Epistemologia: Descartes, Hume e a Construção do Conhecimento

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A Natureza do Conhecimento: Racionalismo e Empirismo

O conhecimento pode ser descoberto pelo pensar, adquirido quando ouvimos outros pontos de vista, inventado quando imaginamos e vivenciado quando experimentamos. De onde temos capacidade para conhecer? Esta foi mais uma das dúvidas que dividiu Descartes e Hume, que tomaram posições diferentes: o racionalismo e o empirismo, respetivamente.

Descartes: O Racionalismo e as Ideias

Descartes (racionalista: a razão como fonte do conhecimento) acredita que a razão é a verdadeira fonte do conhecimento universal, pois é ela que nos fornece as ideias e os princípios através dos quais conhecemos.

Ele distingue vários tipos de ideias: as inatas, as adventícias e as factícias. As ideias adventícias são as que nos chegam pelas experiências sensoriais. Já as factícias são as que provêm da combinação das imagens dadas pelos sentidos e retidas na nossa memória, cuja combinação torna possível imaginar algo a que nunca tivemos acesso. No entanto, este tipo de ideias não pode responder, por exemplo, à questão da ideia de Deus, pois se o Homem é um ser finito e imperfeito, como poderia ter a ideia de um ser infinito e absolutamente bom e perfeito? Para responder a essa questão, Descartes distingue outro tipo de ideias: as ideias inatas. Essas ideias são a marca do Criador e estão em nós desde que nascemos.

O Método Cartesiano para o Conhecimento

Verificamos então que o seu método para chegar ao conhecimento engloba quatro partes distintas:

  1. Não aceitar nada que não seja evidente e indubitável;
  2. Dividir um problema em quantas partes forem necessárias, a fim de as analisar individualmente;
  3. Conduzir o pensamento por ordem, partindo dos objetos mais simples para os mais complexos, como se de um puzzle se tratasse;
  4. Verificar minuciosamente as conclusões de modo a nada escapar.

Fases da Filosofia Cartesiana

Descartes é considerado o fundador do racionalismo moderno. As fases da sua filosofia podem ser resumidas da seguinte maneira:

  • Objetivo: Atingir verdades indiscutíveis, deduzidas logicamente, a partir de uma evidência irrefutável.
  • Dúvida Metódica: Para atingir um conhecimento absoluto, é necessário eliminar tudo o que seja suscetível de dúvida. Nesse sentido, começa por suspender todos os conhecimentos suscetíveis de serem postos em causa. Descobre que todos os dados dos sentidos o podem enganar.
  • Primeira Evidência: Ao pôr tudo em dúvida, e enquanto o faz, descobre que a única coisa que resiste à própria dúvida é a razão. Esta seria a primeira verdade absoluta da filosofia: "Eu penso, logo existo" (cogito).
  • Ideias Inatas: Descobre ainda que possuímos ideias, como a ideia de perfeição, que se impõem à razão como verdadeiras, mas que não derivam da experiência, nem foram por nós criadas. Atribui a sua criação a Deus (prova da existência de Deus).
  • Deus, Garantia da Verdade: Sendo a bondade um dos atributos de Deus, certamente que Ele não nos engana, logo as ideias inatas são verdadeiras. Deus é assim a garantia da possibilidade do acesso à verdade.

Hume: O Empirismo e a Origem das Ideias

Hume (empirista: todo o conhecimento provém da experiência "a posteriori") pensa que os conteúdos da mente são as impressões e as ideias. A diferença entre umas e outras é que as impressões são mais vívidas que as ideias quando surgem na consciência. Hume diz que as ideias são pálidas imagens das impressões no pensamento. Isto compreende-se tendo em conta a sua afirmação central de que as ideias derivam e, por isso, dependem das impressões. Para defender esta afirmação central, Hume recorre ao exemplo da criança que tem a ideia de escarlate ou laranja, amargo ou doce, porque lhe foram apresentados objetos que produziram nela as impressões correspondentes.

As impressões são o resultado da experiência, que consiste na perceção. Através da perceção vemos, ouvimos, cheiramos, etc., algo de que temos consciência e que é imediatamente presente à mente pelos sentidos.

Conceitos Fundamentais em Epistemologia

Epistemologia

Teoria ou área filosófica que se volta para o problema do conhecimento científico.

Conhecimento Vulgar / Senso Comum

  • Espontâneo;
  • Assistematicamente construído a partir da transmissão social, das informações sensoriais e da experiência;
  • Permite-nos resolver os problemas do nosso quotidiano;
  • Não nos dá uma explicação, pois não ultrapassa aquilo que é visível;
  • Dá-nos, por vezes, informações erradas, pois não vai até ao fundo da questão;
  • Ametódico: não segue determinadas regras/métodos;
  • Assistemático: não é organizado;
  • Acrítico: muitas vezes é entendido como dogmático (como verdade incontestável);
  • Subjetivo: não é rigoroso nem preciso e depende de cada pessoa e da sua opinião;
  • Apesar de inferior à ciência, não deve ser menosprezado.

