crítica da realidade para o bem comum.
O pensamento utópico tem grande importância no Direito, pois é a utopia que fornece instrumentos para ver e construir, pela luta, um Direito mais justo e igualitário. Mesmo rotulando esse Direito como utópico, o autor afirma que ele pode se tornar realidade, pois a utopia é um instrumento de ação que realiza mudanças verdadeiras em nossa realidade em função das necessidades da maioria oprimida. Ele explica esse pensamento através da seguinte frase: “O presente é dos pragmáticos. O futuro é dos utopistas”.
3. Análise Sociológica do Fenômeno Jurídico e Reencontro do Direito com o Povo
3.1. O Fenômeno Jurídico
O fenômeno jurídico difere dos outros tipos de fenômenos por um aspecto: o caráter coercitivo das normas que o regem. Não é só o fenômeno jurídico que possui regras; existem regras também na religião e na moral, porém ambas sem caráter coercitivo.
Em suma, segundo o autor, o fenômeno jurídico é aquele que ocorre no mundo das relações entre os homens, disciplinando comportamentos sancionados por uma norma. A Sociologia estuda o fenômeno jurídico, pois é um fato social, e o Direito é considerado o instrumento de maior eficácia para o controle social.
O autor enumerou algumas perspectivas sob as quais os fenômenos jurídicos são estudados:
- Mediante a captação da realidade jurídica por meio de sua relação com as causas primeiras e os princípios fundamentais, no estudo da própria natureza do Direito e da sua significação essencial, buscando saber se o Direito está realmente cumprindo o seu papel na sociedade.
- Em termos adequados à atividade profissional dos juristas, como um conjunto sistemático de normas de conduta de natureza dogmática, obedecendo a uma lógica interna;
- Como fato social, realidade do que ocorre na sociedade, causa e consequência de outros fatos sociais, captando a realidade jurídica e projetando-a somente em relação a causas e princípios verificáveis.
O autor afirma que, atualmente, o Direito é visto somente por uma visão dogmático-normativa e que os juristas supervalorizam a interpretação literal das normas. Ele alega ser contra esse tipo de comportamento, pois acredita que a Ciência do Direito deve acolher a visão sociológica do jurista como legítima, em função de a interpretação sociológica dar uma abertura mental aos juristas para estabelecer o reencontro do Direito com o povo — um Direito justo para o povo — e nunca um Direito que seja considerado órgão de repressão aos oprimidos.
O autor expõe algumas definições jurídicas de lei e mostra o quanto divergente pode ser um conceito dependendo do autor. Ele cita a definição de São Tomás de Aquino, que, mesmo não sendo um jurista, conceituou lei com uma visão substancialmente jurídica. Ele definiu lei como a ordenação racional que tem o bem comum como finalidade, gerada pela autoridade social.
A definição de normas jurídicas segundo Kelsen é a de que as leis são um tipo de “comando” que, além de ordenar, permite e atribui poder e competência aos que estão sujeitos a ela.
Nesse tópico, ele explicita a visão sociológica sobre a lei. O autor cita a definição sociológica de Mirando Rosa: Lei é “o instrumento institucionalizado de maior importância para o controle social” (HERKENHOFF, 2004, p. 30).
O autor também cita Recaséns Siches, que afirma o seguinte: “O Direito [...] é um conjunto de fenômenos que se dão na realidade da vida social. O Direito, em sua produção [...] e desenvolvimento aparece como um conjunto de fatos sociais” (HERKENHOFF, 2004, p. 31).
O autor analisa os pontos de vista jurídico e sociológico sobre o Direito e conclui que os juristas tratam a norma jurídica em si como um fato dogmático-normativo, em um sistema de coerência e lógica. Enquanto os sociólogos tratam o fenômeno jurídico como um fato social e reduzem a norma jurídica a uma norma puramente cultural.
O autor concorda com a existência de três níveis de Direito no Brasil, segundo Robert W. Shiley (HERKENHOFF, 2004, p. 32):
- O Direito consuetudinário, popular ou folclórico;
- O Direito dos donos de terra (Direito dos coronéis);
- O Direito formal ou urbano (HERKENHOFF, 2004, p. 32).
Além desses Direitos, identifica-se, por meio de uma pesquisa no Rio de Janeiro, a presença de um Direito da favela (HERKENHOFF, 2004, p. 32).
Quando Herkenhoff cita esses exemplos, ele quer nos alertar para o fato de que “a lei nacional não possui correspondência com a realidade” (HERKENHOFF, 2004, p. 32). Ou seja, o Direito não é uniforme em todas as partes do país; ele se “segmenta” porque, em cada região, há uma forma de se aplicar a lei. Por exemplo, na maioria das cidades do interior, muitas leis não possuem o mínimo de eficácia ou fiscalização por questões de cultura ou de desleixo da parte dos órgãos responsáveis.
Nesse tópico, o autor mostra, através de sua experiência como juiz no interior do Espírito Santo, que “o Direito formal, elaborado nos centros de decisão nacional, sofre uma metamorfose quando levado à sua aplicação efetiva, pelos juízes, no interior” (HERKENHOFF, p. 34). Ele chega à conclusão que os juízes do interior necessitam ter consciência de seu poder e dever de adaptar o Direito nacional e demais valores culturais à realidade da vida interiorana.
O autor explicita o seu ponto de vista em relação ao modo como as normas jurídicas são aplicadas no país, afirmando que “as maiores violências à dignidade humana foram ou continuam sendo praticadas à sombra da lei” (HERKENHOFF, p. 35).
