Epilepsias Neonatais e Infantis: Tipos e Diagnóstico
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Epilepsias Neonatais
1. Crises Neonatais Familiares Benignas
Etiologia
- Genética: Mutações nos genes dos canais de potássio (KCNQ2 no cromossoma 20q, KCNQ3 no cromossoma 8).
- História Familiar: Padrão autossómico dominante (mais comum) ou recessivo.
- Exclusão: Necessário excluir anóxia, distúrbios metabólicos e doenças infeciosas.
Crises
- Início: Geralmente entre o 2º e o 15º dia de vida.
- Características: Na primeira semana, crises repetitivas breves (1-3 minutos) que desaparecem na semana seguinte.
- Tipos mais frequentes (Generalizadas):
- Componente Tónica: Acompanhada de taquicardia e pequenas apneias; pode haver assimetria (predomínio direito/esquerdo), variável entre crises.
- Componente Clónica: Focal ou generalizada; uni ou bilateral; simétrica ou assimétrica; pode iniciar-se com vocalizações ou movimentos mastigatórios.
- Outros Tipos: Crises parciais também podem ocorrer.
- Não Ocorrem: Crises mioclónicas, espasmos ou crises tónico-clónicas generalizadas (CTCG).
Exame Neurológico
Normal.
Diagnóstico (EEG)
- EEG Interictal (entre crises): Geralmente normal; pode apresentar padrão descontínuo com atividade paroxística focal/multifocal ou padrão teta alternante.
- EEG Ictal (durante a crise):
- Atenuação generalizada da atividade de base.
- Pontas ou ondas lentas generalizadas/focais (duração igual à manifestação clínica).
- Pode ocorrer supressão da atividade pós-crise.
Tratamento
- Frequentemente não é necessário.
- Se necessário: Valproato (VPA) ou Fenobarbital (PB).
2. Crises Neonatais Não Familiares Benignas (Crises do 5º Dia)
Etiologia
Mais frequente no sexo feminino. Etiologia exata desconhecida.
Crises
- Início: Entre o 3º e o 7º dia de vida (pico no 5º dia).
- Tipos: Crises clónicas ou apneias.
- Características: Frequentemente lateralizadas (iniciando num membro e passando para o contralateral); duração de 1-3 minutos; frequência repetitiva, podendo levar a Status Epilepticus; raramente generalizadas.
- Não Ocorrem: Crises tónicas.
Exame Neurológico
Normal ao início; os recém-nascidos podem tornar-se sonolentos e hipotónicos (devido à medicação); posteriormente normal.
Diagnóstico (EEG)
- EEG Interictal: Normal; pode ser descontínuo; atividade paroxística focal/multifocal; padrão teta alternante (este padrão pode estar presente em casos de status epilepticus de diferentes etiologias como hipocalcemia, meningite neonatal, hemorragia subaracnoideia - geralmente com prognóstico neurológico favorável).
- EEG Ictal: Predominam pontas ou ondas lentas rítmicas; qualquer localização (mais frequente na região rolândica); unilaterais. Foram registadas crises clínicas sem alterações no EEG.
- Diagnóstico Diferencial: Mioclonias benignas do sono.
Tratamento
Fenobarbital (PB), Fenitoína, Diazepam, Clonazepam. A maioria das crises cessa sem tratamento.
3. Crises Neonatais Sintomáticas
Etiologia
Associadas a eventos perinatais:
- Encefalopatia hipóxico-isquémica
- Distúrbios metabólicos (hipoglicemia, hipocalcemia, etc.)
- Hemorragia intracerebral
- Infeções do Sistema Nervoso Central (SNC)
- Acidente Vascular Cerebral (AVC) neonatal
- Erros inatos do metabolismo
Tipos de Crises Neonatais
As crises neonatais sintomáticas têm características próprias, diferentes das observadas em crianças mais velhas e adultos:
- Multifocalidade: Origem em múltiplos focos cerebrais.
- Assincronia: Atividade clónica pode ser dessincronizada entre os dois hemicorpos.
- Padrões de Migração: A atividade epiléptica pode migrar de uma região cerebral para outra.
- Ausência de CTCG Típicas: Crises tónico-clónicas generalizadas são raras.
I. Crise Focal Clónica
- Caracterização: Contrações rítmicas, repetitivas, de grupos musculares dos membros, face ou tronco; unifocais ou multifocais; podem ocorrer de forma síncrona ou assíncrona em grupos musculares de um hemicorpo.
- Supressão/Estimulação: Não é suprimida por restrição física.
- Patofisiologia: Epiléptica.
II. Crise Tónica Focal
- Caracterização: Postura sustentada de membros únicos; postura assimétrica sustentada do tronco; desvio ocular sustentado.
- Supressão/Estimulação: Não provocada por estimulação; não suprimida por restrição.
- Patofisiologia: Epiléptica (padrão ictal no EEG presente em alguns casos).
III. Crise Tónica Generalizada
- Caracterização: Postura simétrica e sustentada dos membros, tronco e pescoço; pode haver flexão, extensão ou flexão-extensão.
- Supressão/Estimulação: Pode ser provocada ou intensificada por estimulação; suprimida por restrição ou reposicionamento.
