Epistemologia de Hume e Kant: Conhecimento e Causalidade

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Hume: Conhecimento, Causalidade e Ceticismo

Os conhecimentos matemáticos e lógicos baseiam-se em relações de ideias, no raciocínio dedutivo e na análise lógica. Os conhecimentos de facto baseiam-se no raciocínio indutivo e na relação causa-efeito.

Relações causais são ligações entre dois acontecimentos. Exemplo: Sempre que acontece A, sucede-se B, isto é, A é causa de B e este não acontece se antes não acontecer A, sendo assim B é o efeito. Exemplo: sempre que há um aumento da temperatura (A, causa), há certos corpos que dilatam (B, efeito).

Quando dizemos que, quando acontece A, de seguida acontece B, estamos a prever o futuro e, assim sendo, Hume deixa de considerar conhecimento, mas sim uma crença/dedução em que acreditamos, mas não podemos garantir, pois ultrapassa a base do conhecimento: a experiência. Não podemos ter conhecimento de coisas futuras, pois ainda não tivemos qualquer experiência ou impressão sensível com o que ainda não aconteceu. Como nos diz o princípio da cópia, um conhecimento factual é verdadeiro quando uma ideia corresponde a uma impressão sensível.

Como nasce a ideia de uma conexão ou ligação necessária entre causa e efeito? Pegando no exemplo anterior, quando ocorre um aumento da temperatura, deduzimos logo que haverá corpos a dilatar, devido ao hábito. Esta ligação que existe entre estes dois objetos não está neles, pois não tivemos experiências delas, mas está em nós, pois somos nós que sentimos. Com isto, estabelecemos uma relação em que dizemos que para B acontecer é necessário que antes A aconteça, sem nunca termos tido qualquer experiência. Esta necessidade é apenas psicológica.

A crença na ideia de causalidade deriva de fatores psicológicos, na vontade de tornar o mundo previsível e controlável.

O princípio da causalidade é considerado um princípio objetivo e racional, mas não passa de uma crença subjetiva, o desejo de algo, o resultado de um hábito.

A análise de Hume é considerada devastadora e cética, pois vem pôr em causa a própria objetividade dos conhecimentos científicos. Mesmo as crenças básicas na vida do ser humano, como "o Sol vai nascer amanhã", foram postas em causa quanto à sua objetividade. Hume diz que os únicos sítios onde há conexões necessárias são na lógica e na matemática.

Hume não pode ser considerado radical, pois acredita na ideia de regularidade constante de certos acontecimentos; sem eles, a vida seria angustiante e as nossas ações seriam bastante limitadas. Daí que o ceticismo de Hume é mitigado.

A maior parte das ciências naturais ou experimentais baseiam-se nas relações causais.

A Ideia de Causa e a Conexão Necessária

Atenção: Hume nunca negou a existência de relações causais no mundo, simplesmente defendeu que não podemos justificar uma crença racionalmente, isto é, nem a experiência nem a razão podem justificá-la.

A ideia de causa é a ideia de que há uma conexão necessária entre dois acontecimentos ou mais.

  • Não há qualquer impressão sensível da qual deriva a ideia de causa.
  • Contudo, observamos a sucessão temporal e a conjunção constante entre dois fenómenos e chamamos causa ao que precede e efeito ao que sucede.
  • Ao observar que algum evento A tem até agora sido sempre seguido do evento B, acreditamos que, na próxima vez que ocorrer A, sucederá B. Acreditamos que o futuro será igual ao passado.
  • Da observação desta constante conjunção, como formamos a ideia de causa? A ideia de causa não deriva da observação de algo nos fenómenos, mas do desenvolvimento de um costume ou de um hábito mental (desenvolvemos o hábito de esperar que B aconteça mal vemos A acontecer).

O Problema do Mundo Externo em Hume

Segundo Hume, a nossa mente conhece unicamente as suas próprias perceções, isto é, as impressões e ideias que derivam das impressões sensíveis. As impressões são estados internos, subjetivos, e não podem constituir prova de que algo tem uma existência contínua e independente fora de nós. É a aparente constância das coisas (as coisas que vemos hoje são mais ou menos iguais às que vimos ontem) que nos leva a acreditar que têm uma existência independente das nossas perceções. Esta crença não é, para Hume, justificável. Mas o facto de não se poder justificar racionalmente a existência de um mundo externo não significa, para Hume, negar que este exista. Não podemos conhecer a existência do mundo externo, mas podemos acreditar que este existe. Trata-se de uma crença que até pode ser verdadeira e que, não sendo racionalmente justificável, é, contudo, tão natural que, segundo Hume, devemos perguntar que razões nos levam a acreditar que o mundo externo existe e não propriamente se ele existe.