E diz que a lei, em si, pode ser instrumento de liberdade ou de opressão. E, por fim, afirma que o Poder e a lei só serão legítimos quando proporcionarem a convergência entre os valores da norma e os valores inerentes à sociedade.
Herkenhoff enumerou três níveis em que se manifesta a violência:
- A violência institucionalizada, decorrente da estrutura socioeconômica vigente;
- A violência privada, de indivíduos ou grupos, que se manifesta através de comportamentos definidos como criminosos, pelo sistema legal;
- A violência oficial, representada pela repressão policial e por aquela exercida pelo aparelho judiciário e prisional.
Afirma-se que “a violência institucionalizada provoca a maioria dos comportamentos individuais violentos” (HERKENHOFF, p. 40).
“A violência institucionalizada é o conjunto das condições sociais que esmagam parcela ponderável da população, impossibilitando que os integrantes dessa parcela tenham uma vida humana” (HERKENHOFF, p. 41). Essa violência não é gerada ao acaso; ela é resultado de “uma estrutura mantida à força, que privilegia poucos, em detrimento de muitos” (HERKENHOFF, 2004, p. 42).
A violência privada é gerada entre particulares por meio de comportamentos definidos como criminosos, de modo que se discute a inversão dos valores, por exemplo, onde a pena para o latrocínio é mais severa do que o estupro seguido de morte. Além disso, salienta que há duas espécies de violência social: a contra a lei e a à sombra da lei. A violência contra a lei são as prisões arbitrárias feitas pela polícia, sendo feita também pelo Judiciário, caso em que é mais grave (HERKENHOFF, 2004, p. 42-43).
A violência à sombra da lei é o que o autor concebe como a manutenção de um sistema de controle de iniciativas sociais e políticas, sobretudo a partir dos mecanismos de comunicação, como forma de excluir a população da justa distribuição da renda social, a exemplo de despejos de famílias miseráveis e a usura praticada pelo comércio de vendas de crédito (HERKENHOFF, 2004, p. 44).
A lei é a norma vigente, justa ou injusta. A lei que temos sanciona a violência institucionalizada, pois fornece meios jurídicos para a perpetuação das injustiças sociais e sanciona a violência privada, porque pune sobretudo os pobres. E, por fim, sanciona a violência oficial, pois mantém as aparências de legitimidade de um mecanismo de repressão das classes oprimidas (HERKENHOFF, 2004, p. 45).
O Direito, em sendo um instrumento de justiça, serve de meio para a libertação do povo oprimido. A libertação apenas ocorrerá quando os oprimidos conquistarem o poder, pois a violência é resultado da exploração da classe trabalhadora (HERKENHOFF, 2004, p. 45).
O autor também refere a proposta de Direito da Libertação, relacionando-a com a mesma vertente da teologia (Teologia da Libertação), pois o cristianismo foi destinado a ter um papel libertador através da luta e da revolução, conforme Cristo ensinou, de modo que se criou a concepção de Direito voltada à defesa dos oprimidos (HERKENHOFF, 2004, p. 47).
Por vertente prática e profissional, designa-se o esforço de centenas de advogados e militantes de movimentos populares que vêm procurando colocar o Direito a serviço dos oprimidos, sobretudo pela disposição legal de que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Sendo, no entender do autor, uma regra hermenêutica geral (HERKENHOFF, p. 50).
Duas são as possíveis interpretações para esse postulado:
- O bem comum a que a lei se destina é aquele que a norma está orientada a satisfazer.
- O juiz deve atender às exigências últimas e gerais do bem comum, afastando a incidência da lei ao caso concreto quando dessa incidência resulte obstrução àquele propósito (HERKENHOFF, 2004, p. 61).
O Poder Judiciário precisa ser modificado estruturalmente, sobretudo quanto ao modo de promoção de juízes aos tribunais, à prática injustificável de nepotismo e, principalmente, em relação à renovação de votos com a população, estabelecendo-se como um serviço ao povo. Ademais, o autor pontua como sendo impossível a neutralidade política e ideológica dos juízes, pois vive-se em uma sociedade marcada por divergências (sociais, econômicas e étnicas) (HERKENHOFF, 2004, p. 60).
3. CONCLUSÃO
Conclui-se, ante o exposto, que a Teoria das Elites sustenta que nem todos podem ser tratados como iguais ou supor que todos são iguais perante a lei, pois, de fato, as pessoas são desiguais. Sempre haverá um grupo a quem caberá comandar a maioria, de modo que a legislação buscará defender as elites e reprimir o povo. A elite se mantém no poder através de um círculo vicioso, onde o povo sempre elege os candidatos indicados pelos “donos do poder”.
Entende-se da leitura da Essência da Constituição que a Constituição é o resultado dos fatores reais de poder, sendo produto da história, tornando-se, a partir daí, uma Constituição Formal. A Constituição Formal deve ser um retrato da Constituição Real, pois as normas não mudam fatos. Desse modo, as Constituições escritas não seriam eficazes se não expressassem os fatores reais de poder.
Direito e Utopia expõe que todos os estudiosos do Direito devem buscar uma nova concepção jurídica, reconhecendo que, apesar das grandes conquistas, os direitos são desigualmente distribuídos conforme culturas regionais e diversidades de costumes. Devem-se buscar novas institucionalidades, de modo a libertar as pessoas menos favorecidas que são oprimidas por normas do Direito Positivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
- HOLLANDA, Cristina Buarque de. Teoria das Elites. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
- LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.