Conhecimento Científico / Ciência

  • Sistematizado e metódico (organizado e respeita determinados métodos/regras);
  • Utiliza a experiência, mas também raciocínios, provas e demonstrações que permitem atingir conclusões gerais/universais;
  • Pretende formular leis e teorias explicativas;
  • Explicação precisa e rigorosa;
  • Fenómenos suscetíveis de verificação;
  • Objetivo: trata apenas da questão em si, sem misturar ideias ou sentimentos pessoais; o cientista tem de ser imparcial.

Perspetivas sobre a Relação entre Senso Comum e Ciência

Popper: Tese Continuísta (Prolongamento)

  • Defende a continuidade entre senso comum e ciência;
  • Apesar das diferenças entre eles, têm um grau de parentesco;
  • A ciência é o prolongamento do senso comum;
  • É um acréscimo e um aperfeiçoamento;
  • As suas diferenças são apenas de grau (a ciência é mais desenvolvida);
  • Defende que o senso comum é o ponto de partida para todo o conhecimento do real;
  • O senso comum tem um caráter inseguro;
  • O grande instrumento para progredir (avançar de senso comum para conhecimento científico) é a crítica.
  • Toda a ciência e filosofia são senso comum esclarecido (é tudo sujeito a crítica).

Bachelard: Tese Descontinuísta (Ruptura)

  • É necessária uma rutura epistemológica, ou seja, um corte entre o senso comum e a ciência;
  • As opiniões a que os cientistas aderem são o principal obstáculo (o senso comum) que impedem a chegada a um conhecimento objetivo;
  • O conhecimento científico constrói-se em luta contra os obstáculos;
  • A opinião traduz necessidades em conhecimentos, ou seja, impede que se veja aquilo que realmente é.

Metodologia Científica

Hipótese

  • Suposta explicação para o fato cuja aceitação depende do resultado da experiência;
  • Teoria que mostra uma possível relação entre os fatos observados e a causa da sua ocorrência;
  • Orienta o cientista nas suas experiências;
  • Uma boa hipótese tem de ser racional, verificável e suficiente (resposta razoável, que reúna condições para ser testada e que explique a totalidade dos fatos);
  • Caráter provisório;
  • Se for verificada a sua falsidade, continua a ser útil para o cientista, pois delimita-lhe o campo das hipóteses;
  • A comprovação dessas hipóteses é que vai transformá-las em conclusões, até que surjam fatos que as ponham em causa;
  • Se a hipótese resistir a essa comprovação, passa a ser aceite como lei/teoria;
  • O objetivo das experiências consiste na verificação das hipóteses a fim de que possam ser proclamadas como leis/teorias verdadeiras a vigorar como explicações de fenómenos.

Modelos Metodológicos na Construção da Ciência

Dois grandes modelos metodológicos explicam como se constrói a ciência:

  • Indutivo (Particular → Geral): Verificacionismo → Hipótese passa a teoria verdadeira.
  • Hipotético-Dedutivo: Falsificacionismo → Hipótese passa a teoria corroborada.
Modelo Indutivo
  1. Observação: Constatação da existência de um determinado fenómeno;
  2. Hipótese: Explicação provisória resultante da organização dos dados observados;
  3. Experimentação: Experiência metódica e organizada no sentido de confirmar a hipótese;
  4. Lei/Teoria: Regra geral e universal em virtude de a experimentação ter confirmado a hipótese.
Modelo Hipotético-Dedutivo (Popper)
  • As conclusões inferidas por indução são probabilidades e não consequências obrigatórias;
  • Uma conclusão inferida indutivamente pode ser refutada pela observação de um dado que contrarie a conclusão;
  • As teorias científicas são conjecturas (não são explicações definitivas, mas tentativas de explicação) – têm mais possibilidade de se manterem quanto maior for o número de casos de falsificabilidade;
  • Não é possível confirmar a veracidade de uma teoria, só é possível falsificá-la;
  • Não se podem verificar as hipóteses: estas podem apenas ser corroboradas ou falsificadas;
  • Uma teoria corroborada é aceite provisoriamente pela comunidade científica (não é definitivamente confirmada, apesar de resistir face às tentativas de invalidação);
  • Procura refutar as teorias (eliminar o erro como via de clarificação de novos conhecimentos).
Falsificacionismo
  • A verdade do que é particular não implica a verdade do que é universal. Logo, nunca se pode comprovar que as hipóteses são verdadeiras;
  • As experiências devem ser feitas com o objetivo de invalidar as hipóteses, e não de as tornar verdadeiras;
  • Em laboratório só se pode obter a certeza de hipóteses falsas;
  • As conjecturas mantêm-se em vigor enquanto não forem destruídas pela ocorrência de casos particulares que as contradigam.

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