Conclusões de Hume sobre o Conhecimento

  1. O conhecimento é possível? O conhecimento entendido como relação de ideias é possível, como mostram as verdades lógicas e matemáticas. Contudo, o conhecimento de factos, baseado na ideia de causa, não tem justificação empírica ou racional. A ideia de causa unicamente corresponde a um sentimento interno (hábito).
  2. A razão dá-nos conhecimento acerca da realidade independentemente da experiência? Não. Todo o conhecimento do que existe e acontece no mundo deriva da experiência, embora esta não possa garantir objetividade aos nossos conhecimentos.
  3. Qual a extensão do nosso conhecimento? Até onde pode ir o nosso conhecimento? Podemos conhecer a realidade tal como é em si mesma? O nosso conhecimento não pode estender-se para lá do que é dado na experiência. Se a uma ideia não corresponde uma impressão sensível, não podemos falar de conhecimento objetivo. É o caso da ideia de causa que usamos nas ciências e no dia a dia. Julgamos que um fenómeno é a causa de outro, mas da relação causal ou conexão necessária entre dois acontecimentos não temos qualquer impressão sensível. Só desses acontecimentos temos perceção sensível, mas não da relação causal que supostamente os liga.
  4. Como é justificado o conhecimento? O conhecimento de facto seria, em princípio, justificado pela experiência, dadas as bases empiristas da filosofia de Hume. Contudo, ele é, em geral, um conjunto de expectativas que mais tarde ou mais cedo podem ser desmentidas, não podendo ser justificadas nem dedutiva nem indutivamente.

Resumo da Filosofia de Hume

  • Tese fundamental: Todo o nosso conhecimento de factos depende da experiência.
  • A relação entre impressões e ideias: Todas as nossas ideias derivam direta ou indiretamente de impressões sensíveis. São cópias enfraquecidas destas.
  • As condições da objetividade do conhecimento: Uma ideia só tem objetividade se for possível indicar a impressão de que é a cópia.
  • Os limites do conhecimento do objeto: Não podemos falar de conhecimento objetivo a não ser quando às ideias correspondem impressões sensíveis. Não podemos conhecer algo de que não temos impressão sensível. Logo, o nosso conhecimento do que acontece no mundo não pode basear-se em algo que não faça parte do mundo.
  • O conhecimento científico não é objetivo ou racionalmente justificável: Os conhecimentos de questões de facto — do que acontece no mundo — consistem em descobrir as causas de certos efeitos. Mas a ideia de causa — de conexão necessária entre fenómenos — não obedece ao princípio da cópia. Não temos nenhuma impressão sensível dessa conexão, mas unicamente da conjunção e sucessão temporal de acontecimentos.
  • A ideia de causa é racional e empiricamente injustificável: A ideia de causa é uma crença subjetiva que nos diz como funciona a nossa mente e não propriamente como funciona o mundo. Resulta de um hábito: estamos habituados a pensar que, como não há efeito sem causa, mal acontece A, daí resultará necessariamente B.
  • A ideia de causa é subjetivamente necessária (ceticismo mitigado): Acreditar que não há efeito sem causa é uma crença necessária para que a nossa vida não seja a inquietante e paralisante expectativa de que nada será como tem sido. Mas pouco mais é do que um desejo de segurança e de previsibilidade que julgamos corresponder ao modo como as coisas são.
  • Conclusão: Todo o conhecimento depende da experiência e a esta se limita, mas nenhuma verdade objetiva podemos alcançar acerca dos factos.

Kant: A Revolução Copernicana na Epistemologia

A epistemologia kantiana é uma reflexão sobre como é possível o conhecimento. Kant não duvida da possibilidade do conhecimento. Ciências como a física e a matemática provam que o conhecimento é um facto indiscutível.

Questões Fundamentais de Kant

Questões propostas por Kant para descobrir como é possível o conhecimento:

  1. Qual a origem e como começa o conhecimento?
  2. De onde deriva, ou seja, qual o fundamento da sua validade (o que o torna objetivo)?
  3. Quais as faculdades envolvidas no processo cognitivo (de conhecimento) e que papel desempenham?
  4. O que posso conhecer, ou seja, quais os limites do conhecimento?