- Patofisiologia: Geralmente não epiléptica (padrão ictal no EEG raro). Frequentemente associada a lesão cerebral grave.
IV. Crise Mioclónica
- Caracterização: Contrações rápidas de grupos musculares dos membros, face e tronco; típicas ou não repetitivas, podendo ocorrer de forma minor; focais, generalizadas ou fragmentadas.
- Supressão/Estimulação: Podem ser provocadas por estimulação.
- Patofisiologia: Pode ser epiléptica (padrão ictal no EEG presente em ~80%) ou não epiléptica.
V. Espasmos
- Caracterização: Podem ser em flexão, extensão ou mistos; podem ocorrer em salva (agrupados).
- Supressão/Estimulação: Não provocados por estimulação; não suprimidos por restrição.
- Patofisiologia: Epilépticos.
VI. Crise Tónico-Clónica Generalizada (CTCG)
- Caracterização: Rara no período neonatal. Contração tónica seguida de poucos abalos clónicos. Observada principalmente nas crises neonatais familiares benignas.
- Patofisiologia: Epiléptica (padrão ictal no EEG presente na maioria).
VII. Crises Clónicas Faciais
- Caracterização: Abalos rítmicos, focais ou multifocais (nestes, sobretudo assíncronos).
- Supressão/Estimulação: Não suprimidas por restrição.
- Patofisiologia: Epiléptica (padrão ictal no EEG quase sempre presente).
VIII. Automatismos Motores* (Movimentos Oculares)
- Caracterização: Olhar errante (roving eyes), nistagmo (diferente do desvio tónico dos olhos).
- Supressão/Estimulação: Podem ser provocados ou intensificados por estimulação tátil.
- Patofisiologia: Geralmente não epiléptica.
IX. Automatismos Motores* (Movimentos Oro-bucais)
- Caracterização: Sucção, mastigação, protusão da língua.
- Supressão/Estimulação: Podem ser provocados ou intensificados por estimulação.
- Patofisiologia: Geralmente não epiléptica.
X. Automatismos Motores* (Movimentos de Progressão)
- Caracterização: Movimentos de nadar, remar, pedalar.
- Supressão/Estimulação: Podem ser provocados ou intensificados por estimulação; suprimidos por restrição ou reposicionamento.
- Patofisiologia: Geralmente não epiléptica.
XI. Automatismos Motores* (Movimentos Não Intencionais Complexos)
- Caracterização: Despertar súbito (arousal) com um aumento transiente da atividade dos membros.
- Supressão/Estimulação: Podem ser provocados ou intensificados por estimulação.
- Patofisiologia: Geralmente não epiléptica.
*Nota sobre Crises Subtis/Mínimas/Automatismos Motores: Incluem movimentos errantes dos olhos, pestanejo, sucção, mastigação, deglutição, movimentos da língua, movimentos de nadar/pedalar/"boxing". Frequentemente são suprimidos por restrição e precipitados por estimulação. O padrão ictal no EEG é raro, sugerindo que muitos destes fenómenos não são de natureza epiléptica, mas sim reflexos do tronco cerebral ou comportamentos automáticos libertados por disfunção cortical.
Diagnóstico (EEG Ictal)
O EEG durante a crise (ictal) em crises sintomáticas é caracterizado por:
- Região de Início (Foco): Mais frequente nas regiões central e temporal. Pode ser normal entre descargas, unifocal, ou multifocal (descargas assíncronas).
- Morfologia das Ondas: Variável (pontas, ondas agudas, ondas lentas, atividade rítmica).
- Migração: O padrão pode migrar de uma região para outra ou não.
Importante: Nem todas as crises clínicas neonatais têm uma correlação eletrográfica clara no EEG (crises eletroclínicas).
4. Síndrome de Ohtahara (Encefalopatia Epiléptica Infantil Precoce com Padrão Surto-Supressão)
Etiologia
- Causa Principal: Lesões cerebrais estruturais (especialmente malformações do desenvolvimento cortical).
- Outras Causas: Casos criptogénicos (causa desconhecida), distúrbios metabólicos (menos comum).
- História Familiar: Sem casos familiares descritos tipicamente.
Crises
Tríade Característica:
- Início muito precoce (geralmente nos primeiros 3 meses, pico entre o 10º dia e o 1º mês).
- Espasmos tónicos muito frequentes.
- Padrão de surto-supressão no EEG (em vigília e sono).
Tipos de Crises:
- Espasmos Tónicos: Mais frequentes; ocorrem em salva ou isolados; em vigília ou sono; duração >10 segundos; intervalo entre espasmos de 9-15 segundos.
- Crises Parciais: Focais motoras erráticas; hemiconvulsões.
- Crises Mioclónicas: Raras; mioclonias erráticas não são características.
Exame Neurológico
Alterações marcadas: tónus muscular anómalo, espasticidade (frequentemente assimétrica), atraso grave do desenvolvimento psicomotor.
Diagnóstico
- Neuroimagem (TC/RMN): Muito importante para identificar malformações cerebrais ou outras lesões estruturais.