Traços Gerais da Resposta Kantiana

  1. Todo o conhecimento começa com a experiência.
  2. O conhecimento científico não deriva da experiência (não tem seu fundamento nela), mas de certas formas a priori do sujeito que conhece.
  3. O conhecimento científico, embora não tenha o seu fundamento na experiência, começa com ela e por isso só pode ser conhecimento de realidades empíricas ou sensíveis.

Para haver conhecimento, é preciso que tenhamos contacto com as coisas, isto é, receber informações/dados delas provenientes. Como começa o conhecimento? Começa com a intuição empírica; é esta que nos dá aquilo que podemos conhecer. Intuir é receber dados empíricos, espacializando-os e temporalizando-os.

Tipos de Juízos Kantianos

  • Juízos analíticos: a priori, não trazem nada de novo, apenas desenvolvem o conceito original, porque o predicado já está contido no sujeito. Exemplo: "O círculo é redondo."
  • Juízos sintéticos: Trazem algo de novo. Exemplo: "8+6=14" é um juízo sintético, porque 14 não está implícito no 6 ou no 8. Estes podem ser a priori ou a posteriori.

Se eu disser que "azul é uma cor", estou a enunciar um juízo analítico, porque "cor" pertence a "azul", como pertence a "verde" ou "amarelo".

Em contrapartida, se eu disser "a capa do meu caderno é azul", estou a produzir um juízo sintético, porque a capa podia ter qualquer outra cor.

Os juízos resultantes da experiência são sintéticos e a posteriori.

Para a ciência, os juízos mais importantes são os juízos sintéticos a priori e, por isso, o grande problema que Kant coloca é: Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?

A Sensibilidade e as Formas a Priori

Para Kant, todo o conhecimento começa com a experiência: a intuição empírica dá-nos as impressões sensíveis, que são imediatamente enquadradas pelo espaço e pelo tempo. Espaço e tempo são assim as formas a priori da sensibilidade. Só é possível a intuição de realidades que possam ser enquadradas no espaço e no tempo. A sensibilidade desempenha um papel importante na constituição do conhecimento científico, sendo mesmo indispensável, mas não é suficiente.

O Entendimento e os Conceitos Puros

A sensibilidade sozinha não chega para se chegar ao conhecimento científico; é necessário que intervenha outra estrutura: o entendimento. Kant diz que o entendimento representa o lado ativo e criativo do conhecimento. É pelo entendimento que a mente aplica determinados conceitos puros, que exprimem as relações entre as coisas e as explica. É o entendimento que transforma um em causa e outro em efeito.

Exemplo: A é a causa e B é efeito. Isso quer dizer que B depende de A, que não pode acontecer sem ele e que sempre que se verifica A, necessariamente irá suceder B.

Conhecer cientificamente, para Kant, é então estabelecer, entre dois dados sensíveis que a sensibilidade situa no espaço e no tempo, uma relação de causalidade que torna um dependente de outro porque é por este produzido.

Conhecer cientificamente, para Kant, é descobrir o porquê do que acontece. Esse porquê não é dado pela experiência, mas descoberto por nós de forma objetiva mediante um conceito que torna inteligível o que acontece: o conceito de causa.

Kant está de acordo com Hume quanto ao facto de a relação causal não ser objeto de experiência.

Aplicação das Formas a Priori pelo Sujeito

A sensibilidade diz-me que a maçã ocupava um ponto no espaço e depois passou a ocupar outro, com o passar do tempo. Nada me diz sobre a causa do movimento. É o entendimento que me vai dizer que a queda ocorre sempre, com regularidade e com uma causa, a que posso chamar força de gravidade.

Dados sensíveis: são aquilo que a sensibilidade coloca ao dispor do entendimento e do seu conceito por excelência: o conceito de causa.

A Revolução Copernicana de Kant

Kant propõe uma revolução copernicana na filosofia: Em vez de tentar explicar como é que o sujeito se ajusta aos objetos, Kant procura explicar como é que os objetos se regulam pelo sujeito.

Fenómeno e Númeno

  • Fenómeno: O objeto do nosso conhecimento. Mediante a sensibilidade, sabemos que acontece algo e, mediante o entendimento, sabemos por que acontece algo.
  • Númeno: Toda a realidade que transcende a nossa capacidade de conhecimento, mas que não podemos, apesar disso, afirmar que não existe.

A Razão e os Limites do Conhecimento

Para Kant, só podemos conhecer os fenómenos, que nos são dados pela sensibilidade. Há assim a "coisa em si", a que Kant chama númeno, que escapa ao nosso entendimento. Entidades como Deus, a alma e a liberdade podem ser pensadas, mas não podem ser conhecidas.

A Razão deseja explicações definitivas, quer o conhecimento absoluto, exige que não fiquemos pelo que é condicionado e que encontremos o que é incondicionado (este pode não existir). Quer encontrar uma causa que não dependa de outra.

O Desejo de Saber

Apesar de a razão não poder atingir estas entidades metafísicas, Kant formula um princípio que nos diz: "Conhece como se fosse possível o conhecimento absoluto."

Conclusões de Kant sobre o Conhecimento

  1. O conhecimento é possível? Kant não duvida do conhecimento. A sua questão é saber como ele é possível.
  2. A razão dá-nos conhecimentos da realidade independentemente da experiência? Esclarecido o âmbito legítimo de aplicação do conhecimento, como ele começa e de onde deriva, podemos criticar a razão que pretende, no que respeita ao conhecimento, ser pura. O conhecimento exige o contributo da sensibilidade. Ao contrário de Descartes, Kant não admite a possibilidade de um conhecimento puramente racional. A razão pura — desligada da experiência — nada conhece porque nada encontra para conhecer. Só ligada à sensibilidade — e nesse caso tem o nome de entendimento — a razão pode conhecer objetos. Nenhuma faculdade pode conhecer seja o que for sozinha, por si só.
  3. Qual a extensão do nosso conhecimento? Até onde pode ir o nosso conhecimento? Podemos conhecer a realidade tal como é em si mesma? Se só por meio da sensibilidade o entendimento pode referir-se às coisas e encontrar a matéria do seu conhecimento, devemos concluir que conhecer realidades que ultrapassem o plano espaço-temporal, que estão fora do alcance da nossa sensibilidade, é impossível. Essas realidades metafísicas, não sendo objetos da nossa intuição, não poderão ser também objetos de conhecimento científico. O conhecimento científico, embora não derive da experiência, começa com ela e por isso só pode ser conhecimento de realidades empíricas ou sensíveis (fenómenos).
  4. Como é justificado o conhecimento? Uma crença verdadeira será conhecimento e não uma mera opinião se aos nossos conceitos corresponder a intuição empírica adequada. Não se pode justificar a proposição "Deus existe" porque não lhe corresponde qualquer intuição empírica. Estamos equipados com estruturas que nos permitem o conhecimento — as formas do espaço e do tempo, que dão objetos, e as formas do entendimento, que conhecem objetos — desde que essa atividade não pretenda transcender o plano dos objetos naturais.

Resumo da Filosofia de Kant

  • Projeto: Kant pretende explicar como é possível o conhecimento.
  • Razão de ser do projeto: Mostrar se é possível um conhecimento puramente racional, se todo o conhecimento depende da experiência ou se nenhuma destas teses é verdadeira.
  • Como começa o conhecimento: O conhecimento começa com a experiência. É a sensibilidade que nos dá objetos para conhecer. Tudo começa com a espacialização e temporalização dos dados da intuição empírica.
  • De onde deriva o conhecimento: A sensibilidade unicamente sabe que os fenómenos acontecem num dado momento e num certo lugar. Só o entendimento compreende o que um fenómeno tem a ver com outro. Só ele pode explicar — mediante o conceito de causa, forma a priori presente em todo o entendimento humano — a que se deve determinado acontecimento.
  • Até onde pode ir o nosso conhecimento: Como precisamos de objetos para que haja conhecimento e como só a sensibilidade nos dá objetos, mesmo que o conhecimento não derive da experiência, começa com ela. Só há conhecimento de objetos empíricos. A explicação de um fenómeno ou objeto empírico é sempre outro fenómeno.
  • Esta limitação não satisfaz a razão: A razão deve aceitar que não há conhecimento puramente racional (sem experiências) e que toda a atividade de conhecimento se desenvolve dentro do plano empírico, dos objetos que as formas do espaço e do tempo tornam possível intuir. Mas procura que o entendimento aja como se fosse possível encontrar a explicação de todos os fenómenos do mundo.
  • A utilidade da razão: A razão, ao apontar para esta meta ideal, dá ao entendimento uma regra de investigação: este nunca se deve satisfazer com as explicações que alcança porque explicar um fenómeno através de outro é ficar aquém do ideal. Explicar tudo o que acontece no mundo (todos os fenómenos) exige uma causa que não está no próprio mundo. Essa causa seria Deus, ideal máximo da razão porque representa o conhecimento absoluto.
  • Conclusão: Sem a experiência não há objetos para conhecer, mas o nosso conhecimento não é meramente empírico porque nos dá a causa do que acontece.

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