- EEG Interictal: Padrão de surto-supressão característico. Surtos (duração 2-6 seg) de ondas lentas de grande amplitude (150-350 µV) associadas a pontas/polipontas, alternando com períodos de supressão da atividade elétrica (duração 3-5 seg). Não é possível clarificar estádios do sono e o sono REM é indetetável.
- EEG Ictal (durante espasmos tónicos, por vezes): Sincronização difusa; ondas lentas iniciais de elevada amplitude ou surtos de atividade rápida.
Tratamento
ACTH ou corticoides podem ser tentados, mas a epilepsia é geralmente farmacorresistente.
Prognóstico
Grave. Muitas crianças morrem durante a infância. A evolução para Síndrome de West (com hipsarritmia) ou Síndrome de Lennox-Gastaut é comum. Casos que evoluem para hipsarritmia têm pior prognóstico do que os que desenvolvem anomalias focais no EEG.
5. Encefalopatia Mioclónica Neonatal (ou Precoce)
Etiologia
- Incidência: Igual em ambos os sexos (H=M).
- História Clínica: Frequente história de alterações pré e perinatais. História familiar pode estar presente (sugere causa genética/metabólica).
- Causas Associadas: Distúrbios metabólicos (ex: hiperglicinemia não cetótica). Elevada proporção de casos criptogénicos. Anomalias estruturais são raras.
Crises
- Mioclonias Erráticas Parciais/Fragmentadas: Fenómeno ictal major. Podem ocorrer nas primeiras horas de vida, por vezes já no período pré-natal. Afetam face e membros, mas podem restringir-se a uma área pequena (ex: sobrancelhas, dedo). Frequentemente repetitivas ou quase contínuas, persistindo durante o sono. Associadas a hipotonia.
- Crises Parciais Motoras: Quase sempre constantes; tendem a aparecer pouco tempo depois das mioclonias erráticas.
- Espasmos Tónicos: Podem surgir aos 2-3 meses.
- Mioclonias Massivas: Apenas em alguns casos; podem ser eventos precoces ou alternar com mioclonias erráticas.
Exame Neurológico
Gravemente alterado.
Diagnóstico (EEG)
- EEG Interictal: Padrão de surto-supressão (semelhante à S. Ohtahara, mas surtos podem ser mais curtos: 1-5 seg; supressão mais longa: 3-10 seg). Sem diferença clara entre vigília e sono. Este padrão é substituído aos 3-5 meses por: a) Hipsarritmia (evolução para S. West) ou b) Atividade paroxística multifocal.
Tratamento
ACTH e corticoides são pouco eficazes. As crises parciais tendem a ser intratáveis. As mioclonias erráticas geralmente desaparecem em semanas ou meses.
Prognóstico
Grave. Desenvolvimento neurológico ausente ou rudimentar, com morte frequente no primeiro ano de vida.
Epilepsias da Infância
1. Epilepsia Mioclónica Benigna da Infância
Etiologia
- Incidência: Mais frequente no sexo masculino.
- Associações: Apenas 2% têm doença associada (ex: Diabetes Tipo I, Síndrome de Down).
- História Clínica: Ocorrência de convulsões febris (CF) não é incomum. Sem qualquer história patológica prévia ao início das crises mioclónicas.
Crises
- Início: Entre 4 meses e 3 anos de idade.
- Tipo Único de Crise: Crises mioclónicas (não apresenta outros tipos de crise).
- Características:
- Início: Breves, raras, afetando predominantemente membros superiores (++) e cabeça, menos os membros inferiores (--).
- Evolução: Mais tarde, a frequência aumenta.
- Duração: Breves (1-3 segundos).
- Desencadeantes: Espontâneas ou provocadas por ruídos ou estímulos sensoriais súbitos.
- Frequência: Ocorrem várias vezes ao dia, de forma irregular e imprevisível.
- Consciência: As que se repetem podem causar ligeira alteração da consciência.
Exame Neurológico
Desenvolvimento psicomotor normal.
Diagnóstico (EEG)
- EEG Interictal: Normal. Raramente, descargas espontâneas de ponta-onda (PO). Podem ocorrer ondas lentas nas regiões centrais.
- EEG Ictal (durante mioclonias): Descarga generalizada de ponta-onda rápida ou poliponta-onda (PPO) >3Hz, com duração igual à mioclonia, mais ou menos regular. Início na região anterior ou vértex. Após a mioclonia (seguida ou não de atonia), pode haver um período refratário (20-30 seg a 1-2 min). Sonolência agrava as mioclonias. Desaparecem no sono lento.
- Diagnóstico Diferencial:
- Espasmos Infantis Criptogénicos: Espasmos mais prolongados, em salvas mais frequentes. Surge antes do 1º ano de vida.
- Mioclonias Não Epilépticas Benignas da Infância: EEG ictal é normal.
Tratamento
Valproato (VPA).
Prognóstico
- Bom, depende do diagnóstico precoce e tratamento.
- A maioria das crises dura menos de 1 ano.
- Crises desencadeadas por estímulos são de mais fácil controlo.
- Fotossensibilidade, se presente, é de difícil controlo e pode persistir vários anos após o controlo das crises mioclónicas.